
Por Gabrielle Teixeira, Jennifer Araújo, Mariana Ruy, Sophie Galeotti, Thaís Rodrigues, Victória Rodrigues, Vinícius Russi e Vitória Lisboa.
Dançar é mais do que mover o corpo ao som de uma música. Os clubes dançantes que se formaram no Rio de Janeiro entre as últimas décadas do século XIX e as primeiras do século XX não foram apenas lugares de reunião de corpos em movimento. Mesmo que tenham recebido pouca atenção por parte daqueles que pesquisaram a Primeira República e terem sido retratados pelos homens de letras do período pela ótica do exotismo, esses espaços foram um meio de seus associados afirmarem suas visões de mundo.
Leonardo Affonso de Miranda Pereira iniciou sua pesquisa em 2007, quando foi contemplado com uma bolsa da Fundação Rockfeller, tornando-se por um ano pesquisador visitante junto ao Latin American and Caribbean Studies Program, da Northwestern University, nos Estados Unidos. Essa experiência resultou no livro A cidade que dança, em que o leitor é convidado a adentrar esses clubes e festas dançantes para compreender o protagonismo daqueles que foram desconsiderados no passado.
No primeiro capítulo do livro, o autor traça um panorama da incorporação das danças negras, presentes nas zonas periféricas da capital carioca, à sociedade urbana branca no final do século XIX. Partindo das festas dos escravizados, toleradas como traços do seu primitivismo, passando pelas associações dançantes e carnavalescas de trabalhadores forros, Pereira estabelece a relação entre os ritmos que surgiram na época, misturando as influências europeias e a recuperação de matrizes africanas. Nessa relação entre danças e músicas oriundas da Europa e aquelas que surgiam nas colônias, misturando raízes clássicas e populares, a atribuição de maior prestígio às primeiras é marcada pelas tensões raciais e de classe da época.
A partir disso, o autor mostra, analisando jornais da época, como a transição do século XIX para o XX foi um momento de afirmação do associativismo dançante no Rio de Janeiro. Já pelo título do segundo capítulo, “Uma febre dançante”, o leitor começa a assimilar a imagem que a imprensa carioca tinha da ascensão desse fenômeno naquele momento. Entretanto, não havia uma percepção única, pois o surgimento dos clubes carnavalescos formados por trabalhadores foi descrito de diferentes formas por cronistas e redatores dos principais jornais do Rio de Janeiro ao longo dos anos. Em uma dessas descrições, o escritor Batista Coelho, em texto publicado no periódico A Cidade do Rio em dezembro de 1901, deixou nítida a comparação com uma doença que se alastrava rapidamente pela cidade ao afirmar que “caindo no Rio de Janeiro, escapará o estrangeiro do micróbio da febre amarela, não se livra, porém, do bacilo do maxixe”. E explicou-se: “É que o maxixe é contagioso”.
Apesar da importância que as associações tinham na vida dos trabalhadores, a imprensa dedicava pouco espaço à divulgação das atividades dos clubes, sendo comum a presença de notas sobre os eventos apenas nas colunas policiais quando havia algum tumulto ou desordem na noite anterior. No entanto, a união da ampla disseminação dos clubes com a ambição dos jornais por alcançar novos públicos (e, consequentemente, aumentar as vendas) foi um dos principais fatores que, aos poucos, mudaram essa representação. Dessa forma, Pereira discute as relações que imprensa e diretorias de clubes passaram a ter com o tempo, explorando notícias e crônicas para mostrar como o fenômeno do associativismo dançante foi narrado para a população carioca no período. Além disso, analisa a cessão de licenças de funcionamento das sedes, a composição social dos clubes, as tensões existentes entre eles e seus desdobramentos.
Assim, o autor discute, no terceiro capítulo, as trajetórias de pequenos grêmios cariocas formados por trabalhadores e trabalhadoras no início do século XX, como o Flor de Abacate e o União das Borboletas. A formação desses clubes foi fruto da busca da classe trabalhadora por um lugar de divertimento e de afirmação social. Nos pequenos grêmios, havia regras morais internas imperativas aos membros; o ambiente familiar as regia. As mulheres e as filhas dos membros participavam de maneira integral dos clubes, ao passo que os clubes de alta sociedade permitiam apenas homens e suas convidadas, geralmente prostitutas. Entretanto, homens das letras, como Arthur Azevedo, classificavam os pequenos grêmios como lugares propensos a “imoralidades e vícios”. Classificações preconceituosas não eram incomuns aos pequenos clubes, uma vez que, além de integrarem mulheres e serem formados por trabalhadores, eram, majoritariamente, formados por negros e pardos. As pechas injustamente atribuídas aos grêmios não impediram que as mulheres trabalhadoras formassem clubes exclusivamente femininos, ainda que a obtenção de licença de funcionamento necessitasse da assinatura de um homem. Os novos grêmios femininos reivindicaram um lugar institucional para as mulheres dentro da administração das sociedades dançantes e influenciaram as moças de alta sociedade, que, posteriormente, buscaram mais espaço dentro dos grêmios.
Além dos clubes, havia também outras expressões artísticas que o autor investigou sob a temática da desigualdade racial. No capítulo “O forrobodó negro”, por exemplo, Pereira apresenta a repercussão da peça “Forrobodó” que, escrita por Carlos Bittencourt e Luiz Peixoto, alcançou grande sucesso no Teatro São José. A peça recebeu diversos frequentadores por apresentar no palco os tipos de pessoas existentes no bairro da Cidade Nova, evidenciando, por meio de piadas, a desvalorização do negro em seu modo de falar e se comportar e a vida social de pequenos grêmios dançantes construídos por essas pessoas. Para explicar o sucesso de “Forrobodó”, Pereira divide o capítulo em três partes e explica quais eram os motivos do riso em torno da peça, assim como a importância dos clubes dançantes – como Macaco é Outro e Flor do Rosário – não só para a criação de espaços para homens e mulheres negros e pardos se divertirem e criarem composições carnavalescas, mas também para lutar contra os preconceitos e perseguições a que eram submetidos. Pereira aborda também a existência de outros espaços dançantes que afirmavam “certos ideais de modernidade que os aproximava de padrões valorizados pelos homens de letras do período”, com nomes de associações que reivindicavam o pertencimento à nação e a relação estabelecida entre a música popular e erudita nos bailes.
No quinto capítulo, Pereira descreve os grêmios recreativos da então capital brasileira, o Rio de Janeiro, e como os movimentos operários mostravam-se incomodados com o fato de os trabalhadores não se interessarem por eles, preferindo sustentar as agremiações dançantes e carnavalescas em vez de somar na militância. O autor demonstra que, embora os movimentos anarquistas e socialistas disputassem o operariado, ambos estavam de acordo com a necessidade de distraí-lo das diversões burguesas para conseguir afiliados. Para convencer os trabalhadores de não mais frequentar tais lugares, as lideranças operárias articulavam-se por meio de publicações contrárias ao passatempo feitas em jornais.
Outro cenário político interessante que o autor explora são as percepções do próprio movimento operário sobre os trabalhadores negros, que supunha que estes não se associavam às entidades de classe devido à situação de abandono após a abolição. A sociedade recém egressa da escravidão excluía a população afrodescendente da participação política dentro do novo regime republicano e havia perseguição policial e cassação de licenças de suas agremiações recreativas. O autor demonstra como a inspeções policiais justificavam-se por meio de leis a fim de repreenderem a idoneidade, compostura e moralidade duvidosas dos frequentadores.
Já no sexto capítulo, o autor traça o percurso do estilo musical que seria considerado, ao longo dos anos, o ritmo nacional por excelência: o samba. Por meio de crônicas, relatos e artigos de jornais, Pereira analisa a crescente presença de clubes dançantes negros em 1910 e 1920, revelando de que forma eles se tornaram objetos de intensas ironias e críticas por parte de setores do mundo letrado da época e, mais tarde, passaram a contar com o reconhecimento de tais parcelas da sociedade, construindo a legitimidade do novo tipo de musicalidade. Nessa trajetória, o capítulo apresenta a história de importantes precursores do samba nacional, como Pixinguinha, e analisa a figura da mulata. O processo de criação e consolidação dessas práticas festivas permite ao leitor compreender as tensões a partir das quais esses novos símbolos da brasilidade conseguiram se afirmar.
Antes malvistos e tratados como objetos de fiscalização, os bailes e clubes dançantes passaram a ser promovidos pelas autoridades. Os grêmios foram se distanciando de seu perfil inicial e, ao longo da década de 1930, as Escolas de Samba apareceram. Com o aumento de seu sucesso, os pequenos clubes dançantes foram desaparecendo. A memória deles, porém, continua viva.
A cidade que dança dá o merecido reconhecimento àquelas associações, não como lugares de confraternização cheios de harmonia e música, mas como um espaço de conflitos e disputas, onde aqueles deixados de lado na história encontraram uma maneira de afirmar e legitimar sua presença. A obra trata, então, da desigualdade social sob uma perspectiva pouco explorada: a formação das culturas populares.
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A cidade que dança: clubes e bailes negros no Rio de Janeiro (1881-1933)
Autor: Leonardo Affonso de Miranda Pereira
Editora da Unicamp
ISBN: 9786586253515
Ano da Publicação: 2020
Edição: 1
Formato: 23,00 x 16,00 x 2,00 cm.
Nº Páginas: 360 pp
Peso: 300 g.