A presença da língua inglesa no continente africano e suas implicações

Por Everaldo Rodrigues

Os anos que se seguiram ao fim da Segunda Guerra Mundial foram marcados pelo processo de descolonização da África, com a formação de muitos países a partir de movimentos de independência, de guerras civis e de acordos políticos. Um olhar sobre o continente em sua configuração atual mostra que 22 dos 54 países elevaram o inglês a língua oficial, em detrimento da gigantesca riqueza cultural que caracteriza sua diversidade linguística, com suas mais de duas mil línguas. Analisando tal informação, a pergunta que surge é: por que tantos países mantiveram como língua oficial o idioma do colonizador? Para responder isso, Ângela Lamas Rodrigues escreveu A língua inglesa na África: Opressão, negociação, resistência, livro publicado em uma parceria entre a Editora da Unicamp e a Editora Unifesp, se debruçando sobre os impactos sociais, políticos, econômicos e educacionais dessa presença linguística.

Doutora em Letras pela Universidade Federal de Santa Catarina, a autora contribui para os estudos africanos no Brasil ao oferecer uma explicação para a adoção do inglês nesses países mesmo após longos e dolorosos processos de descolonização. Ela destaca o fato de a língua inglesa ser, teoricamente, um “idioma global”: por estar ligada “à maior força colonizadora de fins do século XIX e ao poderio econômico e cultural dos Estados Unidos no século XX”, o inglês supostamente teria a função de ser uma “ferramenta sociocultural predestinada a encurtar distâncias (políticas, culturais, econômicas e sociais) antes intransponíveis, facilitando a comunicação e o acesso à informação”. Assim, é compreensível que vários países seguissem esse movimento e integrassem o idioma aos seus processos econômicos e comerciais, aos seus cotidianos jurídico e político, aos costumes culturais e ao entretenimento.

A autora alerta para o fato de que a presença marcante do inglês nesses países representaria uma “continuidade em relação ao expansionismo europeu, ao colonialismo de fins do século XIX e à constante reinvenção e reorganização do capitalismo para superação de suas crises sistêmicas”. A partir dessa perspectiva, o inglês não seria uma “língua modernizadora”, que levaria os países africanos ao pleno desenvolvimento graças ao acesso que daria à ciência e à tecnologia, mas sim um elemento que manteria o elo de dependência desses países ao sistema econômico ocidental e ao poder dos países desenvolvidos. Essa hegemonia também atuaria em aspectos ideológicos ao reforçar uma suposta superioridade do idioma sobre as línguas africanas, marginalizando os não falantes do inglês e privilegiando a elite desses países, que, graças ao domínio dessa língua, poderia acessar cargos políticos ou entrar nas universidades e obter melhores empregos. Assim, o inglês desempenharia o papel de um idioma alienante, que dividiria e manteria uma estrutura de classe favorável às políticas econômicas ocidentais.

Rodrigues dá atenção especial à educação nesse contexto, uma vez que esse sistema se torna particularmente evidente na formação dos jovens. Vários dos países que adotaram o inglês como língua oficial possuem um segundo idioma, seja ele autóctone (natural daquela região) ou franco (uma adaptação do inglês que facilita a comunicação entre falantes e não falantes). No entanto, pesquisas apresentadas pela autora mostram que as línguas locais não são utilizadas no ensino, e sim o inglês, seja em nível primário ou em nível secundário. Isso cria uma dificuldade para os estudantes ao travarem contato com uma língua que não é a mesma usada no dia a dia de suas comunidades, além de evidenciar a falta de preparo de professores no idioma oficial. O que, por sua vez, desencadeia diversas outras questões, como o limitado acesso a universidades, visto que o domínio do inglês é necessário para o ingresso ao nível superior. A hegemonia do inglês no ambiente escolar acaba por desencorajar o uso de línguas africanas e privilegia a camada mais abastada da população, que possui um maior nível de proficiência na língua, mantendo os medidores gerais da educação muito abaixo do ideal, prejudicando a economia dos países e aumentando as diferenças de classe.

Como solução, o livro apresenta determinações de organizações educacionais e políticas, como o ensino de línguas autóctones em paralelo ao inglês ou substituindo-o por completo, adaptando a didática para que os alunos se sintam à vontade com o idioma que aprendem em casa. Tais medidas, evidentemente, encontram barreiras políticas por representarem uma postura emancipadora de valorização dos idiomas legitimamente africanos.

O livro também aborda questões relacionadas à literatura africana e ao uso do inglês como ferramenta tanto de denúncia das atrocidades cometidas pelo colonialismo quanto de afirmação de uma identidade cultural. Analisando dois importantíssimos escritores africanos, o nigeriano Chinua Achebe e o queniano Ngũgĩ wa Thiong’o, a autora procura explicar o que há por trás da apropriação do inglês por esses romancistas, que se tornaram consagrados ao escrever na língua do colonizador, e como seus trabalhos podem refletir contradições de um posicionamento intelectual elitista. Rodrigues coloca algumas questões: até onde os livros escritos por africanos em inglês representam a voz legitimamente africana? Em que ponto eles podem conter um posicionamento alienado das elites intelectuais em relação à realidade dos países e das situações retratadas por não se expressarem nas línguas autóctones? Tais reflexões se mostram essenciais para compreender, por exemplo, o sucesso desses autores fora da África, já que, ao escrever em inglês, “o intelectual migrante contribui para sua hegemonia” e, consequentemente, se torna parte integrante dessa estrutura que cria e mantém “sistemas de exclusão em seus países de origem, além de promover, ainda que involuntariamente, a contínua marginalização de línguas minoritárias”. O questionamento do livro é fundamental para que se possa entender não só a imagem contemporânea da África construída dentro da literatura e sua percepção no Ocidente, mas também o efeito negativo que essa imagem, construída para o Ocidente, pode causar no próprio continente.

A língua inglesa na África é repleto de estudos de casos e de propostas educacionais e políticas que podem ajudar a mudar esse panorama opressivo. Uma leitura essencial não só para estudantes interessados na história do continente, mas também para educadores, linguistas e críticos literários. Por meio de um dedicado e engajado texto, pode-se compreender como muitas vezes as intenções por detrás de uma mera escolha de idioma escondem problemas que agravam as já precárias situações socioeconômicas desses países.

Para saber mais sobre o livro e adquirir o seu exemplar, acesse o nosso site!

A língua inglesa na África

Autor: Ângela Lamas Rodrigues

ISBN: 978-85-268-0947-5

Coedição: Editora Fap-Unifesp

Edição: 1ª

Ano: 2011

Páginas: 136

Dimensões: 16×23

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