A aventura de contar-se: as grandes figuras feministas do Brasil

Por Gustavo Gonçalves

As memórias e a história brasileira foram construídas a partir de lutas sociais de diversos grupos. Um deles foi o movimento feminista, que teve sua irrupção nos últimos 50 anos. Diversas mulheres marcaram presença nos acontecimentos políticos e históricos, como, por exemplo, o combate contra a ditadura. Porém, é de conhecimento geral a trajetória dessas mulheres que se tornaram grandes ícones femininos?

Existem diversos motivos para essa cultura do esquecimento das conquistas de grupos sociais, por exemplo, uma elite pensante que excluiu as principais memórias de grupos de minoria brasileiros e demagogos que tentam apagar as lutas contra o governo militar. Porém, outra questão que intensifica o desconhecimento de ícones feministas é o fato de o ato de biografar-se, ou seja, eternizar sua história para gerações futuras, ser um gênero literário com tradição da elite masculina, sendo narrada por homens, para homens e sobre homens.

Com a intenção de tirar grandes mulheres da história do anonimato e dar força ao movimento feminista, o livro A aventura de contar-se: feminismos, escrita de si e invenções da subjetividade, de Margareth Rago, deu voz a sete personagens que, ao longo de sua trajetória de vida, foram responsáveis por mudanças em uma sociedade arquipatriarcal e, ainda, machista. Nascidas cerca de 70 anos atrás, elas fizeram parte da geração de mulheres que introduziram no Brasil, em larga escala, o ideário feminista; não necessariamente fizeram isso apenas por meio do ideal político, pois a maioria abandonou as atuações partidárias e os grandes partidos para focar em ações de micropolíticas (questões locais ou de grupos específicos). São elas:

– “Maria Amélia de Almeida Teles, a ‘Amelinha’, e Criméia Alice de Almeida Schmidt, ex-presas políticas e fundadoras da ‘União de Mulheres de São Paulo’ (UMSP), associação feminista que luta pelos direitos das mulheres”; 

– “Gabriela Silva Leite, líder do movimento das prostitutas brasileiras, fundadora da ONG Davida, no Rio de Janeiro”; 

– “Ivone Gebara, filósofa e uma das principais expoentes da Teologia Feminista na América Latina, vinculada à associação feminista ‘Católicas pelo direito de decidir’”; 

– “Maria Lygia Quartim de Moraes, socióloga, exilada política, fundadora do jornal feminista Nós Mulheres, professora livre-docente do Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Estadual de Campinas”; 

– “Norma de Abreu Telles, historiadora e antropóloga, professora do Programa de Pós-Graduação da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo por 30 anos e autora de vários livros e artigos nos quais traz importantes pesquisas feministas”; 

– “Tânia Navarro Swain, historiadora e teórica feminista, professora do Departamento de História e do Programa de Pós-Graduação da Universidade de Brasília por 27 anos, editora da revista digital internacional Labrys, estudos feministas, já com dez anos de existência”.

E, além delas, existe uma oitava personagem que compartilha sua vida: a própria autora. Margareth Rago, professora titular MS-6 do Departamento de História da Unicamp (IFCH) e coordenadora da revista digital feminista internacional Labrys, não escreve sobre si em primeira pessoa, mas sim através da reinscrição da vida dessas outras mulheres, já que ela é da mesma geração que suas personagens. Assim, Rago surge para o leitor como uma contadora de histórias que também dizem respeito a ela.

Outro aspecto importante proposto por Margareth é a desconstrução do gênero biográfico tradicional. Originalmente, esse tipo de obra apresenta o personagem de maneira heroica, exaltando os grandes feitos e ascensões sem mostrar o lado “negativo” de sua vida. Em A aventura de contar-se, os acidentes, incertezas e ambiguidades das situações vividas pelas mulheres não são escondidos do leitor. Pelo contrário, são essas partes que aproximam e constroem uma verdadeira imagem dessas figuras na mente do indivíduo, unindo as vitórias e as lutas com os momentos difíceis da vida.

No livro, Margareth acolheu a narrativa dessas mulheres por meio de depoimentos; artigos e textos que essas militantes escreveram; e entrevistas de caráter autobiográfico. Nesse ponto, a obra baseia-se na discussão de Foucault de que a “escrita de si” é uma prática da liberdade constitutiva das “estéticas da existência” dos antigos gregos e romanos. Assim, a autora valoriza a forma como as personagens se constroem discursivamente como sujeitos feministas, como expõem as experiências de suas vidas e como dão destaque a algumas memórias e preferem silenciar outras. Segundo Arfuch, pensadora citada por Margareth: “a narração de uma vida, longe de vir ‘representar’ algo já existente, impõe sua forma (e seu sentido) à própria vida”.

Dividido em três capítulos, o livro A aventura de contar-se: feminismos, escrita de si e invenções da subjetividade evita os formalismos e códigos acadêmicos, a fim de criticar o domínio masculino e o falocentrismo sob as regras que ditam esse meio. Além disso, com um aspecto performático, Margareth consegue transmitir sentimentos para o leitor, e ainda abrir a escrita para tudo que a prática acadêmica resiste. 

A obra é indispensável não só para historiadores, mas também para todos os que queiram conhecer mais sobre grandes figuras brasileiras que, à época, não tiveram o direito de ter sua história contada.

Para saber mais sobre o livro, visite o nosso site!

A aventura de contar-se: feminismos, escrita de si e invenções da subjetividade

Autora: Margareth Rago

ISBN: 978-85-268-1017-4

Número de páginas: 344

Edição: 1a

Ano: 2013

Dimensões: 21 x 14 x 2 cm

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