Por Luisa Ghidotti Souza
Neste novembro, lançamos o título Literaturas africanas comparadas: Paradigmas críticos e representações em contraponto, escrito por Elena Brugioni, professora de Teoria Literária no Instituto de Estudos da Linguagem da Unicamp, que veio compor o corpo docente a fim de suprir uma lacuna histórica na academia brasileira: os estudos africanos. Desde 2003, com a lei 10.639, foi instituída obrigatoriedade no ensino de história e cultura afro-brasileira e, a partir disso, os cursos do Ensino Superior têm adaptado seus currículos para incluir essa demanda nas salas de aula.
Há décadas, as pesquisas com temática africana seguem, no Brasil, a tradição europeia de trabalhar questões ligadas à colonização e à escravidão, ignorando a riqueza de conteúdo que este vasto e diversificado continente oferece à produção de conhecimento. O livro de Brugioni, por sua vez, segue uma linha teórica pós-colonial, em que a intersecção entre literatura e história é feita a partir de textos do gênero romance histórico produzidos na África por intelectuais africanos.
Tal abordagem permite estabelecer conceitos sobre africanidades em função do protagonismo dos escritores africanos, deixando para trás a tradição crítica de pensar a África como um grande bloco temático ou como um simples objeto de análise. Assim, a teoria literária passa a olhar a história da África e suas relações transnacionais sob um viés transdisciplinar – pois relaciona mais de uma cultura de mais de uma nação e desenvolve diferentes áreas do conhecimento ao mesmo tempo –, cujo ponto de partida são os registros produzidos pela intelectualidade africana.
De uma maneira geral, segundo a autora, a obra em questão foi concebida pela necessidade de acesso a um material teórico autêntico para as salas de aula do Ensino Superior nas disciplinas de literatura africana ministradas pela professora. Visto “a escassez de suportes didáticos para a formação de estudantes em campos de estudo novos e emergentes”. Devido à baixa disponibilidade de textos no Brasil que lidam com história da África e literatura de um ponto de vista não-europeu, a obra inaugura um campo de pesquisa até então pouco desenvolvido na academia brasileira e disponibiliza aos professores e estudantes de literatura uma visão da história da África construída a partir de narrativas autenticamente africanas.
Literaturas africanas é composto por textos revistos e ampliados anteriormente publicados pela professora, a maioria em livros e revistas que não haviam chegado ao Brasil até então. A proposta de revisão teórica à crítica literária da autora passa por sete autores, alguns de origem moçambicana, estabelecendo relação direta entre a história da África e do Brasil, a partir de textos em língua portuguesa moçambicana.
O primeiro capítulo debate o gênero romance histórico e as tensões conceituais que o pós-colonialismo cria com suas revisões críticas. O capítulo dois teoriza a crítica pós-colonial como necessária no que tange à análise das literaturas africanas contemporâneas. No capítulo três, é colocada a questão da oralidade enquanto categoria indispensável diante de tal objeto de análise. Avançando para o quarto capítulo e último da Parte I: textos e(m) teoria(s), o leitor encontra uma teorização acerca da questão geográfica na literatura, estabelecendo um “contraponto entre literaturas africanas e estudos do oceano Índico” numa “análise comparativa com pendor transdisciplinar e transnacional”. A segunda parte, intitulada Parte II: Leituras e(m) contraponto(s), é composta por outros quatro capítulos em que a autora analisa textos literários selecionados de sete autores diferentes, pondo em prática as bases teóricas apresentadas com as leituras da literatura africana.
Assim, a obra nos oferece uma perspectiva da relação entre história e literatura na articulação de conceitos como “debate historiográfico, discurso histórico, representação e narrativa”, que estabelecem os problemas materiais da pós-colonialidade, que, por sua vez, estabelece o romance-histórico como campo de análise. A guinada teórica dessa abordagem não se deve ao gênero textual analisado, mas ao movimento de descentralizar as críticas ao romance histórico, voltando as análises para as literaturas africanas, e não mais europeias, de maneira que o objeto de análise muda de lugar geográfico e, consequentemente, de contexto de produção.
Uma mudança de objeto exige também uma revisão teórica, o que leva Brugioni a repensar os pressupostos teóricos da pós-modernidade em contraponto com a pós-colonialidade como consequência desse deslocamento geográfico literário e social. Tal ponto de entrada na análise do romance histórico significa redefinir toda a abordagem hegemônica da crítica literária, pois o romance africano pós-colonial reestrutura o padrão “estético, político, conceitual do campo teórico.”
Para tudo isso, a autora parte da confiança em Lyotard, que considera “o relato como a mais consagrada forma de conhecimento” e vê, a partir de uma leitura da pós-modernidade, que a diversidade dá fim às grandes narrativas que hegemonizaram a história, abrindo espaço para o que ela chama de microrrelatos, ou seja, discursos localizados, e não totalizantes.
Fica evidente, por meio dessa breve exposição, que a obra é repleta de novidades. Inova na escolha do objeto, na descrição e na justificativa dessas escolhas; na abordagem do campo teórico, na abordagem do próprio objeto e no motivo da reunião desses textos em uma única obra. Com especial preocupação com a formação universitária e com os conteúdos em sala de aula, Elena Brugioni nos oferece o que tem de mais atual nas discussões em teoria literária no Brasil, explorando um tema tão antigo quanto o é a relação Brasil-África, mas com a visibilidade recente dos estudos de literatura nas universidades brasileiras.
Literaturas africanas comparadas: Paradigmas críticos e representações em contraponto
Autor: Elena Brugioni
ISBN: 978-85-268-1509-4
Edição: 1ª
Ano: 2019
Páginas: 256
Dimensões: 14×21