Entre silêncio e som, um Tom Jobim harmonioso

Por Gabriel de Lima

A garota andava em preto e branco. Hoje, essa mesma garota desfila, banhada pelas cores matinais da paisagem carioca. A “Garota de Ipanema” globalizou-se, divulgando a genialidade de Antonio Carlos Jobim para o mundo. Tom Jobim, uma das principais vozes da música brasileira do século XX, ambicionou, por toda a sua vida profissional, que suas canções tivessem um alcance massivo dentro do cotidiano nacional. Contudo, mesmo tendo esse projeto de uma popularização musical, não se pode denotar que Tom Jobim utilizasse um mesmo molde harmônico ou composicional, ainda menos que ele seguisse inteiramente o estilo de canções da MPB nos anos 1960.

Fazendo o uso de diversos e mirabolantes artifícios musicais, a unicidade de cada composição de Jobim tornou-o figura integrante da cultura nacional, sendo objeto para inúmeros estudos e debates posteriores sobre a importância de sua obra para a música brasileira. Isso posto, é por meio da análise harmônica de 145 canções jobinianas que Carlos Almada, mesmo autor de Arranjo (2001) e Harmonia funcional (2009), publica pela Editora da Unicamp, em uma parceria de longa data, o seu mais novo livro, A harmonia de Jobim. Um estudo inovador pelo que se propõe e, ademais, pela perspectiva adotada: estabelecer uma conexão entre o campo harmônico não somente com a melodia, mas também com as produções textuais de Tom Jobim.

Antes de esmiuçar sobre a obra de Carlos Almada, é válido ressaltar a quase inexistência de pesquisas técnicas aprofundadas que sistematizem, a partir de um arcabouço teórico bem fundamentado, o modus faciendi jobiniano. Com a urgência dessa demanda, A harmonia de Jobim pretende demarcar, de forma precisa, as particularidades das canções de um dos mestres da música brasileira, demonstrando os curiosos caminhos encontrados por Tom Jobim em seu trabalho composicional. Nesse sentido, ao não trazer uma visão biográfica e estética para o centro de seu estudo, o autor reafirma o caráter metodológico e científico do exame que empreende.

Um “compositor popular”, assim Almada denomina a trajetória musical de Jobim, sendo que esta não parte de características e aspectos popularizados, como reiterado anteriormente. Com isso, pode-se dizer que essa intitulação provém do fato de as canções jobinianas carregarem um viés de propagação, conseguindo atingir o âmago de seus ouvintes – sejam eles pertencentes à elite, sejam eles residentes das periferias brasileiras. Apoiado nisso, o estudo direciona-se para “a determinação do estilo [harmônico] do compositor”, de suas escolhas que produziram um conjunto musical expansivo, extrapolativo e singular. Embora não discutida, é interessante a maneira como, de acordo com as experiências jobinianas, o termo “popular” é definido e transgredido com o objetivo de “evidenciar a exuberância, a diversidade e a sofisticação” dos recursos detidos por esse grande compositor nacional.

Constituído por três partes que destrincham, minuciosamente, toda a ideia a ser construída sobre as opções harmônicas usuais de Tom Jobim, desde as básicas e fundamentais “formulações teóricas”, atravessando questões relacionadas às “estruturas funcionais” – na qual se inclui o exame dos campos e das relações tonais, a análise de algumas canções e o estabelecimento do que pode ser denominado como “o modalismo jobiniano” –, até as considerações finais sobre outras influências recebidas por Jobim, como a estética blues. Para além disso, no término do livro existem dois Apêndices que esquematizam os tipos acordais (TAs), sinalizando o léxico jobiniano.

Doutor em Música pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio), Carlos de Lemos Almada leciona, há anos, na UFRJ, a disciplina de harmonia funcional, nomenclatura esta que intitula uma de suas publicações pela Editora da Unicamp, lançada no ano de 2009. Mesmo que não contatasse Antonio Carlos Jobim ainda em vida, a admiração enquanto apreciador musical fez com que o autor de Arranjo, um apaixonado pelas canções jobinianas, adentrasse nesse vasto e exótico universo composicional do musicista carioca, elaborando, portanto, uma pesquisa que pretende ser a mais didática e esclarecedora tanto para acadêmicos quanto para entusiastas de Tom Jobim.

A necessidade de um conhecimento básico de harmonia, reafirmada pelo estudioso, não impede a compreensão da escrita palatável e objetiva de Carlos Almada. Na obra, existe a introdução de notas de rodapé com explicações e comentários do próprio autor, explanando, de forma detalhada, os assuntos mais complexos que vão surgindo ao longo do livro, sendo isso imprescindível e natural quando se refere à composição jobiniana. A respeito das técnicas usuais de Tom Jobim, o pesquisador destaca algumas no decorrer da publicação, como as relações mediânticas e a “técnica da modulação-relâmpago”, tentando delinear o panorama harmônico que Jobim construiu para si.

Enfim, quer esteja direcionada para profissionais da área, quer propague ainda mais a importância nacional desse extraordinário musicista, quer apresente uma outra perspectiva para os estudos jobinianos, A harmonia de Jobim consegue promover uma correlação entre esse campo da música – sendo que harmonia é, sucintamente, a “ciência que estuda a formação dos acordes musicais e seu encadeamento” – com aqueles que seriam extrínsecos: a melodia e o texto. Nesse silêncio da pesquisa, muito mais do que na efervescência decorrente da escuta das canções de Tom Jobim, é que Carlos Almada, com a capacidade didática e de profunda compenetração que lhe é natural, disponibiliza mais uma obra magistral para seus leitores.

Para saber mais sobre o livro, visite o nosso site!

A harmonia de Jobim

Autor: Carlos Almada

ISBN: 9788526815476

Edição: 1a

Ano: 2022

Páginas: 352

Dimensões: 18 x 27 cm

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