Por Everaldo Rodrigues
O que significa “cafundó” para você? Se respondeu “lugar distante, afastado, de difícil acesso”, você tem razão. Mas “cafundó” também é um lugar de ancestralidade, luta e cultura. Neste “Livro da vez” você vai conhecer Cafundó: a África no Brasil, obra que fala sobre uma comunidade rural formada nos anos pré-Abolição, cujos moradores ainda vivem praticamente da mesma forma desde a sua criação.
Escrito por Carlos Vogt, linguista, poeta e ex-reitor da Unicamp, e Peter Fry, antropólogo e professor, o livro é fruto de uma pesquisa realizada entre os anos de 1978 e 1988. Tudo começou quando o então reitor da Unicamp, Zeferino Vaz, incentivou os dois a investigar se era verdadeira ou não a notícia de que, a 12 quilômetros da cidade de Salto do Pirapora, no interior de São Paulo, existia uma comunidade formada por negros descendentes de escravizados que se comunicavam usando uma língua africana desconhecida. Em campo, os pesquisadores não apenas descobriram que a comunidade existia, como também constataram que ela estava relativamente isolada desde a sua formação e que a língua que usavam, a “cupópia”, contava com apenas 150 palavras.
Naquela época, cerca de 80 pessoas viviam no Cafundó. Descendentes dos fundadores do quilombo original, elas plantavam milho, feijão e mandioca, além de criar galinhas e porcos, tudo para consumo próprio. Elas também não viviam completamente isoladas: na verdade, alguns moradores trabalhavam fora da comunidade, em funções como diaristas ou boias-frias. Tinham o português como língua materna, mas usavam, entre eles, o dialeto cupópia, descoberta mais significativa na época. A língua do Cafundó é de origem banto – quimbundo, mais especificamente – e representa parte fundamental não só da sobrevivência da comunidade como também de sua unidade cultural.
Durante a pesquisa de campo, Vogt e Fry também descobriram que, apesar de ocupada por aquelas pessoas havia muitos anos, a área que fora cedida para os primeiros moradores por um fazendeiro dono de escravos, ainda no século XIX, estava sob constante disputa com os donos das terras em volta. Ameaças, tensões e até mesmo assassinatos marcaram tal disputa. Com a chegada dos pesquisadores e a exposição dos problemas na mídia, a causa ganhou conhecimento público e os processos de reintegração de posse começaram a correr na Justiça.
Para os pesquisadores, o Cafundó representava mais do que uma pequena comunidade rural: era um símbolo da resistência negra, uma causa cuja importância ultrapassava o interesse acadêmico. O fato é que muitos anos se passaram até que os processos relacionados à posse da terra foram resolvidos. Apenas em 2012 o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) assinou o termo de concessão de uso das terras pela comunidade do Cafundó.
Na Nota introdutória, os autores destacam que o “livro é coerente e orgânico na sua intenção de tratar a questão social articulada de modo constitutivo com a questão da linguagem, com ênfase especial para o papel estruturador da cupópia”. Isso porque a língua funciona tanto como elemento identitário quanto como elemento isolador, já que sua aparente simplicidade dificulta a compreensão de quem é de fora. Por outro lado, a pesquisa realizada pelos autores mostra uma comunidade que é um microcosmo da cultura brasileira, com todas as suas diversidades racial e cultural, assim como suas lutas por identidade, terra e dignidade.
Cafundó: a África no Brasil une a poesia às pesquisas antropológica e linguística, sem cair em armadilhas conceituais redutoras, apresentando como circunstâncias e vivências específicas geram padrões comportamentais particulares. É um livro sobre um idioma desconhecido e sobre um povoado que viveu e ainda vive à sua própria maneira, lutando por sua terra e deixando, para seus descendentes, um modo de vida simples e sustentável.
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Autores: Carlos Vogt e Peter Fry
ISBN: 9788526810389
Edição: 2
Ano: 2014
Páginas: 416
Formato: 21 x 14 x 2 cm
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