Na história, uma flor: crítica, historiografia, homenagem e arte narrativa em uma só obra

Por Beatriz Burgos

Mais de um século após a Abolição da Escravatura no Brasil, o historiador Robert W. Slenes, indo contra a palavra de um viajante estrangeiro no Brasil, encontra uma flor na senzala – descobre amor, família, esperanças e recordações na tradição africana em terras brasileiras. Em sua emblemática obra Na senzala, uma flor, publicada em 2012 pela Editora da Unicamp, Slenes faz um estudo demográfico e uma meticulosa investigação dos sentidos culturais da família escrava, argumentando que tradições centro-africanas fundamentaram identidades e solidariedades que marcaram a luta de classes no Sudeste escravista.

O autor é doutor em História pela Stanford University, com tese sobre a demografia da escravidão no Brasil, no período de 1850 a 1888. Desde então, tem se interessado especialmente por questões ligadas à cultura escrava e à reelaboração das “recordações” centro-africanas nas senzalas. Atualmente, é professor colaborador do Departamento de História da Universidade Estadual de Campinas, da qual se aposentou em 2013 e onde também deixou marcas: quatro de seus ex-orientandos de doutorado e colegas de ofício, após comparecerem a um seminário realizado em outubro de 2014, na Universidade Federal Fluminense, que tinha como objetivo homenagear Slenes, organizaram a coletânea Escravidão e cultura afro-brasileira: temas e problemas em torno da obra de Robert Slenes. A obra, que leva o mesmo nome do evento que a inspirou, reúne artigos que apresentam pesquisas dos admiradores de Slenes sobre temas que foram desdobrados de sua precisa orientação e do instigante convívio acadêmico com o professor.

Sidney Chalhoub, Gladys Sabina Ribeiro, Jonis Freire e Martha Campos Abreu são os quatro nomes responsáveis pela organização do livro, todos com doutorado em História pela Unicamp. Na Apresentação da obra, Chalhoub, que a assina, conta um pouco mais sobre o evento que motivou a realização da obra: “Foram dois dias intensos, 27 e 28 de outubro de 2014, muitas horas de apresentação de trabalhos e de debates sobre escravidão e cultura afro-brasileira. Mas também foram dois dias de uma alegria inesquecível, de uma emoção às vezes difícil de segurar”. O pesquisador realça o caráter de “crítica” do seminário, como o iria desejar o homenageado; buscou-se o foco na apresentação do resultado de pesquisas históricas e na reflexão sobre o lugar delas na historiografia. Chalhoub cita, ainda, o que dizia a carta-convite do evento: “o objetivo do seminário é homenagear o professor Robert Slenes, recentemente aposentado, e a maneira de realizá-lo é promover o melhor encontro acadêmico possível em torno dos temas e problemas que constituem a sua obra”.

A estrutura do livro é a mesma do seminário: dividida em cinco partes que buscam oferecer ao leitor novas perspectivas sobre a escravidão no Oitocentos, a Abolição, o Pós-Abolição e o trabalho livre. A primeira delas, “A África no Brasil”, aborda os aspectos e desdobramentos da verdadeira revolução historiográfica ensejada pelos textos de Robert Slenes a respeito da formação de uma identidade centro-africana nas senzalas do Centro-Sul do Brasil, no século XIX. “Família”, segunda parte da coletânea, de autoria de Cristiany Rocha e Isabel Reis, dá prosseguimento à tradição dos estudos sobre a família escrava na historiografia brasileira, na qual o livro Na senzala, uma flor é referência. Na terceira parte, “Rebeldia e tráfico”, os capítulos de Ricardo Pirola e Rafael Schefer abordam a questão da desorganização de comunidades escravas em decorrência dos negócios senhoriais e a reação violenta dos escravos a diversas circunstâncias de vida, desde a vingança contra feitores e senhores cruéis até conflitos entre parceiros provocados pela situação de extremo desequilíbrio numérico entre os sexos; Jonis Freire, ainda na terceira seção, dá prosseguimento debruçando-se sobre o batismo dos escravos adultos introduzidos no país à revelia da lei de abolição do tráfico negreiro de 1831. Em “Abolição”, quarta parte da coletânea, Gladys Ribeiro disserta sobre imigração portuguesa, a que se segue o capítulo de Walter Fraga, que acompanha aspectos do cotidiano dos trabalhadores no Recôncavo Baiano após a Abolição. Na quinta e última parte do livro, “Visões da história”, Tiago Gomes oferece um panorama da trajetória da historiografia brasileira nas últimas décadas, com enfoque nos aspectos referentes à história social, de forte matiz marxista e thompsoniano, na década de 1980. Valéria Lima prossegue partindo dos estudos exemplares de Robert Slenes sobre Rugendas, para discutir procedimentos de análise e interpretação de imagens de escravos na iconografia oitocentista. A obra é então fechada com uma entrevista com Robert Slenes, conversa que, segundo Chalhoub, é o fio condutor da coletânea, responsável por amarrar e dar alguma consistência a tantas centenas de páginas.

Do seminário que ensejava homenagear o professor, portanto, nasce uma obra que vai muito além disso. Escravidão e cultura afro-brasileira: temas e problemas em torno da obra de Robert Slenes, apesar de levar o mesmo nome e estrutura do evento que o motivou, foi capaz de oferecer uma gama crítica acerca do trabalho do professor que superou dias de palestras. As ricas pesquisas compiladas dos orientandos fazem jus à singular e célebre obra de Slenes, que, dentre suas características marcantes, contam com qualidade narrativa, sedução e envolvimento do leitor. Chalhoub, sobre seu mestre, coloca: “A arte de narrar não se opõe ao esforço de dar a ver o que se conhece; ao contrário, arte narrativa e conhecimento histórico são indissociáveis. Bob dizia isso, ensinava isso. […] Para ele, desde sempre, arte narrativa e conhecimento histórico são duas faces da mesma moeda”.

Para saber mais sobre o livro, visite o nosso site!

Escravidão e cultura afro-brasileira: temas e problemas em torno da obra de Robert Slenes

Organizadores: Sidney Chalhoub, Gladys Sabina Ribeiro, Jonis Freire e Martha Campos Abreu

ISBN: 9788526813632

Edição: 1a

Ano: 2016

Páginas: 456

Dimensões: 16 x 23 cm

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