Por Gabriel de Lima
Uma das paragens da longa travessia bandeirante, a província de Ribeirão Preto, teve a sua formação demográfica consolidada apenas com a independência brasileira e, de forma conjunta, o declínio do Ciclo do Ouro na região central do Brasil Império. Alicerçada numa matriz pecuarista e, subsequentemente, agrária, por meio dos rendimentos monetários advindos do campo, a província contava com uma elite local detentora de um enorme prestígio dentro do cenário estadual e nacional. Dessa forma, pode-se afirmar que o poderio de investimentos econômicos existente em toda essa região emana desde a sua constituição rural.
As relações de poder e influência não estiveram ausentes da vivência dessa elite regional que ora era cafeicultora, ora se baseava no cultivo da cana-de-açúcar, ora se industrializava. Replicando os principais centros urbanos modernos, os meios jornalísticos, corriqueiramente, foram o veículo imprescindível para a legitimação e a consagração de uma burguesia forte economicamente como era a alta sociedade ribeirão-pretana. Isto posto, é a partir dessas elucidações e de inúmeros outros questionamentos advindos de uma profunda pesquisa historiográfica, que Paula Melani Rocha, doutora em Ciências Sociais pela Universidade Federal de São Carlos, e Gabriella Zauith, doutora em Educação também pela UFSCar, publicaram a obra Jornalismo e modo de produção: As transformações dos impressos no nordeste do estado de São Paulo.
Surgido da insuficiente oferta de estudos críticos e documentais que se debruçam sobre o elemento jornalístico no Brasil interiorano – ou na região setentrional de um estado industrializante e oligárquico como São Paulo –, o livro analisa diversos âmbitos, exteriores e interiores ao ato de noticiar informações e eventos, que implicaram no aparecimento de uma imprensa provinciana com as suas particularidades e anomalias editoriais. Composto de quatro capítulos, embora seja perceptível a divisão tripartite da obra de acordo com os ciclos econômicos abordados, o livro de Paula Melani Rocha e Gabriella Zauith traz em si uma apresentação produzida pelas próprias autoras e, ademais, a participação de Carlos Vogt, doutor em Ciências Sociais pela Universidade Estadual de Campinas, como prefaciador desse “trabalho acadêmico [transformado] numa peça de difusão e de divulgação” científica.
As dúvidas e as incertezas decorrentes de um irrisório público leitor na região de Ribeirão Preto, reproduzindo o panorama literário e de alfabetização nacional, como bem demonstra a obra documental, impeliram os jornalistas provincianos, sem outras alternativas, a estabelecer acordos financeiros e políticos com as oligarquias das cidades em que as instituições comunicativas se instalaram. Por outro prisma, pode-se afirmar, sob a perspectiva adotada em Jornalismo e modo de produção, que o interesse particular de diversas camadas populacionais na utilização dos meios midiáticos em prol de si próprio está interligado, de forma direta, a uma outra problemática central da sociedade brasileira: a indissociação existente entre o homem público e o privado.
Em outra vertente, a profissionalização daquele que noticia, produto da introdução do pensamento técnico e científico nas redações jornalísticas desde o século XIX, é também objeto da análise historiográfica desenvolvida pelas autoras, perpassando até a contemporaneidade, na qual é examinada a relação das imprensas com as tecnologias da informação e da comunicação – ou como comumente são denominadas TICs. Com uma delimitação temporal estabelecida pelo livro, o período de 1884 a 2009 compreende o processo modernizante não somente da atual Região Metropolitana de Ribeirão Preto como, de modo indireto, indica os parâmetros empregados nas políticas públicas que visavam à industrialização em todo o território nacional.
Em diálogo e modelada por outras obras historiográficas e analíticas que concebem a inter-relação entre jornalismo e sociedade, Jornalismo e modo de produção torna-se uma pesquisa importantíssima por ir além daquilo que, a princípio, o objeto de estudo poderia limitar espacial e socialmente. A interdisciplinaridade está igualmente incluída na formação acadêmica de ambas as autoras, indo desde o ensino pedagógico até a elaboração de reflexões sobre as mais diversas sociedades que compuseram a história da civilização humana, não se esquecendo da função da imprensa nesses e outros âmbitos da humanidade.
Em relação ao espaço analisado, apesar de haver uma delimitação restritiva para que viabilizasse a concepção da obra em uma totalidade coerente, não há um descolamento das vivências da província ribeirão-pretana da realidade de outros centros urbanos do Brasil Império e, a posteriori, Republicano. No decorrer do estudo proposto pelas autoras, fica evidente como o jornal tornou-se, enquanto material e meio informativo, um veículo plural e de uso sociopolítico, podendo atender todas as classes díspares que integram uma sociedade.
A relevância acadêmica e sócio-histórica de Jornalismo e modo de produção: As transformações dos impressos no nordeste do estado de São Paulo ultrapassa aquilo que, inicialmente, as autoras se propuseram a analisar. No livro, Ribeirão Preto é, com ou sem as particularidades de uma província, o Brasil em seu estado integral. A anacronia torna-se inexistente na conexão entre o passado e a atualidade, a sociedade fin-de-siècle do Oeste Paulista é tal qual semelhante à metrópole globalizada da contemporaneidade. Atemporal e progressivo, Paula Melani Rocha e Gabriella Zauith conseguem transcrever a figura do jornalista brasileiro na Era Moderna.
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Jornalismo e modo de produção: As transformações dos impressos no nordeste do estado de São Paulo
Autores: Paula Melani Rocha e Gabriella Zauith
ISBN: 978-85-268-1074-7
Edição: 1ª
Ano: 2014
Páginas: 136
Dimensões: 14 x 21 cm