Por Ana Carolina Pereira
O Japão permaneceu isolado do Ocidente por séculos. Em 1543, os portugueses foram os primeiros europeus a aportar no país. Depois desse primeiro contato, os missionários portugueses, italianos e espanhóis aumentaram sua interação com os japoneses, conseguindo até mesmo converter ao cristianismo parte da antiga nobreza japonesa. Contudo, essa troca não durou muito, acabando na proibição da saída de qualquer cidadão do país, assim como a entrada de estrangeiros e a prática do cristianismo, sob pena de morte. Apenas em 1853, o Japão voltou a se abrir para outros países e, rapidamente, sua arte conquistou o Ocidente.
O encontro do Japão com o Ocidente trouxe muitos ganhos para os não orientais, além de ter influenciado a produção artística de outros países. Para analisar esse encontro, Giorgio Sica publicou o livro O vazio e a beleza, que apresenta um estudo voltado para o acolhimento da poesia japonesa pelo Ocidente. O autor é doutor em Filologia Moderna pela Universidade Federico II, de Nápoles, e pesquisador em Crítica Literária e em Literatura Comparada na Universidade de Salerno. Ele publicou monografias e diversos artigos dentro da área de Literatura.
A obra O vazio e a beleza pode ser dividida em Introdução, primeira parte e segunda parte. Na Introdução, o autor traz um panorama da história do Japão com o Ocidente, mostrando como as fronteiras do país foram abertas e fechadas aos estrangeiros ao longo do tempo, e fala sobre o início do encontro entre Japão e Europa, quando, em 1853, o país abriu-se para um rápido processo de modernização, e com isso “o Japão penetrará rapidamente nas consciências europeias, sobretudo, se não exclusivamente, por meio da arte”. Embora o interesse inicial no Japão se desse em forma de exotismo, esse contato com a arte japonesa deu vida a um movimento estético conhecido como Japonismo, que influenciou a arte e o pensamento ocidental. Isso fez com que o Ocidente tivesse contato com as duas principais métricas japonesas, o haiku (17 sílabas) e o tanka (31 sílabas).
Ainda na Introdução do livro, Sica diferencia a produção nipônica da chinesa, algo que será importante para as discussões nas partes seguintes do livro. A China desempenhou um papel muito relevante na civilização japonesa, principalmente na difusão de um ramo do budismo, o que foi importante para a produção literária nipônica. O autor também traz uma breve análise das características da poesia do Japão. Um ponto muito importante é que o conhecimento da língua japonesa era um privilégio de poucos. Porém, mesmo com um número limitado de traduções, “o haiku e o tanka conseguiram atrair igualmente um vasto número de leitores ilustres” no Ocidente. Além disso, havia outra dificuldade para traduzir os poemas: a polissemia das palavras em japonês, uma característica fundamental do haiku ‒ uma unidade independente de três versos de 5-7-5 sílabas que nasceu do haikai ‒, que permite a economia verbal. A polissemia garante um efeito sugestivo aos poemas, os quais têm muitas interpretações possíveis. Outra característica essencial do haiku é o espaço destinado ao vazio, ao silêncio, feito pelo uso do kireji, “palavra que corta”, que introduz uma palavra sem um verdadeiro e próprio significado, como um conector, para pausar a métrica e a dinâmica de imagens. Sica traz exemplos de haiku para explicar tal característica. “E o respeito constante pelo ‘espaço reservado ao desconhecido’ é um dos aspectos mais fascinantes de uma estética em que o não dito tem um valor quase sempre maior do que aquilo que é possível explicitar. Na poesia, essa intuição se concretiza em frases que se esvaem em volutas de fumaça, em palavras que preferem aludir a indicar.”
Na primeira parte de O vazio e a beleza, o autor fala sobre o Japonismo na França, na Itália, na Inglaterra e nos Estados Unidos da América. Os capítulos dessa parte focam como foi o encontro e como a poesia japonesa influenciou a produção artística dos outros países. Muitos escritores e pintores passaram a se inspirar na arte do Japão para a sua própria produção, e Sica traz alguns nomes de exemplo, como Rilke. A descoberta da arte nipônica coincidiu com um momento de crise dos valores estéticos ocidentais, o que facilitou essa assimilação. Segundo o autor, “toda a década entre 1910 e 1920 será particularmente rica de obras que confirmam a assimilação das técnicas poéticas e da ‘sensibilidade’ japonesas”.
A segunda parte do livro, aborda a renovação da poesia ocidental propiciada pela produção artística japonesa. Muitos escritores foram influenciados pelo Japão. Sica destaca mundos anglo-saxão, francês e italiano, mas essa influência não se limita a eles. No Brasil, por exemplo, Paulo Leminski ficou famoso por sua escrita criativa e seu uso de haikai em sua produção literária. Assim, o haiku contribuiu para o desenvolvimento de uma nova estética poética no Ocidente. Nessa parte de O vazio e a beleza, o autor discute esse processo na produção de diversos escritores ocidentais, traçando um panorama da nova estética que o encontro com a produção japonesa propiciou para o Ocidente.
A falta de tradução “negou durante anos à poesia japonesa seu merecido reconhecimento no Ocidente”, mas, mesmo assim, essa produção literária conseguiu conquistar grande público com uma poética marcada, segundo o autor, pela essencialidade e graça como principais características. Nesse mundo considerado misterioso, a arte é tida como “um veículo capaz de conduzir a nós mesmos e aos outros à iluminação” e, com isso, fez com que autores de todo o mundo questionassem a relação entre poeta e poema. A obra O vazio e a beleza é importante não apenas para falar sobre o acolhimento da poesia nipônica, mas também para se discutir como esse acolhimento proporcionou a renovação dos valores estéticos ocidentais.
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Autor: Giorgio Sica
ISBN: 9788526813724
Edição: 1a
Ano: 2017
Páginas: 280
Dimensões: 14 x 21 cm