Revista “Crítica Marxista” publica resenha sobre o livro “Teoria, política e história: Um debate com E. P. Thompson”

A revista “Crítica Marxista” divulgou uma resenha sobre o livro Teoria, política e história: Um debate com E. P. Thompson, da Coleção Marx 21. Confira:

Teoria, política e história: um debate com E.P. Thompson
PERRY ANDERSON

Por Bruna Della Torre, Pós-doutoranda no Departamento de Teoria Literária e Literatura Comparada da USP

Perry Anderson é uma das figuras mais importantes no cenário atual da esquerda. Tendo estado por mais de duas décadas à frente da New Left Review, sua influência como crítico marxista e como editor é incontestável. O livro Teoria, política e história reúne as duas faces de sua atuação teórico-política.

Em primeiro lugar, ele é uma resposta ao livro Miséria da teoria ou um planetário de erros (uma crítica ao pensamento de Althusser), de E. P. Thompson. Trata-se de uma espécie de “crítica da crítica” de Thompson a Althusser. Nos quatro primeiros capítulos, “historiografia”, “agência”, “marxismo” e “stalinismo”, Anderson responde pontualmente às críticas de Thompson ao pensamento de Althusser, quais sejam: a recusa idealista de Althusser da investigação empírica; a um estruturalismo disfarçado de marxismo que não reconhece a agência da classe trabalhadora; a um marxismo engessado e economicista redutível às ideias abstratas de “modo de produção” e de “formação social” e ao stalinismo teorizado como ideologia. O livro de Thompson é virulento e a resposta de Perry Anderson tenta equilibrar a balança ao reconhecer os vários méritos tanto da obra de Althusser quanto de Thompson, sem deixar de apontar os problemas de ambas.

Essa “crítica da crítica”, no entanto, é algo mais. Ela se configura como uma espécie de acerto de contas de Perry Anderson com Thompson e a antiga geração da New Left. Na década de 1960, no mesmo período no qual assumiu a editoria da New Left Review, da qual Thompson havia sido fundador, Perry Anderson escreveu, em coautoria com Tom Nair, uma série de ensaios que continham ideias polêmicas. O diagnóstico de que não havia uma tradição marxista consolidada na Inglaterra (diferentemente da Itália, França e Alemanha), de que a classe trabalhadora inglesa era conservadora e destituída de uma concepção de mundo própria e de que o método de investigação empírica era insuficiente para a historiografia despertou a ira de E. P. Thompson. Em 1955, ele havia publicado o livro William Morris: romântico e revolucionário, que abarcava a tradição socialista inglesa e, em 1963, havia publicado A formação da classe operária inglesa, que defendia a formação cultural da classe operária inglesa. No ano de 1964, mesmo ano da publicação das teses acima descritas, Thompson abandonou o conselho editorial da New Left Review e escreveu uma série de artigos criticando o novo editor. Seu livro sobre Althusser faz parte desse contexto e desfere uma série de ataques à revista por publicar debates ligados a Althusser, a Étienne Balibar e a Nicos Poulantzas, entre outros.

Os três últimos capítulos do livro de Anderson, “Internacionalismo”, “Utopias”
e “Estratégias”, retomam o debate dos anos 1960 e das linhas editoriais da revista. Perry Anderson faz a mea culpa por ter ignorado os trabalhos de Thompson da década de 1950 e 1960, mas defende a abordagem internacionalista que implantou na linha editorial da New Left Review. A revista tornou-se, devido à sua atuação, uma via de introdução na Grã-Bretanha dos estudos althusserianos, da teoria crítica da Escola de Frankfurt, de Antonio Gramsci e do marxismo produzido nas periferias do capitalismo. O formulador da noção de “marxismo ocidental”, que acusava um afastamento da práxis em todas as tentativas de renovação do marxismo em países capitalistas – diagnóstico, aliás, partilhado por Thompson –, foi não só o difusor, mas o introdutor desses marxismos na Inglaterra e na esquerda em geral, na qual a New Left passou a ser uma tradição indispensável. Sob essa perspectiva, o livro faz parte da história da transição político-teórica da primeira para a segunda geração da New Left.

Uma maneira possível de compreender a crítica que Thompson fez a Althusser
é remetendo-a a um problema clássico do marxismo. Um dos aspectos da teoria de Marx diz respeito ao duplo caráter de algumas de suas análises, composto por uma combinação entre a “estática” e a “dinâmica” dos processos sociais. Se formos tomar a frase do Manifesto comunista de que “a história até hoje foi a história da luta de classes”, seu elemento dinâmico salta aos olhos: história é luta. Mas se prestarmos atenção ao fato de que a história até hoje foi a mesma – a história da opressão – emerge daí um lado mais impopular da dialética: a estática. A história humana, sob essa perspectiva, ainda seria idêntica enquanto pré-história. As várias tradições do marxismo costumam dar ênfase maior a um desses dois lados. Thompson via na ênfase conferida por Althusser aos processos de dominação e de reprodução do capitalismo, bem como na sua epistemologia baseada na recusa da via empírica como principal via do conhecimento, elitismo e idealismo. O autor contrapõe a noção de “agência”, central em sua obra, à ideia althusseriana de que “a história é um processo sem um sujeito” e defende que é preciso compreender o papel da escolha, dos valores e da ação humana consciente na história. Sua noção de “classe social” é completamente tributária dessa visão. Em A formação, Thompson mostra justamente como a classe trabalhadora inglesa “tanto se formou quanto foi formada”. Ou seja, existe uma dimensão cultural e política da classe que não se resumiria à sua posição no processo produtivo.

Chamo a atenção para esse debate, pois, além de compor um eixo de orientação
do livro de Anderson, permanece sendo uma polêmica do marxismo até hoje. As críticas que Thompson dirigiu a Althusser, que ele estende para a Teoria Crítica,
podem ser reencontradas, por exemplo, nas objeções feitas atualmente à Neue Marx Lektüre. A ênfase nos processos de dominação impessoal do capitalismo e
o foco nos processos sociais que ocorrem “às costas” dos indivíduos, bem como
a ideia de que somos portadores do processo social capitalista, são tomadas como desprezo pela “consciência proletária”. Uma concepção de classe social que não seja puramente empírica também sofre a mesma acusação.

O problema desse tipo de abordagem sustentada por Thompson, segundo Anderson, é a generalização da concepção cultural de “classe social” a tal ponto que classe e cultura de classe, bem como consciência de classe, parecem significar a mesma coisa. Além disso, Anderson chama a atenção para a mobilização thompsoniana do conceito de “agência” – uma palavra que não sai de moda nas Ciências Sociais. Esse conceito, ressalta Anderson, é dotado de uma ambiguidade fundamental que abarca ao mesmo tempo um elemento ativo e um elemento passivo: se ele pode indicar atuação consciente, pode também indicar passividade como, por exemplo, nas frases “agentes de uma potência estrangeira” e “agentes de um banco mercantil”. Soma-se a essa imprecisão conceitual o fato de que o solo epistêmico desse conceito tende a convergir com o existencialismo, uma vez que noções como “escolha”, “valor” e “decisão” encaminham a definição de classe social, em última instância, para o culturalismo, o subjetivismo e o voluntarismo. Apesar de todas essas críticas, Perry Anderson não pronuncia com todas as letras o que parece ficar indicado como a principal lacuna do marxismo de Thompson: sua dificuldade de pensar o conceito de “ideologia”, um dos grandes temas de Althusser.

Para terminar, valeria ressaltar a recusa tanto de Thompson, quanto de Anderson de discutir – em diálogo com Althusser – um dos temas mais importantes do marxismo: a dialética. Para Thompson, O capital consiste num excesso de “rococó hegeliano” e, para Anderson, a influência de Spinoza sobre Althusser, tradição na qual também se encaixaria Hegel, é de fundo metafísico e é incompatível com os cânones da ciência moderna: Hume e Kant. Há sempre um capítulo faltante (ninguém esgota, afinal, o debate marxista sozinho). Esse ficou, talvez, para a próxima geração da New Left.

Acesse a resenha na íntegra!

SOBRE O LIVRO

Capa_Teoria política e história-16x23cm.inddTítulo: Teoria, política e história: Um debate com E. P. Thompson

Autor:Perry Anderson

Tradutora: Marcelo Cizaurre Guirau

ISBN: 978-85-268-1453-0

Páginas: 248

Editora da Unicamp – 1a. edição, 2019

Deixe um comentário

Preencha os seus dados abaixo ou clique em um ícone para log in:

Logo do WordPress.com

Você está comentando utilizando sua conta WordPress.com. Sair /  Alterar )

Foto do Facebook

Você está comentando utilizando sua conta Facebook. Sair /  Alterar )

Conectando a %s