A luta por justiça através do tempo com Alfred Dreyfus

Por Washington Alves

“A verdade está em marcha, e nada a deterá” — escreveu Émile Zola em 1897 no Jornal Le Figaro. Esse é o sentimento que transborda no livro, O caso Dreyfus, de Alain  Pagès: a busca incessante pela verdade. Alfred Dreyfus, oficial de artilharia do exército francês, acusado injustamente de traição, foi vítima de uma rede de mentiras e antissemitismo que o autor esmiúça em detalhes na sua obra.

Professor emérito de literatura na Universidade Sorbonne-Nouvelle, Alain Pagès é especialista na obra de Émile Zola. Com a ajuda de Brigitte Émile Zola, bisneta do escritor e jornalista, reuniu e publicou a correspondência íntima do autor naturalista, o que lhe rendeu o prêmio Sévigné em 2015.

O próprio Zola é figura marcante na trama do oficial: foi o autor de O Germinal, a principal voz na luta pela liberdade de Alfred Dreyfus. Em 1898, Zola publicou o artigo “J’accuse..!”, no jornal independente L’aurore. Em poucas horas, 300 mil exemplares do jornal foram vendidos graças ao texto de Zola, escrito em formato de carta ao então presidente da França, Félix Faure. 

Entre os Dreyfusards — como ficaram conhecidos os defensores da causa de Dreyfus — estava Rui Barbosa, que, do exílio escreveu em 1895 um artigo para o Jornal do Commercio, denunciando a parcialidade e os erros do processo contra Dreyfus.

A acusação de espionagem baseava-se somente em um relatório, o Bordereau, encontrado em uma cesta de lixo do consulado alemão em Paris. No documento, o informante listava diversos documentos sigilosos do exército francês, como informações a respeito das peças de artilharia, que deveriam ser repassadas ao adido alemão Maximilian von Schwartzkoppen. Émile Zola acusa o Estado-Maior e o Ministério da Guerra do exército de ocultar provas que claramente apontavam para o comandante Esterhazy como autor do Bordereau e de silenciar o então tenente Picquart na sua investigação sobre  Esterhazy. Dreyfus nega a acusação de espionagem, que foi movida em sigilo pela justiça militar, enquanto Picquart acabou afastado da investigação. Após ser condenado por um Conselho de Guerra em 1894, Dreyfus é humilhado na praça militar e em seguida levado para a prisão na Guiana Francesa, na chamada “Ilha do Diabo”. 

Impulsionada pela invenção do telégrafo, a cobertura do caso obteve repercussão internacional. Seja pela participação ativa de Zola, seja por causa da tradição folhetinesca da época, ele ganhou aspecto novelístico, com todos os episódios acompanhados de perto pelo público; o que fez a chegada de Dreyfus à malfadada prisão causar comoção pública. As manchetes jornalísticas, charges e ilustrações que acompanham o livro reconstituem muito bem tal sensação. Também podemos ver os jornais nacionalistas (anti-Dreyfusards), como o La Libre Parole, não apenas julgando Dreyfus culpado, como também traidor da pátria, sem direito a defesa.   

Alain Pages conduz o livro através de perguntas e respostas elucidativas; no capítulo “Como Roman Polanski representou o caso Dreyfus ?”, conseguimos situar a obra do polêmico cineasta franco-polônes, sobrevivente do holocausto, junto a outras adaptações artísticas que tratam do oficial. Já em “Alfred Dreyfus foi defendido por um sindicato judeu?”, conhecemos uma engrenagem que o autor chama de “gabinete de lendas”responsável por articular notícias, informações falsas e até cantigas de caráter antissemita sobre Dreyfus e Émile Zola — o sindicato era uma teoria de conspiração, jamais comprovada, que perdurou até a ascensão nazista na Alemanha. 

Um abaixo-assinado pioneiro une os intelectuais da França, e a campanha pela liberdade de Dreyfus finalmente obtém justiça, com o perdão judicial concedido pelo presidente Émile Loubet, em 1899. No entanto, como consequência do artigo publicado no `L’aurore, Émile Zola é condenado por difamação e recebe a pena de um ano de reclusão. O escritor segue para o exílio na Inglaterra. Em 1902, morre em sua casa, na França, sob circunstâncias ainda pouco esclarecidas — episódio que Pagés explora com requinte no capítulo 25: “Zola foi vítima do seu engajamento?”. 

O autor também apresenta trechos de A ilha dos pinguins, de Anatole France. Na obra, France faz uma paródia entre a fictícia nação pinguim e os envolvidos no caso Dreyfus. Sobre a falta de provas contra Pyrot (isto é, Dreyfus) um dos personagens  declara: “Não tínhamos nenhuma quando o condenamos”, e acrescenta: “Mas conseguimos nos recuperar, desde então”. Mais adiante, Gretauk (general da nação pinguim), assusta-se com o volume descomunal de papéis do processo e questiona o encarregado da investigação se entre as provas haveriam falsidades; esse, responde simplesmente ter as “provas apropriadas”.

Processo jurídico viciado, acúmulo de evidências forjadas, midiatização do rito jurídico, destruição da imagem pública dos acusados; todos, fenômenos presentes no caso Dreyfus, que servem de lição para os dias de hoje quando voltam à baila práticas de lawfare e perseguição político-jurídica.

O caso Dreyfus: verdades e lendas é leitura indispensável aos que não conhecem ou querem saber mais sobre a história do oficial francês, sendo também uma fonte de reflexões para os limites e erros da justiça ainda enfrentados.  

Para saber mais sobre o livro e adquirir o seu exemplar, acesse o nosso site!

O caso Dreyfus: verdades e lendas

Autor: Alain Pagés

Tradutor: Pedro Paulo Garcia Ferreira Catharina

Editora da Unicamp

ISBN: 9786586253641

Ano da Publicação: 2021

Edição: 1

Formato: 21,00 x 14,00 x 2,00 cm.

Nº Páginas: 232

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