Geodiversidade e geopatrimônio: necessários à preservação

Por Sophie Galeotti

Quando falamos em preservação ambiental, automaticamente pensamos na biosfera. Isto é, na biodiversidade, nas vegetações e nas espécies que as habitam; nos ecossistemas vivos. Todavia, a biodiversidade depende fundamentalmente da geodiversidade, que corresponde aos aspectos geológicos, como os solos, a topografia e as águas superficiais. 

Então, para que a preservação ambiental seja assegurada, é essencial pensá-la por uma ótica que inclua, conceitualmente, a proteção à geodiversidade na legislação. Além disso, é necessário conscientizar a população sobre essa dimensão do meio ambiente. Novos rumos do direito ambiental: um olhar para a geodiversidade apresenta constatações e propostas que visam à preservação em sentido amplo, envolvendo os aspectos social, econômico e ambiental.

O livro foi organizado por Luciana Cordeiro de Souza-Fernandes, Alexandra Aragão e Artur Abreu Sá. Souza-Fernandes é professora de direito na Faculdade de Ciências Aplicadas da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp); Aragão é professora na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, e Sá, professor associado com tenure de geodinâmica da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (Utad).

A obra é dividida em três partes: “Geodiversidade: enquadramento jurídico e questões éticas”, “Formas concretas de proteção e fruição da geodiversidade” e “Exemplos de proteção: quatro casos de estudo”. 

Cada parte traz artigos de autores bem conceituados em seus campos, que vão do direito civil ao ensino e à história de ciências da Terra. O conjunto da obra reúne a mobilização de dezenas de instituições. Entre elas, a WSB University (Polônia), a Associação Estrela Geopark (Portugal), a Mixteca Alta Geoparque Mundial de la Unesco (México), a Universidade Federal de Goiás (UFG, Brasil) e a Associação dos Professores de Direito Ambiental do Brasil (Aprodab, Brasil).

Em um mundo cada vez mais complexo, é necessário trazer várias frentes de conhecimento e de ação à cena quando se busca compreender a tensão entre meio ambiente e sociedade. Outro recente lançamento da Editora discute a necessidade da interdisciplinaridade para lidar com o mundo contemporâneo e seus intrincados desdobramentos do passado.

Como país colonizado, a formação do território nacional brasileiro ocorreu por meio da exploração desenfreada de recursos naturais, visando à produção de valor econômico. O primeiro ordenamento em relação à propriedade de terras foi o regime das sesmarias, que prevaleceu até 1822 – e que teve sérias consequências aos povos indígenas e a seus direitos à terra, como o capítulo “Índios kariris e as políticas de proteção ao índio no ordenamento jurídico brasileiro”, de José Patrício Pereira Melo, explora. Durante esse regime, recursos naturais foram exauridos, como o pau-brasil. 

Somente no ano de 1934 foi criada a primeira medida de proteção legal voltada ao patrimônio natural do Brasil, tornando a extração de pau-brasil lícita apenas mediante concessão. 

A nossa história é marcada pela exploração ambiental, que tensiona a sociedade e a natureza. Essa tensão não só permanece, como ganhou amplitude gigantesca. Celso dal Ré Carneiro, autor do capítulo “Geoética, herança geológica e geodiversidade: aprendendo ciência, fazendo direito”, nota que, de 1822 a 2022, a população do Brasil terá crescido “46 vezes, de 834 vezes do PIB e de 18 vezes na renda per capita”, o que corresponde a um crescimento “mais de 6 vezes superior ao ritmo de crescimento da população mundial”. 

Esse crescimento impõe uma enorme pressão no meio ambiente, ainda mais levando em conta o fato de que a maioria da população não tem conhecimento dos problemas ambientais, quanto menos de sua magnitude. 

Como conscientizar as pessoas sobre a geodiversidade brasileira e a necessidade de sua preservação para a humanidade? Como agir para que a preservação da geodiversidade seja efetiva, ainda mais em tempos em que isso é tão urgente? A obra propõe caminhos para chegar às soluções.

A geodiversidade é outra face da moeda da biodiversidade. É normativamente esquecida quando se trata de legislação ambiental, o que é apontado como um erro legislativo no capítulo “A tímida tutela da geodiversidade na Constituição brasileira de 1988 e no Código Florestal”, de Suyene Monteiro da Rocha e Renata Rodrigues de Castro Rocha. O foco na biodiversidade faz com que se pense apenas nos recursos bióticos para conceituar legislativamente a preservação. Dessa maneira, inexiste um marco legal da geodiversidade. Suyene Monteiro da Rocha e Renata Rodrigues de Castro Rocha chamam atenção para a defesa quase acidental que tanto a Constituição de 1988 quanto o Código Florestal fazem da geodiversidade – justamente por esse enfoque exclusivo na biodiversidade. É necessário conceituar a geodiversidade legislativamente.

O geopatrimônio, por sua vez, é uma instância do patrimônio natural. Diz respeito à estreita relação que vincula a Terra aos seres humanos e à cultura. O geopatrimônio tem dois sentidos, como o capítulo “A chancela de paisagem cultural e a musealização do território”, de Luciano Alvarenga, explica. O sentido estrito não corresponde à geodiversidade como um todo, “mas à parcela dela que, devido aos valores e atributos invulgares que apresenta, deve ser guardada sob cuidados especiais”, como, por exemplo, por meio de “planos e práticas de cuidado e gestão que focalizam elementos ou espaços individualizáveis de interesse geopatrimonial”. Entre esses espaços, estão minerais e formas de relevo. Porém, esses cuidados devem ser estendidos a toda a geodiversidade, pois, “em sentido lato, a Terra é, em si, um (geo)patrimônio a ser transmitido às gerações vindouras”. 

Um dos caminhos para a conscientização da população em relação à preservação da geodiversidade é a geoeducação. Ela pode ser promovida por meio de parques de conservação – geoparques e geossítios – que promovam também o geoturismo. A geoeducação pode ocorrer por meio de materiais geoeducativos – a obra traz exemplos de alguns utilizados para esse fim. O contato entre a população e o geopatrimônio pode resgatar o vínculo entre este último e a humanidade – vínculo muitas vezes esquecido em nossas vidas cada vez mais urbanizadas. 

Há, portanto, uma potência enorme na educação para a preservação da geodiversidade, pois ela fornece a compreensão ambiental do território, “para que a futura massa crítica gerada em frente com conhecimento os desafios da ocupação humana neste planeta. É crucial que os conceitos de geodiversidade alcancem outras áreas do pensamento humano para o entendimento pleno sobre o meio ambiente”, nas palavras de Liccardo e Guimarães, mencionados no capítulo “Geoparque Unesco: proposta de desenvolvimento sustentável territorial para compor o direito ambiental brasileiro”, escrito por Luciana Cordeiro de Souza-Fernandes e Alexandre Martins Fernandes. 

Esse capítulo também destaca a contribuição dos  geoparques Unesco para a educação ambiental a partir do espaço local. Essa difusão está em ação: são “mais de 30 propostas de criação de geoparques, sendo que duas submeteram suas candidaturas à Unesco em 2019: os projetos geoparque Seridó (RN) e geoparque Cânions do Sul (RS); a expectativa é de que em breve estes possam se tornar os novos geoparques brasileiros”. Esses parques buscarão promover a sustentabilidade nesses territórios.

Outra importante instância de ação para preservar a geodiversidade é a geoética, campo interdisciplinar entre as geociências e a ética. Geoética significa “uma responsabilidade (social e individual) em relação à Terra; em outros termos, uma ética perante o planeta”. A geoética, na prática, “articula a visão sistêmica da geologia com as implicações éticas, sociais e culturais da pesquisa e (da) prática geológica”, nas palavras de Celso Dal Ré Carneiro. No campo jurídico, conhecer o funcionamento da Terra como planeta e os conceitos de geoética e geodiversidade aprimora a interpretação e a aplicação das leis.

Desastres ambientais como o de Mariana (2015) e Brumadinho (2019), que afetaram profundamente o meio ambiente e ceifaram vidas, evidenciam como “ignorar a dinâmica natural pode levar a tragédias humanas irreparáveis”. Para encarar os desafios que uma economia de mercado impõe sobre o meio ambiente – e, portanto, sobre a própria humanidade – é necessário o domínio de uma bagagem cultural que inclua conceitos geológicos, para os jovens assumirem “postura crítica, comprometida e cidadã diante das questões da natureza”. Afinal, a geodiversidade sempre foi condição sine qua non para a distribuição dos habitats e das espécies. E a ação a partir da geoética é mais necessária do que nunca

Da mesma forma, “os recursos naturais também sempre foram essenciais para a sociedade e o crescimento econômico”. A postura crítica também é fundamental para que os padrões de consumo sejam repensados. E eles precisam ser, pois os recursos da Terra são finitos, já estão comprometidos e serão ainda mais sem a mudança radical nos padrões de consumo.

Convergindo saberes de áreas científicas habitualmente separadas – como a geologia, a ética aplicada e o direito – Novos rumos do direito ambiental: um olhar para a geodiversidade lança um projeto de pesquisa pioneiro “destinado a lançar os alicerces da construção de uma nova área do saber, interdisciplinar e vocacionada para amplificar o reconhecimento científico, social e cultural da geodiversidade”, como consta na apresentação da obra.

O livro traz dados teóricos e práticos sobre os meios de identificação e proteção do patrimônio geológico. É indispensável não só a pesquisadores de direito, geologia e educação, mas a todos que querem enriquecer suas compreensões de mundo. Adquira o lançamento em nosso site

Novos rumos do direito ambiental: um olhar para a geodiversidade

Organizadores: Luciana Cordeiro de Souza-Fernandes, Alexandre Aragão e Artur Abreu Sá

ISBN:9786586253870

Edição: 1ª

Ano: 2021

Páginas: 560

Dimensões: 23 x 16 x 3 cm

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