Por Everaldo Rodrigues
A abordagem usual da Idade Média é a continental, cuja formação é resultante da visão das elites dominantes da Europa e fruto de pensamentos nacionalistas pautados por uma trajetória marcada pelos costumes dos séculos XIX e XX. Trata-se, portanto, da narrativa dos vencedores, que, por ser uma construção histórico-social, pode e deve ser relativizada. Confrontar essa narrativa com novos dados nos dá outros pontos de vista e permite diferentes percepções, além de ressignificar a história do período medieval. Essa é a proposta do livro O Mediterrâneo medieval reconsiderado, organizado por Néri de Barros Almeida e Robson Della Torre.
É comum que se compreenda o processo de formação da Europa com foco geográfico no mar do Norte e no Oceano Atlântico como reflexo das “experiências de afastamento” entre as diferentes culturas existentes no continente (a exemplo das divergências entre cristãos ocidentais e orientais ou ainda entre cristãos e muçulmanos). Esta obra, no entanto, contrapõe esse movimento historiográfico ao deslocar o campo de análise para o mar Mediterrâneo. Mais do que uma crítica à narrativa dominante sobre a Idade Média, o livro tem como objetivo reintegrar as populações da região a essa história, mostrando suas funções em acontecimentos dos quais foram desassociadas. Situado entre a África e a Europa, o Mediterrâneo desempenhou papel fundamental na formação da história da Europa, enquanto espaço em que ocorreram relações entre povos e embates culturais que influenciaram os destinos continentais.
Dez estudiosos se debruçaram sobre tópicos fundamentais para a compreensão desse período, partindo desse novo ponto de vista. Os principais temas da obra são os problemas de ambiguidade territorial do Mediterrâneo, sua importância nos processos de produção doutrinária, seu papel como local de relacionamento comercial e os conflitos que se desenrolaram nessa região ocupada por vários povos.
O primeiro tópico levantado na coletânea é um problema fundamental: como a história do Mediterrâneo medieval foi escrita ao longo dos anos e como ela pode ser abordada na atualidade? Ao examinar seus limites geográficos, assim como os contatos, as trocas e interações entre os povos das diferentes margens deste mar, o professor Daniel König explora os conflitos das mais variadas naturezas que marcaram a história da região na época medieval, e se tais conflitos afastam ou integram os povos envolvidos, questionando o conceito de unidade “mediterrânica”.
A professora Stéphanie Guédon analisa em seu texto a fronteira do Império Romano em relação ao Mediterrâneo e à África do Norte para revelar uma percepção romana dos territórios norte-africanos integrados ao Império. Robson Della Torre aproveita-se da rixa entre Nestório de Constantinopla e Cirilo de Alexandria para expor o papel do mar Mediterrâneo nas cisões religiosas e sua concepção como uma unidade onde as disputas eram planejadas. Renato Viana Boy investiga as invasões bárbaras para relativizar as divisões territoriais resultantes desses ataques, revelando as diferentes posturas romanas, ocidental e oriental, em relação ao território. O texto de Petra M. Sijpesteijn parte do ponto de vista da expansão islâmica para demonstrar a importância do Mediterrâneo não só nesse processo, mas também como ambiente de relação entre muçulmanos e cristãos. Ainda sobre querelas, André Miatello expõe alguns séculos da história do papado, sublinhando as disputas teológicas internas como mais impactantes nas cisões romanas do que a presença islâmica.
No capítulo escrito por Henri Bresc, diferenças religiosas são deixadas de lado ao se revelarem diversas situações em que cristãos e muçulmanos enfrentaram as águas do Mediterrâneo, compartilhando angústias, apreensões e medos. Stéphane Gioanni estuda a expansão cristã na península balcânica, uma região de trânsito de diferentes doutrinas religiosas e de diversos grupos étnicos. O texto de Bruno Tadeu Salles aborda o impacto das cruzadas nas dinâmicas territoriais e comerciais do Mediterrâneo. Finalizando o livro, Néri de Barros Almeida analisa as dificuldades de convivência entre cristãos e muçulmanos, Ocidente e Oriente, que resultaria no “choque de civilizações” marcado por barreiras culturais insuperáveis entre os dois modelos religiosos dominantes.
Assim, o livro apresenta uma percepção diferente do período, na qual o Grande Mar, muito além de um nome ou de uma porção de água que separa continentes, assume seu justo papel de articulador de experiências históricas entre povos tão diversos e palco dessas relações, sempre estreitas, mas não necessariamente harmônicas. O Mediterrâneo medieval reconsiderado possibilita ao leitor desenvolver um novo olhar sobre a formação da cultura europeia, ampliando sua visão da Europa atual.
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O Mediterrâneo medieval reconsiderado
Organizadores: Néri de Barros Almeida e Robson Della Torre
ISBN: 978-85-268-1506-3
Edição: 1ª
Ano: 2019
Páginas: 360
Dimensões: 16 x 23