Paulo Freire: o ensino, a teorização e a biografia

Por Gabriel de Lima

Lembrada pelo famoso episódio na cidade de Angicos, no estado do Rio Grande do Norte, quando um grupo de 300 adultos foram alfabetizados em apenas 45 dias, a pedagogia proposta por Paulo Freire vem sendo amplamente debatida desde a década de 1960 – recebendo, às vezes, críticas indevidas por seu suposto “caráter subversivo” –, além de extrapolar as fronteiras nacionais e ser analisada por acadêmicos de outros países. Os moldes tradicionais da educação brasileira, que Freire discordava com veemência, baseavam-se na memorização e na rigidez do método de ensino, tornando a escola um local restrito e elitizado, onde as desigualdades sociais e econômicas eram preponderantes ou até poderiam ser tidas como sinais de exclusão. Ao lado de sua carreira enquanto teórico, Paulo Freire foi sobretudo um educador, que, a partir do compartilhamento de suas experiências pedagógicas, repensou o sistema de ensino e de alfabetização.

Escolhido patrono da educação brasileira, Freire adotou, em suas teorizações sobre o ensino, “uma perspectiva crítica e problematizadora de pensar e vincular a cultura popular e a educação popular a processos de mudança social, desenvolvimento econômico e ambiência democrática”. Partindo dessas considerações, Débora Mazza publicou o livro Paulo Freire, a cultura e a educação: pensando à sombra de uma mangueira, pela Editora da Unicamp, que reúne seis textos críticos escritos pela pesquisadora brasileira e “organizados segundo uma linha histórico-cronológica de vida, trabalho e obras” do intelectual pernambucano. Basicamente, o volume analisa tanto as implicações nacionais do pensamento freiriano quanto a internacionalização desse ideário revolucionário, passando também por ponderações acerca da vida docente e familiar de Paulo Freire.

A vividez das obras freirianas, de acordo com Mazza, é o que torna o debate sobre a “educação dialógica” – proposta pelo filósofo brasileiro – ainda atual e relevante. Nesse sentido, a autora aborda a surpreendente recepção acadêmica que foi e continua a ser determinante na validação científica e no reconhecimento intelectual de Paulo Freire até a contemporaneidade. Ao mesmo tempo que a pesquisadora “não gostaria de limitar Paulo a uma pessoa à frente de seu tempo nem desmerecer sua inventividade”, existe um empenho, ao longo do livro, para não resumir a atuação do pedagogo pernambucano aos anos que antecederam o golpe militar de 1964.

Como referido anteriormente, vida e obra devem ser consideradas elementos centrais na presente publicação, dado que o modelo de ensino freiriano parte “de situações corriqueiras da existência humana” para refletir, por meio de um pensamento crítico, a realidade social que é compartilhada pelos discentes. No livro, Débora Mazza também retoma textos de sua autoria que foram “publicados em tempos, formatos e suportes variados”, promovendo algumas alterações para que pudessem ser integrados ao volume. Além disso, a autora cita algumas propostas educacionais recentes – como, por exemplo, o Novo Ensino Médio e o projeto Escola Sem Partido – que antagonizam aos “princípios do pensamento de Paulo”, aproximando-se, inclusive, da definição de “educação bancária”.

A obra também traz listas de figuras e tabelas e de siglas, além de um elucidativo prefácio assinado por Carlos Rodrigues Brandão, doutor em Ciências Sociais pela Universidade de São Paulo (USP). Todos esses paratextos ajudam especialistas e leitores iniciantes na compreensão da obra e da teoria freiriana. No livro, a autora também acrescenta notas explicativas e indica materiais de referência que fundamentaram o seu estudo; a partir disso, Mazza conseguiu abarcar quase meio século das contribuições acadêmicas e políticas de Paulo Freire. Outrossim, importante destacar que o primeiro capítulo foi elaborado em colaboração com “pesquisadores atuantes em universidades da Austrália, do Brasil, do Canadá e da Inglaterra”.

Essa publicação é, de acordo com a estudiosa, resultado “do concurso de obtenção do título de livre-docência”, realizado entre os anos de 2020 e 2021, sendo posteriormente escolhido e editado por meio do edital de “Comemoração dos 40 anos da Editora da Unicamp”. Sobre a sua trajetória acadêmica, Débora Mazza é docente do Departamento de Ciências Sociais da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas (FE-Unicamp), pesquisando sobretudo “na área de Sociologia e Educação”. Fato curioso, Mazza teve a honra de ser aluna e mestranda do então professor universitário Paulo Freire, o que demonstra o vínculo direto que esses dois personagens tiveram na década de 1980, aparecendo na presente obra de forma sutil e significativa.

“Quem espera na pura espera/ vive um tempo de espera vã./ Por isto, enquanto te espero/ trabalharei […] e/ conversarei com os homens”. Esse poema freiriano resume, por si só, como foram a recepção e a retomada das teorizações de Paulo Freire no cenário brasileiro contemporâneo, um período marcado por discussões tecnicistas acerca da educação primária e secundária e pela ressignificação da importância do ensino superior. A pedagogia transformadora e pautada em “situações-limites” de Freire é, pelos seus críticos, quase sempre desvirtuada com afirmações infundadas, relegando sempre os problemas educacionais do Brasil ao intelectual pernambucano – que, na verdade, não conseguiu aplicar a sua metodologia de ensino em nível nacional.

Entre a aclamação e a antipatia, Paulo Freire não é somente a faísca, mas a chama principal que incorporou, a sua própria biografia, a luta por uma educação igualitária, democrática e amplamente questionadora. Nesse sentido, a amizade entre Paulo e Débora coopera para o surgimento de Paulo Freire, a cultura e a educação: pensando à sombra de uma mangueira, pois a obra justamente traz alguns realces biográficos durante a explanação teórica do pensamento freiriano. Na “sombra de uma mangueira”, a autora apresenta aos leitores brasileiros algumas facetas desse indivíduo singular que, mesmo após 26 anos da sua morte, mantém-se vivo e presente na realidade nacional, motivando gerações e gerações de educadores.

Para saber mais sobre o livro, visite o nosso site!

Paulo Freire, a cultura e a educação: pensando à sombra de uma mangueira

Autora: Débora Mazza

ISBN: 9788526815735

Edição: 1ª

Ano: 2022

Páginas: 240

Dimensões: 14 x 21 cm

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