Das cores do silêncio: uma visão sociocultural do século XIX

Por Gustavo Gonçalves Ferreira

O que é “liberdade”? Durante o século XIX, em meio à escravidão no Brasil, as matrizes culturais ligadas ao sentido dessa palavra influenciaram ações e motivações humanas de inúmeros cativos e libertos. Reconhecido por sua abordagem, o livro Das cores do silêncio, em sua terceira edição, investiga como a sociedade e suas relações se estruturaram durante os períodos pré e pós-abolição, analisando conceitos como hierarquização racial e silenciamento por meio de um olhar sociocultural.

A obra foi escrita por Hebe Mattos, pesquisadora e professora da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). Especializada em história social da escravidão e em pós-abolição no Brasil, ela escreveu diversos artigos e livros sobre o tema, como Ao sul da história: lavradores pobres na crise do trabalho escravo e Escravidão e cidadania no Brasil monárquico. Das cores do silêncio conta ainda com apresentação de Robert Slenes (IFCH-Unicamp), que mostra como as opções metodológicas diferenciam essa pesquisa das demais.

O livro divide-se em cinco partes, com foco no Sudeste brasileiro, onde a escravidão, como instituição, manteve-se forte por mais tempo do que em outras regiões brasileiras. Com uma escrita fluída, utiliza dados e documentos da época para abordar as temáticas de modo ilustrativo – como, por exemplo, as duas partes iniciais, nas quais a autora inclui narrativas de processos de homicídio apreciados pela Corte de Apelação do Rio de Janeiro para nos dar a ideia da densidade dos conflitos (raciais, sociais) de então.

Analisando esses documentos, Mattos revela que os processos criminais e civis do século XIX usavam classificações étnicas – para cativos, forros (que eram escravos alforriados) e seus descendentes – que não necessariamente estavam relacionadas ao fenótipo, à cor da pele em si, mas sim à ascendência das pessoas, atribuindo diferentes signos de cidadania às pessoas. Por exemplo, o escravo que descendia de um homem branco levava o termo “pardo” junto ao seu nome, assim como qualquer descendente de casais africanos que nascesse livre. Ela descreve esse fenômeno como forma de controle sociorracial: “reforçava-se, desta maneira, a liberdade como atributo específico dos ‘brancos’ e a escravidão, dos ‘negros’. Os ‘pardos’, fossem negros ou mestiços, tornavam-se, nesta forma de enunciação, necessariamente exceções”. Os termos “crioulo” e “preto” também eram reservados a escravos e forros nascidos, respectivamente, no Brasil e na África.

Retomando essa época, uma profunda reflexão é trazida em torno do significado de “liberdade”, com o intuito de entender melhor as relações coletivas e, a partir delas, as expectativas e estratégias de ascensão dentro da pirâmide social dos escravizados e dos livres pobres. Um fator predominante nesse sentido de “liberdade” é a questão da mobilidade espacial como tentativa de reinserção dentro de uma comunidade. Naquela época, era comum filhos de homens brancos ricos e ex-escravos, ao crescerem, deixarem seus lares para buscar criar novos laços em regiões próximas. Porém, algo que dificultava esse processo para os forros era a hierarquização racial. Assim, era necessário um reconhecimento externo da condição de homem livre do “pardo”. Com isso, fica claro que, mesmo entre os livres, essa opção era inviável, limitando “não só as possibilidades de mobilidade social, mas também de mobilidade espacial dos forros e de seus descendentes, que permaneciam ameaçados pela possibilidade de reescravização”, escreve. Levando essa dinâmica em conta, fica evidente como relacionamentos horizontais e verticais eram extremamente importantes para a realocação espacial e social de forros e livres, pois só depois disso eles poderiam ter uma família que lhes proporcionasse a experiência de liberdade.

Ao tecer esse panorama sociocultural do século XIX, a pesquisadora consegue mostrar os impactos do enfraquecimento da instituição da escravidão e as consequências da pós-Abolição nos personagens daquela época. Além disso, ela faz uma análise de como – desde o início do século até a primeira década republicana, ao final dele – os diversos significados de “liberdade“ influenciaram não só alguns conflitos, como também a visão que as pessoas tinham do futuro. Por fim, esta edição da Editora da Unicamp conta com um posfácio escrito pela autora, que estende a discussão até nossos dias ao analisar as perspectivas contemporâneas sobre o assunto.

Vencedora da segunda edição do Prêmio Arquivo Nacional de Pesquisa, a obra Das cores do silêncio abriu novos horizontes de investigação a pesquisas sobre a escravidão no século XIX, entendendo a legitimidade no contexto do antigo regime português e a historicidade dos direitos civis. O texto apresenta diversos documentos, sendo extremamente rico para todos que se interessam pela história brasileira, contribuindo para uma visão acurada das estruturas raciais que perduram até hoje.

Para saber mais sobre o livro e adquirir o seu exemplar, acesse o nosso site!

Das cores do silêncio

Autor: Hebe Mattos

ISBN: 978-85-268-1029-7

Edição: 3

Ano: 2013

Páginas: 384

Formato: 23 x 16 x 2 cm

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