A internacionalização de Mário de Andrade

Por Luisa Ghidotti Souza

Na relativamente curta história da literatura brasileira não há quem negue a importância de Monteiro Lobato, Mário de Andrade e Lima Barreto, que se tornaram inesquecíveis por meio de seus escritos. Uma série da Editora da Unicamp composta por três obras selecionou contos desses autores e publicou-os em edições bilíngues português/inglês. O projeto busca expandir o acesso às produções desses literatos amplamente reconhecidos no Brasil.

O livro Contos de / Short stories by Mário de Andrade conta com cinco textos do autor, quatro deles publicados postumamente. John Ellis, o tradutor da obra, é formado pelo Middlebury Institute of International Studies at Monterey, domina pelo menos cinco línguas e é especialista em traduções do espanhol, do português e do francês para a língua inglesa. Os textos em inglês desta obra trazem a preocupação de que a leitura seja uma experiência semelhante à em português, mantendo os neologismos, os diminutivos, os anglicismos irônicos, as inversões, as duplas negações (entre outras marcas de oralidade). Assim, o leitor de língua inglesa consegue adentrar o complexo jogo de significações, entender os termos peculiares usados por Mário de Andrade e situar-se no contexto linguístico tão específico que o autor cria.

Para introduzir o livro, temos “Lições e assombrações” ou “Lessons and scares”, escrito por Orna Levin, professora de Teoria Literária no Instituto de Estudos da Linguagem (Unicamp), onde é livre-docente em Literatura Brasileira desde 2018 e investiga as produções literárias do século XIX até meados do século XX. A autora focaliza seus estudos em analisar os textos de ficção no Brasil diante da globalização cultural, o que é consoante à proposta de traduzir contos de autores brasileiros, pois visa à ampliação da circulação das obras literárias nacionais. Mário de Andrade já é um escritor aclamado, e a possibilidade de lê-lo na língua mais disseminada no mundo oferece um novo escopo para a leitura e para a pesquisa de nossa literatura.

Na introdução, Levin busca trazer aos leitores questões gerais da obra de Mário de Andrade e específicas dos contos selecionados: “O ladrão” ou “The thief”, “O peru de Natal” ou “The Christmas turkey”, “Frederico Paciência” (mantido com o mesmo título), “Tempos de camisolinha” ou “Little nightgown times” e “Será o Benedito!” ou “Really, Benedito?!”. Esses textos representam o momento mais maduro da produção de Mário de Andrade, os quais, segundo registros do próprio autor, levaram mais de uma década para estarem prontos. Seus trabalhos, no entanto, vão além de sua atuação como contista. Nas palavras de Levin:

“De fato, a lenta maturação dos contos nos permite supor que estejam condensadas em sua arquitetura as várias frentes da investigação formal realizada pelo escritor que, além de poeta e exímio pianista, foi crítico e cronista de jornais diários, musicólogo, folclorista e professor. Figura de proa na vanguarda brasileira dos anos 1920, participou ativamente do movimento modernista, advogando as rupturas renovadoras que sua geração introduziu no âmbito das artes plásticas, da música e da literatura. O interesse pelas manifestações da cultura popular impulsionou sua pesquisa estética na direção do abrasileiramento da literatura, estendendo-se ainda para o campo da ação política, em que sobressaem propostas de incorporação das preocupações etnográficas na gestão do bem público.”

Os interesses do autor apontados por Orna Levin aparecem nos contos selecionados nessa obra. Todos se passam em São Paulo, percorrendo o centro da cidade, com a menção, por exemplo, a seu marco zero (Igreja da Sé) em “Frederico Paciência”, estendendo-se também às regiões periféricas, ao descrever os cortiços e os bairros de trabalhadores, como vemos em “O ladrão”. Constrói-se, assim, um contraste entre a urbanização emergente da metrópole, com a formação da classe média paulista (muito bem representada em “O peru de Natal”, “Tempo de camisolinha” e “Será o Benedito!”), e a criação dos subúrbios, com uma ilustração da classe operária. O confronto entre essas realidades distintas que existiam no período de industrialização da cidade de São Paulo sustenta a temática da fragilidade humana.

Levin afirma que a construção das narrativas se centra mais na descrição do envolvimento psicológico das personagens diante dos acontecimentos que na própria ação dos enredos. Assim, identifica em “O ladrão” um narrador-câmera, que ora aproxima e ora distancia o enquadramento, de maneira que “os ângulos da narração se modificam para acompanhar de perto os sentimentos e as hesitações” das personagens. Os outros quatro contos que o sucedem são narrados por Juca e capturam sua experiência de vida em ordem cronológica inversa, situando sua vida adulta em “O peru de Natal”, a adolescência em “Frederico Paciência”, a infância em “Tempos de camisolinha” e em “Será o Benedito!”. A voz desse narrador é memorialística, fazendo frequentes saltos temporais, explorando sua intimidade e os momentos marcantes de sua trajetória e de sua aprendizagem sentimental, criando “um efeito de simultaneidade nas ações do passado e do presente.” 

O livro apresenta, assim, um Mário de Andrade que tematiza o sentimento humano e a subjetividade na construção espacial e temporal em narrativas. Possibilitar essa leitura em língua estrangeira significa não apenas a ampliação do alcance da obra do autor, mas também a internacionalização de um ponto de vista sobre a construção cultural, literária, social e política do Brasil. Essa publicação marca um lugar novo da literatura e da língua brasileiras no cenário mundial de ensino e pesquisa.

Para saber mais sobre o livro e adquirir o seu exemplar, acesse o nosso site!

Contos de Mário de Andrade – Short stories by Mário de Andrade

Autor: Mário de Andrade

Tradutor: John Ellis 

ISBN: 978-65-86253-39-9

Edição: 1ª

Ano: 2020

Páginas: 168 pp.

Dimensões: 10,5 x 18 cm

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