As revistas de humor e sexo no Rio de Janeiro

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Por Everaldo Rodrigues

O livro Clichês baratos: Sexo e humor na imprensa ilustrada carioca do início do século XX, de Cristiana Schettini, é o mais novo membro da coleção “Históri@ Illustrada”, da Editora da Unicamp. Fruto de uma pesquisa sobre revistas publicadas entre os anos de 1898 e 1916, a obra traz um panorama sobre a mídia impressa do Rio de Janeiro da Belle Époque, especialmente aquela dita do “gênero alegre”, ou seja, periódicos que uniam humor e erotismo em suas publicações.

A proposta da coleção “Históri@ Illustrada” é apresentar, em livros digitais, pesquisas realizadas nas áreas de História Social e da Cultura a partir de  documentos textuais, visuais e sonoros. Unindo texto, imagem e som na análise historiográfica, o e-book permite a interação com as fontes: basta um toque no link e o leitor pode conferir, ele mesmo, o documento referenciado no texto. Tal recurso é um elemento interessantíssimo para essa área de estudo. Assim, acessando diretamente músicas, fotografias e vídeos, é possível envolver-se ainda mais com o tema do livro e aprender de uma maneira nova.

A autora de Clichês baratos é doutora em História Social pela Unicamp e professora do Instituto de Altos Estudios Sociales da Universidad Nacional de General San Martín (Unsam), além de pesquisadora do Consejo Nacional de Investigaciones Científicas y Técnicas (Conicet), ambos na Argentina. No livro, ela aborda a vida noturna carioca na virada do século XIX para o XX, com todas suas aventuras e diversões, apresentando as publicações de apelo erótico e humorístico como reveladoras das relações entre homens e mulheres, suas hierarquias sociais e morais, na então capital da República. Para isso, Schettini foca em duas revistas ilustradas específicas: O Rio Nu, impressa entre os anos de 1898 e 1916, e a Sans Dessous, publicada entre 1909 e 1910.

Ambas as revistas não tinham muitas pretensões além do lucro e do divertimento de seus criadores e leitores. Suas publicações consistiam em textos humorísticos, geralmente de conotação sexual, trocadilhos e ilustrações maliciosas que, com o passar dos anos e com a modernização das técnicas de cópia e reprodução de imagens, passaram para fotografias. A análise desse material permite definir características peculiares do período, como a construção de uma cultura erótica seguindo modelos franceses, além de uma relação muito próxima com um amplo mercado de diversão noturna, que passava pelos teatros, restaurantes, bares e bordéis existentes no Rio de Janeiro.

Embora o teor dessas publicações pareça um pouco incompreensível para leitores atuais e soe até de mau-gosto, analisá-las como manifestação cultural, dentro de um contexto histórico, permite constituir uma imagem muito interessante da sociedade do Rio de Janeiro, especialmente da parcela masculina cosmopolita e europeizada que frequentava a noite carioca. As fantasias sexuais e o humor crítico que tais revistas veiculavam inseriam-se no mundo do entretenimento e do consumo sexual em uma cidade que não apenas crescia, como também passava por profundas modificações estruturais e arquitetônicas. 

O conteúdo de revistas como O Rio Nu e Sans Dessous revela a maneira como homens e mulheres conviviam na hierarquia social e moral da cidade, o que pode ser depreendido tanto das imagens quanto das narrativas. O conto era um formato muito utilizado nas páginas dessas revistas, trazendo aventuras sexuais masculinas dos mais variados estilos. Havia, por exemplo, variações sobre a história de um jovem com pouco dinheiro  que, por não poder pagar por uma noite com uma “profissional”, vaga pelas ruas cariocas até, por destino, ser atraído por alguma mulher que lhe satisfazia os desejos. Essa mulher, geralmente era uma viúva, arriscava sua conduta como mulher honesta em troca de uma noite de prazer. Ao mobilizar fantasias masculinas de sedução, esses textos compensavam uma eventual falta de dinheiro e posição social, sendo representativos da forma como muitos homens viam e lidavam com o sexo naquele tempo. Assim, essas narrativas eróticas podem ser analisadas como comentários sociais,  sejam eles econômicos, raciais ou de gênero.

Além dos textos humorísticos, as revistas traziam ilustrações e fotografias. Com o passar do tempo, elas se tornaram seu carro-chefe, em detrimento do humor. As imagens feitas à mão, mais comuns nos primeiros anos das revistas, serviam como suporte do conteúdo humorístico dos textos, com suas frases de duplo sentido e seu teor picante. No entanto, à medida que as fotografias foram ganhando espaço, principalmente graças ao avanço de tecnologias de impressão, a conotação sexual inerente a elas passou a se impor sobre os sentidos humorísticos. Há que atentar para o “objeto” de tais publicações: a figura da mulher. Os nus seguiam um estilo que remetia a esculturas clássicas, com foco nas formas sinuosas, e acabavam servindo como reforço de uma idealização do corpo feminino ao valorizar um padrão de beleza, ou seja, da mulher branca e jovem. A publicação dessas fotos levou a um intenso debate moral e religioso sobre obscenidade e pornografia na mídia carioca.

Por outro lado, o livro apresenta casos que contrariam o senso comum da representação do erótico apenas como um fetiche masculino, trazendo histórias de mulheres  que, cientes do perfil das revistas, negociavam suas fotografias em troca de dinheiro e divulgação. É o caso, por exemplo, de Maria da Luz, proprietária de uma casa de prostituição que venceu diversos concursos de beleza realizados na O Rio Nu. Ela negociou a sua imagem de várias maneiras, de forma a obter a atenção do público consumidor e a valorização de seu estabelecimento. Tais mulheres, muitas vezes, eram as protagonistas do mercado sexual de onde O Rio Nu e a Sans Dessous tirava seu material. As fotografias tornavam-se um elemento de propaganda do comércio sexual e a imprensa ilustrada de humor erótico servia como arena de transações de imagens e como espaço onde essas mulheres podiam registrar suas experiências na sociedade.

Ao analisar tais publicações, o livro procura ir além da discussão geral sobre a forma como o patriarcado tratava e retratava as mulheres, ou seja, como objeto de desejo e de prazer sexual, e preocupa-se em reconstruir historicamente os fundamentos e os sentidos de tais representações. Na perspectiva da história social, “o humor erótico revela expectativas, críticas e fantasias sexuais não como projeções unilaterais, mas como indícios de experiências sociais daquelas que foram registradas como objetos de desejo de outros”.  Dessa maneira, é possível avaliar o papel do sexo e do erotismo como fato social, logo, capaz de dizer algo sobre as relações de poder daquela sociedade.

Contendo centenas de imagens, dezenas de áudios e um vídeo, Clichês baratos permite uma compreensão ampla de um fenômeno que, mesmo pequeno dentro da mídia impressa na capital da República no começo do século XX, está repleto de significados e mensagens indicativas do funcionamento de uma sociedade.

Para saber mais sobre o livro e adquirir o seu exemplar, acesse o nosso site

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Título: Clichês baratos – Sexo e humor na imprensa ilustrada carioca do início do século XX

Autor: Cristiana Schettini

ISBN: 978-85-268-1495-0

Edição:

Ano: 2020

Páginas: ePub

Dimensões: ePub-3

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