Jornal da Unicamp publica entrevista sobre o livro “Escritos da Série Cognitiva”

Jornal da Unicamp – Quais as principais contribuições da obra de Peirce para os estudiosos brasileiros?

Cassiano Terra Rodrigues – Peirce foi um dos inventores do pragmatismo, a principal tradição filosófica dos Estados Unidos, e inventor da semiótica, a ciência dos signos em todo e qualquer tipo de linguagem. [Jürgen] Habermas, [Gilles] Deleuze, [John] Dewey, [Willard Van Orman] Quine, todos muito lidos no Brasil, auferiram muito de Peirce. Pela semiótica, Peirce é muito estudado nas áreas da comunicação e das artes e teve muita importância para a poesia concreta brasileira. Mas é como lógico que ele mesmo se apresentava. De fato, podemos considerá-lo o maior lógico do século XIX e um dos maiores do século XX, já que morreu em 1914, autor de uma obra muito mais abrangente e talvez até mais fundamental do que a de outros pensadores mais famosos do que ele. [Bertrand] Russell, [Frank Plumpton] Ramsey, [Leopold] Löwenheim e [Alfred] Tarski conheciam bem seus trabalhos.

Peirce, no entanto, nem sempre foi bem reconhecido. Suas descobertas em lógica foram deliberadamente apagadas por certa historiografia, para começar. E a primeira crítica ao sujeito cartesiano por via da linguagem, muito antes de [Friedrich] Nietzsche, é dele, como também a relação da estrutura da quaestio medieval com as catedrais góticas, uma metáfora tornada famosa por [Erwin] Panofsky. E muito mais que os leitores poderão descobrir por si mesmos lendo o livro.

JU – Como surgiu seu interesse por traduzir esse livro?

Cassiano Terra Rodrigues – Eu comecei a estudar a obra de Peirce ainda durante a graduação na Unicamp, nos anos 1990. Os textos que compõem esse volume foram objeto do meu mestrado, que defendi nessa mesma Universidade, sob orientação do professor Arley R. Moreno. Deixei-os aguardando uma oportunidade para um melhor estudo durante muito tempo, até que finalmente consegui revisar as traduções que já tinha feito, finalizar as que faltavam e retomar com mais segurança o trabalho de comentá-los.

JU – Quais os principais desafios durante a tradução da obra?

Cassiano Terra Rodrigues – Apesar da minha familiaridade com os textos, senti alguma dificuldade em aspectos técnicos, como a sintaxe e a pontuação da época, bem como peculiaridades do jovem autor. Mas não só. Os argumentos são intrincados e os textos tendem ao estilo paratático próprio de ensaios. Por isso, consultei várias traduções para outros idiomas, que, em passagens difíceis, não concordaram plenamente entre si. Talvez essas divergências não sejam decisivas, mas não deixam de indicar uma dificuldade nos originais.

Além disso, sobre certos pontos, desenvolvi uma leitura bastante crítica desses textos, que achei por bem registrar no meu ensaio interpretativo, presente no final do livro. Nada disso deve afastar os leitores, a meu ver, pois é justamente pelo desafio que a filosofia, assim como a ciência, ganha interesse. Uma vez vencida a dificuldade da argumentação, encontramos, nesses escritos, ideias de perspicuidade exemplar sobre filosofia da mente, epistemologia da crença, ontologia e metafísica, por exemplo. Cabe a nós decidirmos o que aproveitar dali e, penso, há muito a aproveitar.

JU – Sendo a obra de um intelectual ainda jovem, qual a importância desses escritos para os trabalhos futuros do autor?

Cassiano Terra Rodrigues – Antes de tudo, é preciso esclarecer que o alcance das ideias nada tem que ver com a juventude do autor, pois esses textos são por si mesmos riquíssimos. Obviamente, Peirce passará a desenvolver muito do que assentou ali, e não sem autocrítica. Por exemplo, ao definir a completude funcional de seu primeiro sistema de lógica matemática, ele abandona a abordagem silogística das inferências, que se torna insuficiente para seus propósitos, mas sobretudo desnecessária.

Por outro lado, permanecem o antipsicologismo na lógica, a crítica ao cartesianismo, a teoria semiótica da mente, a descrição das inferências da investigação. Um ponto que me parece importante é sua filosofia crítica do senso comum, já identificável nesses textos, ao menos em germe, pois é essa filosofia que embasa a recusa de Peirce da tese de que é necessário ou mesmo possível identificar primeiros princípios, como axiomas intuitivos, do conhecimento.

Para ler a entrevista no site do Jornal da Unicamp, clique aqui.

Escritos da Série Cognitiva

Autor: Charles Sanders Peirce

Edição: 1ª

Ano: 2024

Páginas: 480

Dimensões: 15 cm x 21 cm

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