O ler, reler e cessar-fogo na crítica machadiana

Por Beatriz Burgos

Machado de Assis é considerado um dos maiores nomes da literatura brasileira. Foi ele o responsável por inaugurar o Realismo no Brasil, com a publicação da obra Memórias póstumas de Brás Cubas, em 1881, e, do Romantismo à escola recém-estabelecida, foi capaz de aliar, em suas obras, críticas socioeconômicas e culturais à ficção com maestria, utilizando-se para tanto de ironia e sagacidade singulares. Mais que isso, sua obra, que faz retrato do cotidiano do Rio de Janeiro, serve de testemunho e fonte preciosa para o estudo de aspectos socioculturais da vida brasileira durante o Segundo Reinado e as duas primeiras décadas da República.

Isso, talvez, faça com que Machado seja até os dias de hoje consagrado pela crítica nacional e internacional, considerado genial, revolucionário: o autor é objeto de mais de um século de crítica e debates intelectuais, dos primeiros escritos, ainda em finais do século XIX, até a atualidade, e foi considerado, em 1939, o autor mais discutido pelo escritor Astrojildo Pereira: “Nenhum outro escritor brasileiro, em nenhum tempo, foi tão falado, tão manuseado, tão esquadrinhado quanto Machado de Assis atualmente. A sua obra e a sua personalidade estão sendo exploradas por uma espécie de garimpagem literária que se alastra pelo país inteiro”.

Esse caminho de estudos e importante atenção que a crítica e a academia dedicam ao autor e às suas obras, no entanto, levou a grandes controvérsias entre esses críticos e estudiosos ao longo do século XX, sobretudo quando os campos das disciplinas universitárias foram sendo delimitados. O que não faltam na crítica literária são estudiosos de Machado de Assis, não carecendo, em consequência, de divergências e distintas interpretações quanto às mais diversas questões, que convivem entre si, na academia, em disputas de poder por exclusividade.

O livro Machado de Assis: lido e relido, publicado pela Editora da Unicamp, pretende fazer cair por terra essas disputas. Organizado por João Cezar de Castro Rocha, o título reúne 41 ensaios que apresentam diferentes orientações metodológicas e abordagens teóricas, sem se filiar a grupo algum e sem adotar este ou aquele paradigma como o caminho necessário para o entendimento da obra machadiana. Busca, pelo contrário, apresentar ao leitor todas as distintas perspectivas críticas no estudo do autor e, assim, desautorizar os exclusivismos atiçados pelas disputas de poder que perduram no meio acadêmico, de forma a permitir que seja formada uma visão generosa dos estudos machadianos.

A obra divide-se em cinco seções – “Atos de leitura”, “Interpretações”, “Romance”, “Conto”, “Poesia / Crônica / Jornalismo / Recepção” –, que, de igual modo, oferecem um amplo panorama dos estudos sobre o conjunto da produção machadiana. A primeira delas, por exemplo, tem como centro o sentido machadiano do romance como forma literária e as técnicas particulares inventadas ou alteradas pelo autor. Já no primeiro parágrafo do primeiro ensaio, pode-se identificar algum viés teórico do escritor, que expõe acreditar que “a transformação do romance europeu” feita por Machado tenha sido “sistemática e completamente deliberada”. A segunda seção tem seu enfoque no múltiplo leque de interpretações que se abre diante das questões diversas que a rica obra machadiana oferece, enquanto as duas seções que a ela se seguem cuidadosamente perpassam dois dos principais gêneros literários explorados pelo escritor: o romance e o conto. A última seção ocupa-se dos demais gêneros, sem deixar de trazer à tona a importante questão da recepção crítica de suas obras. 

Nota-se, portanto, que o livro de fato não se pretende neutro. Não busca, de nenhuma forma, opor-se a esses conflitos intelectuais em torno da obra machadiana minimizando a gama de abordagens e concepções existentes ou abrandando nenhuma delas; pelo contrário, intenta apresentar essa gama da forma mais completa possível – assim como é rica a obra machadiana, que “consiste num vaivém astucioso que não se deixa aprisionar nem lá, tampouco cá”, é rico Machado de Assis: lido e relido.

Apesar desse caráter de magnitude e abrangência, João Cezar de Castro Rocha aponta que isso “não quer dizer que [a obra machadiana] tenha antecipado uma imaginária terceira margem, pois até tal margem imaginária oferece uma facilidade a ser evitada pelos seus leitores. Especialmente pelos leitores críticos – sejam ou não acadêmicos”. Diz, ainda, esperar “que os ensaios aqui reunidos estimulem esse tipo de leitura. Afinal, a tarefa do crítico não é adotar credos, mas correr riscos”.

Assim, Machado de Assis: lido e relido mostra-se inovador enquanto material teórico literário na medida em que, mesmo abordando um autor tão, se não o mais dentre os nossos, estudado, falado, destrinchado, lido e relido pela academia, o faz levantando nesse campo – sempre intrincado, polêmico, revolto – bandeira de paz. O livro, apesar de se aprofundar nas mais diversas discussões que só a obra de um gênio da literatura como Machado poderia proporcionar, não é leitura restrita àqueles que estudam teoria literária: alunos e professores de literatura têm à frente um título essencial, mas o livro também muito oferece a todos aqueles que se interessam pelo trabalho do autor, desejam expandir sua gama crítica e não querem ficar restritos a lugares-comuns no tocante à obra machadiana.

Para saber mais sobre o livro, visite o nosso site!

Machado de Assis: lido e relido

Organizador: João Cezar de Castro Rocha

ISBN: 9788526813656

Edição: 1a

Ano: 2017

Páginas: 752

Dimensões: 23 cm

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