O intervencionismo de um Estado liberal

Por Gabriel de Lima

A subida de Getúlio Vargas ao palanque presidencial, decretando o fim da República Velha, deu-se por meio de um golpe de Estado arquitetado por civis e militares. “Pai dos pobres”, o ditador populista teve o âmbito trabalhista nacional como uma de suas prioridades para angariar uma melhor receptividade entre as massas. Em vista disso, Vargas sancionou, em 1o de maio de 1943, o decreto-lei n. 5.452, que originou a Consolidação das Leis do Trabalho – conhecida como CLT. O apoio sindical, estruturado em uma relação intensa entre as instituições governamentais e as organizações trabalhistas, foi uma das peças-chave para a permanência de Getúlio Vargas no posto de presidente do Brasil por quase duas décadas.

O modelo sindical grandemente adotado em terras nacionais foi o de base corporativista, em que a classe trabalhadora brasileira estabelecia um contato com os empregadores por meio de um líder sindical e pelo Estado. Em contraposição, por proximidades geográficas e históricas – principalmente na Era Moderna –, pode-se denotar, de início, o panorama sindical estadunidense como uma oposição a esse viés indireto e pactuante na qual eram concebidas as associações operárias brasileiras. A respeito disso, a Editora da Unicamp publicou Disseram que voltei americanizado: relações sindicais Brasil-Estados Unidos na ditadura militar, uma obra historiográfica única e pioneira produzida pela docente da PUC-Rio, professora doutora Larissa Rosa Corrêa. Produto de sua tese de doutorado, no livro, a autora pretendeu demarcar os intercâmbios sociopolíticos, nos anos 1960 e 1970, entre os movimentos sindicais de dois países americanos, Brasil e EUA.

Relatando um conjunto de acontecimentos, antes e depois de 1964, que alicerçam a questão principal de seu estudo, Larissa Corrêa constrói uma narrativa temporal que explicita os pormenores dessa discussão diplomática entre brasileiros e estadunidenses sobre a regulamentação trabalhista. Por conseguinte, a identidade do operariado norte-americano resvala em fundamentos culturais próprios desse país, existindo, historicamente, um estímulo à produção em massa e ao consumismo que estão no cerne do sistema capitalista – como a difusão mundial, após as Guerras Mundiais, do modelo comportamental e mercantilista do American way of life. No embalo de uma popularização internacional somado aos programas ultramarinos de assistência financeira – o Plano Marshall, o Plano Colombo e a Aliança para o Progresso –, os EUA preocupavam-se com uma possível onda revolucionária comunista na América Latina, elegendo as organizações sindicais como o mais provável reduto desse alarmante ideário.

Na contramão do padrão das petições trabalhistas da principal entidade sindical estadunidense, a AFL-CIO – marcada por uma negociação frontal entre empresa e empregado –, os movimentos do operariado no Brasil sempre foram permeados por diversos interlocutores, sejam da área pública ou privada. Ao contrário dessa generalização apolítica, em Disseram que voltei americanizado, a autora evidencia como os governos norte-americanos se valeram da AFL-CIO na criação de programas de ajuda internacional, ideologicamente capitalista, que atendem ao âmbito trabalhista latino-americano. Em reação a isso, a obra também relata a preocupação política com a comunização mundial, própria desse período da Guerra Fria, que emanou do seio dessa instituição privada que doutrinava a dar valor a um sindicalismo livre e desprendido do Estado.

A divisão do livro compreende seis capítulos, percorrendo três estágios da relação diplomática entre as duas nações americanas: alguns precedentes importantes para o distanciamento histórico dos movimentos sindicais desses países; os planos cooperativistas que são firmados entre os ditadores militares e os presidentes estadunidenses com a finalidade de “americanizar” o modelo sindical brasileiro; e, por último, a reafirmação, por parte do Brasil, do caráter corporativista das organizações trabalhistas nacionais que resultou no declínio desse vínculo ideológico com os EUA. Dentro dos elementos pré-textuais que compõem a obra sociológica, ressalta-se o Prefácio assinado por Fernando Teixeira da Silva, docente do Departamento de História da Universidade Estadual de Campinas e coordenador da Coleção Várias Histórias da Editora da Unicamp.

Durante a elaboração do estudo, vários impasses surgiram, como o difícil acesso aos documentos de órgãos públicos e de sindicatos, resultado este da inédita interpretação histórica que foi adotada por Corrêa. Com o livro, ela pretendeu reformular a ideia oficial que se tem do papel da AFL-CIO e de sua subdivisão na América Latina, a American International Free Labor Development, na sustentação de golpes de Estado em países periféricos. Com uma pequena estadia em solo norte-americano, a pesquisadora brasileira contatou diversos intelectuais dos Estudos Latino-Americanos, sobretudo com o renomado historiador e ativista James Naylor Green, que foi peça fundamental para esse intercâmbio da autora.

No decorrer do livro, é descrito de que modo a imagem dos EUA como o exemplo de desenvolvimento econômico e industrial teve um novo ânimo após a aproximação diplomática com o denominado Terceiro Mundo. Corroborando isso, o programa Aliança para o Progresso modificou, além da esfera financeira, o panorama político da América Latina. Apesar de que, inicialmente, se intentava uma “liberalização” do sindicato brasileiro, é notório a coparticipação das entidades estadunidenses, trabalhistas ou pertencentes ao Estado, no episódio golpista de 1964. Portanto, pode-se denotar um viés contraditório que transpassa por toda essa relação bilateral, em especial por parte dos líderes ianques, os quais entravam, de acordo com a historiadora, em um imbróglio entre uma democracia calcada na liberdade e um governo ditatorial repressivo e intervencionista.

Com essas informações obtidas de inúmeras fontes documentais – nacionais e estrangeiras –, Larissa Corrêa analisou a recepção brasileira das investidas norte-americanas, tentando explicitar as possíveis respostas que o sindicalismo nacional produziu nos anos 1960 e 1970. Em suma, Disseram que voltei americanizado: relações sindicais Brasil-Estados Unidos na ditadura militar relata como qualquer organização trabalhista, seja de países subdesenvolvidos ou não, está estruturalmente interligada ao maquinário do Estado, mostrando como as problemáticas de ordem econômica e operária estão em uma contínua dialética com a configuração governamental da qual são subordinadas.

Para saber mais sobre o livro, visite o nosso site!

Disseram que voltei americanizado: relações sindicais Brasil-Estados Unidos na ditadura militar

Autora: Larissa Rosa Corrêa

ISBN: 9788526813731

Edição: 1a

Ano: 2017

Páginas: 416

Dimensões: 14 x 21 cm

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