Estudos Medievais: novas interpretações e novos métodos sobre a Idade Média nessa Coleção da Editora da Unicamp

Ana Alice Kohler

Entre os períodos históricos vividos pelo Ocidente, a Idade Média certamente figura no imaginário coletivo da população como a época mais estanque e enigmática da história. Novas formas de interpretação do passado, entretanto, assim como novas descobertas arqueológicas, permitiram uma quebra desse paradigma nas últimas décadas, o que resultou no crescimento do interesse dos acadêmicos da área e dos leigos sobre o assunto. Assim, a ideia da Idade Média como rica em intercâmbios culturais, produções intelectuais e complexidades políticas consolidou-se e estimulou o aumento da relevância desse período histórico para a sociedade atual, no Brasil e no mundo.

A Coleção Estudos Medievais surgiu, nesse sentido, como um projeto que reúne e divulga pesquisas inovadoras da área, trazendo atualizações para a historiografia, mudanças de paradigmas e novos métodos de pesquisa em temas canônicos dos estudos medievais (as cruzadas e o feudalismo, por exemplo), como explicado pela coordenadora da Coleção, Néri de Barros Almeida, em entrevista ao Jornal da Unicamp. As obras que compõem a Coleção, portanto, abordam questões específicas da Idade Média de forma aprofundada e embasada, mas com um teor didático que as torna acessíveis ao público não especializado. Ela é indicada, dessa forma, tanto para acadêmicos e pesquisadores da área quanto para leitores interessados pelo assunto, e é ideal para aplicação em disciplinas universitárias, grupos de pesquisa, clubes de leitura e formações de professores. 

Néri de Barros Almeida é graduada em História pela Universidade de São Paulo e doutora em História Social pela mesma instituição. Especializada no estudo das reformas monástica e papal dos séculos X a XIII e na abordagem comparativa da paz e da violência na Idade Média, foi pesquisadora nas universidades do Porto e Lyon 2 e no Centre Nationale de la Recherche Scientifique, na França. Atualmente, é professora no Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Unicamp e pesquisadora principal do Projeto Temático “Uma história conectada da Idade Média: comunicação e circulação a partir do Mediterrâneo” e da iniciativa de cooperação internacional “Épidémies et famines en Méditerranée Occidentale (siècles VIIe.-XVe.): perceptions, interactions et réponses sociales”.

A Comissão Editorial da Coleção Estudos Medievais também é composta por: Carlos Augusto Ribeiro Machado, professor de História Antiga e diretor do Centro de Estudos sobre a Antiguidade Tardia na Universidade de St. Andrews, na Escócia; Marcelo Cândido da Silva, professor do Departamento de História da Universidade de São Paulo e pró-reitor adjunto de Pós-Graduação; Maria Filomena Coelho, professora de História Medieval do Departamento de História da Universidade de Brasília e do Programa de Pós-Graduação em História da instituição; e Olivia Adankpo-Labadie, professora associada da Universidade de Grenoble-Alpes, na França, e pesquisadora da Idade Média etíope. 

É por conta dessa diversidade de abordagens e da pluralidade de olhares representados na Comissão Editorial que o escopo da Coleção abrange temas, interpretações e metodologias historiográficas distintas e inovadoras. A seguir, conheça cada uma das obras e suas contribuições para a área:

  1. A Cavalaria: da Germânia antiga à França do século XII

Em A Cavalaria: da Germânia antiga à França do século XII, Dominique Barthélemy pretende responder à grande pergunta: “o que foi historicamente a Cavalaria?”. Para isso, registros e documentações medievais são analisados meticulosamente, para a criação de um quadro amplo acerca desse fenômeno histórico, frequentemente associado às narrativas ficcionais da literatura cortês. Dessa forma, Barthélemy demonstra as complexidades e mutações dos ideais cavaleirescos, seu declínio com o fim do sistema feudal e as construções e artificialidades criadas acerca da Cavalaria com o passar dos séculos. 

Dominique Barthélemy é professor de história medieval na Universidade de Paris IV, Sorbonne, e diretor de estudos na École Pratique des Hautes Études. Além disso, já publicou diversas obras acerca da Idade Média, como La mutation de l’an mil a-t-elle eu lieu?, L’an mil et la paix de Dieu e Chevaliers et miracles, esta última também trata da Cavalaria. 

Saiba mais sobre A Cavalaria com “Cavalaria feudal: a desconstrução de um heroísmo romanceado” e “Muito além de uma Cavalaria romantizada”, textos publicados em nosso Blog.

  1. Governar é servir: ensaio sobre democracia medieval

Governar é servir, de Jacques Dalarun, apresenta ao leitor o processo de formação da autoridade dentro das comunidades monásticas dos séculos XII e XIII. A partir disso, o autor propõe uma nova visão acerca da história da governabilidade no Ocidente, a qual supera a divisão fixa e artificial entre a monarquia medieval e a democracia moderna. Assim, mobilizando teóricos como Michel Foucault, Dalarun desestabiliza as noções já cristalizadas de Idade Média e de modernidade por meio da análise das práticas da vida comum nas ordens religiosas, em que “governar era servir”.

Doutor em História Medieval, Jacques Dalarun foi professor na Universidade de Franche-Comté e diretor de estudos medievais na Escola Francesa de Roma. Também já lecionou em universidades na Itália, no Japão, nos Estados Unidos, na Austrália, no Líbano, na Nova Zelândia e no Togo. Especialista em estudos franciscanos, já publicou dezenas de livros sobre o tema. Em Governar é servir: ensaio sobre democracia medieval, o membro do Instituto de França apresenta uma nova abordagem aos estudos das instituições monásticas.

Saiba mais sobre a obra no Livro da Vez, no texto “A ‘governamentalidade’ ocidental: uma estrutura cristã-medieval”, publicado em nosso Blog.

  1. Guerra santa: formação da ideia de cruzada no Ocidente cristão

Guerra santa, de Jean Flori, apresenta uma busca pela conceituação de cruzada a partir da seguinte pergunta: “como a comunidade cristã, em sua origem pacifista, desenvolveu um pensamento e uma prática em relação à violência bélica que lhe permitiram aderir de forma justificada e legítima a diversas empresas guerreiras a ponto de a Igreja vir a tornar-se a deflagradora direta de um conflito com a extensão e a repercussão das cruzadas?”. A partir desse questionamento, Flori constrói uma análise histórica que demonstra como a reconfiguração do pensamento da Igreja medieval não foi repentina, mas um processo gradual.

Jean Flori foi um dos maiores nomes da historiografia medieval e autor de diversas obras sobre a cavalaria e as cruzadas. Também pesquisou as relações entre a Europa e o Oriente Médio e foi diretor de pesquisa do Centre National de la Recherche Scientifique, em Paris.

Aproveite para conhecer mais sobre sua obra, Guerra santa: formação da ideia de cruzada no Ocidente cristão, com “A revolução doutrinária do cristianismo: do pacifismo à guerra santa”, texto já publicado em nosso Blog.

  1. Impérios e trocas na Antiguidade Tardia Eurasiática: Roma, China e Irã e a estepe por volta de 250-750

Impérios e trocas na Antiguidade Tardia Eurasiática, organizado por Nicola Di Cosmo e Michael Maas, apresenta uma nova forma de compreender a Antiguidade Tardia, a qual parte de um ponto de vista que considera “romanos, chineses, iranianos, hunos e muitos outros” em constante contato e dinamicidade. Nas palavras de Néri de Barros Almeida, para o Jornal da Unicamp, “embora, nas últimas três décadas, a ideia de Idade Média tenha sido estendida para a compreensão de partes cada vez mais amplas da Europa Oriental, ao incluir os territórios mencionados, o livro rompe com a perspectiva tradicional de forma mais radical”. Dessa forma, além de oferecer uma visão da Antiguidade Tardia Eurasiática como um período histórico particular e específico, a obra ainda amplia o campo de visão do leitor acerca da própria Idade Média.

Nicola Di Cosmo é professor na Fundação Henry Luce de Estudos do Leste Asiático do Instituto de Estudos Avançados. Especialista na relação entre a China e a Ásia Interior, suas pesquisas tratam do período que se estende desde a pré-história chinesa até a modernidade. Michael Maas, por sua vez, é professor de história na Rice University e diretor do programa de Estudos sobre Antigas Civilizações Mediterrâneas.

Para saber mais sobre Impérios e trocas na Antiguidade Tardia Eurasiática, leia também, no Livro da Vez, “Antiguidade Tardia Eurasiática: uma nova forma de ver a história”, disponível em nosso Blog.

  1. O legado de Roma: iluminando a idade das trevas, 400-1000

Em O legado de Roma, Chris Wickham enfrenta o extenso desafio de propor uma nova compreensão acerca do “paradigma romano”, em especial do período final desse Império tão referenciado. Para isso, a obra abarca um período de 600 anos, de 400 ao ano 1000 da Era Comum. Assim, Wickham desafia a visão tradicional da Idade Média e a negatividade associada a ela por meio da reorientação da perspectiva em direção à bacia mediterrânea e seus interiores, levando em consideração os agentes históricos reais – tanto os “grandes homens” quanto as comunidades. 

Christopher John Wickham é um dos maiores nomes da historiografia da Idade Média. Professor de História Medieval na Universidade de Oxford e na Universidade de Birmingham, foi também nomeado diretor da Escola Britânica em Roma. Tendo como sua principal área de pesquisa a Itália medieval, seus estudos destacam-se pela incorporação de novas fontes documentais, bem como uma utilização ousada delas. Ganhador de diversos prêmios na área, Wickham tornou-se um dos símbolos da reviravolta no pensamento acerca da Idade Média.

Aproveite para ler, no Livro da Vez, “A Alta Idade Média e a recusa à escuridão”, que apresenta ainda mais detalhes acerca da obra.

  1. O nascimento do cemitério: lugares sagrados e terra dos mortos no Ocidente medieval

O nascimento do cemitério, de Michel Lauwers, propõe, por meio do estudo do surgimento dos cemitérios medievais, uma reconfiguração na forma como a sociedade da Idade Média é percebida na modernidade. Ao estabelecer relações de poder e complexidades pouco levadas em conta até então, o autor oferece “um quadro diferente à imaginação comum congelada em torno da ideia de uma sociedade cuja organização encontra-se completamente orientada pelos laços feudo-vassálicos, em que a aristocracia, que inclui os homens de poder do clero, se apropria da riqueza produzida por aqueles que trabalham”. Assim, além de detalhar a relação da sociedade medieval com seus mortos, a obra ainda instiga no leitor uma mudança de paradigmas acerca desse período histórico.

Michel Lauwers é doutor em Ciências Sociais pela École des Hautes Études, em Paris. Professor de História Medieval na Universidade de Nice, seus estudos concentram-se no culto aos mortos na Idade Média ocidental e nos usos sociais da Bíblia. Em O nascimento do cemitério, ele explora a importância do estudo da relação da sociedade medieval com seus mortos para a compreensão da Idade Média como um todo.

  1. Satã herético: o nascimento da demonologia na Europa medieval (1280-1330)

Em Satã herético: o nascimento da demonologia na Europa medieval (1280-1330), Alain Boureau explora os primórdios teológicos e filosóficos do que veio a ser conhecido como a “caça às bruxas” medieval, por meio do estudo da demonologia do período. Dessa forma, o escopo de pesquisa, que geralmente parte do século XV, é estendido aos anos 1280, em que Boureau identifica as condições doutrinárias que permitiram a “perseguição pública aos adoradores do demônio”. A obra, portanto, oferece ao leitor uma visão mais completa e aprofundada acerca desse fenômeno histórico, distanciando-se de simplificações e distorções moralistas.

Formado pela École des Hautes Études em Ciências Sociais e aluno de Jacques Le Goff, Alain Boureau estuda, especialmente, a escolástica medieval. Já escreveu, entretanto, acerca de temas variados da Idade Média, como a atuação das ordens mendicantes nas universidades nos séculos XIII e XIV. Dos seus mais de 15 livros publicados, o primeiro a ser traduzido no Brasil foi Satã herético, em 2004.

Conheça mais sobre a obra com a leitura de “A demonologia como ferramenta política na Idade Média”, disponível em nosso Blog, e “Do racionalismo escolástico à loucura persecutória no século XV”, resenha publicada no Jornal da Unicamp.

  1. Uma história religiosa das cidades medievais

Uma história religiosa das cidades medievais, de André Miatello, apresenta uma análise da relação entre a religiosidade e a política das cidades da Idade Média ocidental, com especial destaque para o papel da Igreja latina no período. A partir disso, o autor evidencia o papel de leigos e leigas na construção da comunidade e de seus regimentos, contrariando o paradigma de dominação religiosa, tão presente nos estudos acerca da Baixa Idade Média. Dessa forma, “o livro desafia dicotomias arraigadas no pensamento ocidental, como sagrado e profano, religioso e secular”, oferecendo novas interpretações históricas acerca do papel da Igreja e da sociedade no período.

André Miatello é formado em História pela Universidade Estadual Paulista de Franca, mestre e doutor pela Universidade de São Paulo e pós-doutor pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná. Atualmente, é professor do Departamento de História da Universidade Federal de Minas Gerais e coordenador do Núcleo de Pesquisa do Laboratório de Estudos Medievais da UFMG. Em Uma história religiosa das cidades medievais, Miatello explora um dos seus principais campos de pesquisa, os cristianismos mediterrâneos.

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A Coleção Estudos Medievais reúne obras inovadoras e profundas acerca de um dos períodos históricos mais paradigmáticos do Ocidente, apresentando temas relevantes tanto para especialistas da área quanto para leigos interessados no assunto. Aproveite para conhecer as outras obras de História disponíveis no catálogo da Editora da Unicamp! Acesse nosso site e saiba mais.

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