A falência - Júlia Lopes de Almeida

Falência e liberdade no vestibular Unicamp a partir de 2020

A falência - Júlia Lopes de Almeida

Por Cristiane Trindade

A falência, romance de Júlia Lopes de Almeida publicado no início do século XX, passou a integrar a lista de leituras obrigatórias para o vestibular Unicamp a partir de 2020. Uma vez que poucos conhecem a autora e o livro, a Editora da Unicamp publicou uma nova edição organizada pela professora Regina Zilberman, com uma apresentação detalhada e com comentários capítulo a capítulo. Essa característica particular oferece um panorama histórico e cultural do contexto em que se passa o romance e auxilia os vestibulandos e os professores em sua aproximação à obra.

A falência foi publicada em 1901 e desde então a obra ficou esquecida, sem nova edição, apesar de ter feito muito sucesso na época, tendo uma nova tiragem no mesmo ano de sua publicação, êxito conseguido no período apenas por escritores como Euclides da Cunha, com Os sertões, Graça Aranha, com Canaã e Afrânio Peixoto, com A esfinge. Para Regina Zilberman, produções célebres como Dom Casmurro, de Machado de Assis, que passou a circular no Rio de Janeiro em 1900, encontram em A falência uma ficção urbana à altura.

Não apenas Júlia Lopes de Almeida, mas uma série de outras escritoras, esquecidas pela historiografia literária tradicional, exerciam um papel ativo em produções literárias nessa época. Elas compunham, com Almeida, um grupo amplo que atuava sobretudo na imprensa, tanto no Rio de Janeiro e em São Paulo como em outras capitais do país. Algumas delas são Carmen Dolores (1852-1910), Narcisa Amália (1852-1924), Maria Benedita Bormann (1853-1895), Inês Sabino (1853-1911) e Presciliana Duarte de Almeida (1867-1944).

Nas obras produzidas por essas mulheres, tanto questões étnicas quanto aquelas relacionadas à situação da mulher, examinadas a partir de sua própria perspectiva, ganham espaço nas narrativas. Nelas, as mulheres em geral exercem notável protagonismo no desenvolvimento das ações, e os temas vinculados a seu universo passam ao primeiro plano, garantindo-lhes um novo modo de representação que é pouco evidenciado pela historiografia literária tradicional. Regina Zilberman assim destaca a importância de A falência para a historiografia literária:

Seja nesse contexto [do grupo de escritoras], seja no todo da ficção brasileira dos primeiros anos do século XX, A falência detém uma posição de relevância, advinda de seu enredo original, das personagens destinadas a desdobrá-lo em ações, da sociedade e do cenário representado, das ideias polemizadas e, acima de tudo, do modo como aparece o Brasil em vias de modernização, sintetizado no Rio de Janeiro daqueles tempos.

O romance se passa durante a República Velha, período que sucedeu o fim da Monarquia e que foi vivido pela própria escritora. A história gira em torno da família de Francisco Teodoro, um imigrante português que prosperou como comerciante de café na região central do Rio de Janeiro, e as ações ocorrem, sobretudo, em dois espaços: no comércio exportador de café de Teodoro e em sua residência.

Ao investir seu capital na compra de ações na Bolsa, Teodoro perde suas propriedades e, por fim, suicida-se. Mas a morte do protagonista não encerra a narrativa, como seria de esperar: é justamente a partir desse acontecimento que as diversas mulheres do romance passam a protagonizar as ações da trama.

Ainda que a trajetória de Francisco Teodoro e Camila, sua esposa, apresente-se inicialmente como eixo central do romance, o percurso paralelo das demais personagens é igualmente importante e permite a abordagem de temas sensíveis para a sociedade carioca daquela época. Alguns desses temas são o posicionamento diante do adultério; a situação de jovens solteiras de classe média e financeiramente dependentes, com poucas chances de autonomia profissional; a questão da emancipação da mulher; o racismo no momento posterior à abolição da escravatura e a intolerância religiosa em um país de formação predominantemente católica.

Impressiona que, passados mais de 100 anos de sua primeira publicação, as questões abordadas em A falência sejam ainda tão atuais e que Júlia Lopes de Almeida seja ainda uma autora desconhecida para grande parte do público leitor brasileiro. 

A falência - Júlia Lopes de AlmeidaA Falência

Autor: Júlia Lopes de Almeida

Apresentação e notas: Regina Zilberman

ISBN: 978-85-268-1477-6

Edição: 1ª

Ano: 2018

Páginas: 344

Dimensões: 14×21

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