Por Ana Carolina Pereira

O Iluminismo foi um importante movimento intelectual do século XVIII no qual houve um grande desenvolvimento da ciência, focado na racionalidade e recusando dogmatismo, principalmente o religioso. Embora tenha existido em diversos países, esse movimento não foi homogêneo, o que significa que ele tinha particularidades de acordo com o lugar e o contexto de onde partia, mesmo que os pesquisadores desse período consigam delimitar características comuns do movimento de modo geral. Nesse recorte, é possível falar sobre o Iluminismo Escocês, o qual, mesmo estando inserido no movimento, teve características próprias tanto em relação a seu surgimento quanto à sua produção científica, o que o torna objeto de importantes estudos.

Adam Smith e David Hume são nomes do Iluminismo Escocês já conhecidos pelos historiadores brasileiros, mas outros importantes filósofos como Adam Ferguson ainda requerem maior atenção. Ciente disso, a Editora da Unicamp publicou o livro Introdução à filosofia política de Adam Ferguson, escrito pela pesquisadora e colaboradora do Instituto de Economia da Unicamp Eveline Campos Hauck. O foco das pesquisas de Hauck é o debate sobre a sociedade comercial moderna no Iluminismo Escocês; além de traduzir o livro Ensaio sobre a história da sociedade civil, pela Editora Unesp, a autora utilizou o assunto em sua tese de doutorado, defendida na USP. O livro Introdução à filosofia política de Adam Ferguson é uma versão adaptada desse projeto.

Adam Ferguson (1732-1816) foi professor na Universidade de Edimburgo e publicou obras que foram traduzidas para diversos idiomas, tendo muito prestígio nos círculos intelectuais da Europa até o século XIX, quando passou ao papel de coadjuvante perante David Hume e Adam Smith. O filósofo foi uma importante figura do Iluminismo Escocês e, como aponta Hauck, “a filosofia de Ferguson está inserida na discussão, cara ao século XVIII, sobre o desenvolvimento do comércio e suas consequências tanto econômicas quanto políticas para os Estados modernos, em especial para a Inglaterra e para a França”. No principal livro do autor, Ensaio sobre a história da sociedade civil – chamado também somente de Ensaio –, “na chave do debate sobre a riqueza e a virtude no progresso da sociedade, a preocupação de Ferguson com a corrupção moral e o declínio das nações o inclinaria para o lado da virtude”, comprometendo-se com as formas tradicionais de pensar a política e colocando-se ao contrário da discussão moderna desenvolvida por Smith e Hume, baseada na economia política.

No entanto, segundo Hauck, Ferguson não censura a Modernidade, o comércio e o luxo em prol de um modo de vida rústico, mas apresenta uma visão original sobre o comércio com “um paradoxo que é, na verdade, ‘do progresso e do declínio’”, diferente do discutido por Smith. Introdução à filosofia política de Adam Ferguson aborda esse paradoxo e, tendo como base o Ensaio, intenciona mostrar a construção da filosofia política de Ferguson “tendo em vista a avaliação do progresso e do declínio das sociedades comerciais modernas; e essa avaliação é feita, sobretudo, em termos morais e políticos”. Para compreender o pensamento do filósofo sobre a sociedade, é preciso considerar sua concepção de virtude e a separação que estabelece entre lei física e lei moral, pontos também abordados e esclarecidos pela autora na obra.

Introdução à filosofia política de Adam Ferguson é dividido em três partes. Na primeira parte, Hauck analisa a filosofia moral do autor, abordando a concepção de virtude de Ferguson e mostrando a inspiração da tradição estoico-ciceroniana presente nela. Na segunda parte, a autora discute a “investigação que Ferguson faz da sociedade, através da elaboração de uma história natural da sociedade civil”. Nesse momento, é apresentada a história do progresso da sociedade, desde os primórdios até “a sociedade civil propriamente dita”. A terceira parte é considerada, por Hauck, uma espécie de síntese das partes anteriores, e nela é abordada a filosofia política de Ferguson. A autora aponta ainda que a divisão do livro em três partes acompanha o Ensaio, obra basilar da ciência política do filósofo. Além disso, mesmo que o foco de Hauck seja o Ensaio, a pesquisadora utiliza-se da obra de Ferguson como um todo para explicar os argumentos e a filosofia do autor.

Hauck aponta ainda que “Ferguson se favoreceu de variadas tradições e influências”, como as tradições estoico-ciceroniana, cívica e republicana, e autores como Montesquieu, Rousseau, Hume e Smith na medida em que por eles se interessava para a construção de seu trabalho. Por isso, Introdução à filosofia política de Adam Ferguson relaciona o pensamento do filósofo com o de outros pensadores ao longo do livro. Ademais, a autora também discute relações feitas por outros estudiosos entre Ferguson e diferentes filósofos, como Maquiavel, Montesquieu e Cícero, apontando para a presença ou a ausência da influência desses autores na obra de Ferguson. Isso auxilia o leitor a entender como Ferguson se inseriu nos debates de sua época.

“Ferguson parece ter unido uma concepção de virtude cívica e de ativismo da tradição estoico-ciceroniana à teoria das formas de governo de Montesquieu para desenvolver uma teoria política própria, posicionando-se assim criticamente em relação a seus pares intelectuais do Iluminismo Escocês, como Hume e Smith, que fizeram das considerações sobre o comércio e sobre as instituições as bases para a economia política nascente.”

Introdução à filosofia política de Adam Ferguson é, como o próprio nome deixa claro, uma ótima introdução para aqueles que querem se aventurar na produção de Ferguson ou até mesmo conhecer mais sobre o Iluminismo Escocês. A linguagem empregada por Hauck é clara e objetiva, e a divisão em partes no livro favorece a didática da obra. Nesse sentido, o livro pode ser uma porta de entrada para novos pesquisadores de filosofia política. 

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