Por Everaldo Rodrigues
Em novembro de 2006, a Unicamp comemorava seu aniversário de 40 anos. Dentre os diversos eventos realizados na ocasião, ocorreu o colóquio Caminhos da língua portuguesa: África-Brasil, com uma série de conferências e mesas-redondas que contou com especialistas de diversas áreas do conhecimento, como linguistas, escritores, historiadores, antropólogos e artistas. O objetivo dos encontros foi debater e analisar, por meio de múltiplos olhares, a apropriação da língua levada pelos portugueses para suas colônias na África e na América, tanto na fala quanto na escrita. Os textos proferidos nas conferências foram reunidos no livro África-Brasil: Caminhos da língua portuguesa e publicados pela Editora da Unicamp.
A organização da obra foi realizada pelos professores Charlotte Galves, do Departamento de Linguística, e Fernando Rosa Ribeiro, do Departamento de História, ambos da Unicamp, além do professor Helder Garmes, do Departamento de Letras Clássicas e Vernáculas da USP. A publicação dos textos representa um passo importante nos debates sobre a língua portuguesa, especialmente na análise de seu papel nas interações sociais e culturais mantidas ao longo dos séculos, de seu contato com idiomas africanos e das relações estabelecidas com outras línguas devido ao seu uso por exilados, migrantes e escravizados. As reflexões apresentadas percorrem uma sequência temática. Os primeiros artigos tratam dos processos históricos de apropriação da língua portuguesa, seguidos por textos que destacam o papel da literatura na formação da identidade nacional na África pós-colonial. Os últimos textos procuram mostrar como as línguas africanas e o português se influenciam mutuamente e atuam nos dias de hoje. O resultado é um livro formado por uma instigante interdisciplinaridade, mas também por uma variedade de pontos de vista que evidenciam a diversidade dos estudos possíveis tendo como objeto a nossa língua.
É a partir de um movimento de distanciamento das marcas coloniais e de aproximação dos resultados da interação das línguas faladas no Brasil e na África que a coletânea se mostra ainda mais interessante. Ao se distanciar da suposta predominância portuguesa nas comunidades estudadas, é possível compreender os efeitos desse contato linguístico. Para isso, alguns textos problematizam a hegemonia linguística nos territórios coloniais durante o período de dominação de Portugal. É o que acontece, por exemplo, no primeiro texto, de autoria do historiador Luiz Felipe de Alencastro, que demonstra a presença de línguas africanas dentro de um espaço cultural, resultante do comércio escravagista entre Brasil e África, desde o século XVI até meados de 1850. Essa constatação revela uma presença muito maior dos idiomas africanos nas relações estabelecidas nesse espaço, assim como destaca o silenciamento imposto a eles ao se atribuir um papel hegemônico do português de Portugal. A ideia de uma predominância lusófona foi formada recentemente na história do que se entende hoje por Brasil, e esconde a grande influência que as línguas faladas no continente africano tiveram sobre o português brasileiro, o que estudos mais recentes têm trazido para debate, enriquecendo o conhecimento sobre o período colonial.
O próprio termo “lusofonia” é contestado nesse livro, no texto da linguista Eni Orlandi. Partindo de uma reflexão sobre o lugar da língua na colonização e na descolonização, ela define o termo como problemático, uma vez que “preserva a noção de homogeneidade e alimenta o repertório da colonização”. Para ela, seria impossível pensar na língua sem levar em conta o contexto de seu funcionamento e as condições político-históricas que regeram sua formação e assimilação. A reflexão sobre o português falado tanto no Brasil quanto em países da África não poderia ser realizada, então, sem considerar a dominação lusitana comum e as transformações ocorridas pela apropriação da língua e pelos “hibridismos” resultantes dos contatos linguísticos. Seriam esses “hibridismos” uma afirmação de uma “descolonização linguística”, uma vez que, segundo Orlandi, “se, na colonização, o lugar de memória pelo qual se significa a língua e seus falantes é Portugal, no processo de descolonização, essa posição se inverte, e o lugar de significação é deste lado do Atlântico, com sua memória local”. Dessa forma, o termo “lusofonia” iria no sentido contrário de libertação, apontando para um ponto em comum que desconsidera todas as particularidades e singularidades das regiões onde o português é falado e que fazem desses lugares o que eles de fato são.
O último texto do livro reproduz uma longa conversa entre Ana Mafalda Leite, poetisa portuguesa, e João Paulo Borges Coelho, romancista moçambicano, mediada por Michel Laban, professor argelino falecido em 2008, a quem o livro é dedicado. Nesse diálogo intenso e recheado de narrativa e poesia, os escritores falam sobre experiências de suas infâncias, suas trajetórias literárias e sobre escrever no contexto político e histórico do Moçambique pós-Independência. Os relatos dos escritores ajudam a compreender o papel da literatura em um país conturbado politicamente, mas rico em histórias e talentos.
Em resumo, estudantes e pesquisadores do português podem esperar de África-Brasil: Caminhos da língua portuguesa um conjunto de textos em que a literatura, a história e a linguística relacionam-se a fim de iluminar as relações que transformaram e continuam transformando o que um dia foi a “língua de Camões” nesta maravilhosa e complexa colcha de retalhos linguística e cultural que nos envolve.
Para saber mais sobre o livro e adquirir o seu exemplar, acesse o nosso site!

Título: África-Brasil – Caminhos da língua portuguesa
Organizador: Charlotte Galves, Helder Garmes, Fernando Rosa Ribeiro
ISBN: 978-85-268-0838-6
Edição: 1ª
Ano: 2009
Páginas: 280
Dimensões: 16×23