A universidade disseminando inovação na gestão pública

Por Everaldo Rodrigues

O debate acerca do setor público tem crescido nos últimos anos, especialmente no atual governo. Por um lado, há o constante questionamento da qualidade do serviço público que é oferecido à população, seja na educação, na saúde, no transporte ou na justiça. Acusa-se o setor de inchaço e ineficiência, apontando falhas que não deveriam estar presentes onde haveria tanto dinheiro investido. Por outro lado, há grande cobrança por parte dos cidadãos em relação ao nível desses serviços, visto que o atual contexto tecnológico possibilita a agilização de determinadas atividades, o que nem sempre é o que o cidadão encontra. Quem ainda não teve uma má experiência em alguma repartição pública? Para além da falta de engajamento de muitos governantes, que raramente se prestam a qualificar tais serviços, existem os inúmeros planos de privatização que, muitas vezes, derivam de um sucateamento promovido pelo próprio governo, como se a ineficiência fosse inerente ao serviço público e a privatização, a única forma de resolvê-la. Para acabar com os problemas, o ponto de partida é sempre o conhecimento – é o que indica o livro  Planejamento e gestão estratégica no setor público: Aplicações e reflexões a partir da Unicamp, lançado pela Editora da Unicamp e organizado por Milena Pavan Serafim e Teresa Dib Zambon Atvars.

A obra é uma reunião de textos que abordam conceitos, ferramentas e metodologias de gestão que podem ser úteis para vários órgãos governamentais, principalmente os de gestão escolar e universitária. As organizadoras conhecem a questão de perto: Milena Pavan Serafim é doutora em Política Científica e Tecnológica e atuou como assessora da Pró-Reitoria de Desenvolvimento Universitário e como coordenadora de graduação da Faculdade de Ciências Aplicadas; e Teresa Dib Zambon Atvars é doutora em Química e já trabalhou em várias instâncias da alta administração da Unicamp, como assessora da Coordenadoria Geral da Universidade, pró-reitora de pós-graduação e pró-reitora de Desenvolvimento Universitário e, mais recentemente, como Coordenadora Geral da Universidade. O objetivo do livro é divulgar conceitos e experiências bem sucedidas, visando os gestores públicos, que nem sempre estão bem preparados para enfrentar os desafios da gestão e dos serviços públicos.

A fim de apresentar tais conceitos, o livro toma como base a experiência de gestão da própria Unicamp: todos os métodos abordados foram aplicados na universidade nos últimos anos e são analisados em 11 capítulos. Os textos foram escritos por docentes e funcionários técnico-administrativos, que contribuem para aquilo que é o cerne da obra: o contato prático entre o mundo acadêmico e o mundo administrativo. A ideia é unir o conhecimento científico ao dia a dia prático da gestão, ensinando a  implementar medidas e políticas que busquem a melhoria e a profissionalização da gestão pública.

Entre as abordagens apresentadas no livro, o design thinking ganha grande destaque. Pensado como uma busca coletiva e colaborativa de solução de problemas, o design thinking surgiu como um conjunto de técnicas para construir experiências de consumo e atendimento a partir do mapeamento da jornada do usuário. Por sua característica colaborativa, tem sido utilizado para aproximar pessoas de empresas ou instituições no mundo todo, podendo assim ser adaptado para servir como instrumento de cidadania, aplicado na relação entre o Estado e seus usuários. Isso porque o design thinking se baseia, como aponta Oswaldo Gonçalves Júnior, um dos autores do livro, no “mapeamento e na interação entre diferentes visões de mundo e experiências múltiplas”. O objetivo desse mapeamento é alcançar uma visão ampla do problema, que inclua a identificação de barreiras e alternativas para sua superação. Dessa forma, pode ser pensado e utilizado como uma ferramenta que permite visualizar e operacionalizar dificuldades ou demandas comuns aos cidadãos.

É a partir do design thinking que um problema fundamental da gestão pública pode ser analisado: a burocracia. Aplicando os conceitos dessa abordagem às dificuldades relacionadas à rotina administrativa, pode-se obter o engajamento dos servidores públicos, destacando seu papel na cultura organizacional, na comunicação, nas normas e trâmites e nos processos de trabalho, de forma a solucionar entraves. Foi assim que surgiu o programa “Desburocratize”, criado na Unicamp com o objetivo de tratar disfunções burocráticas, ou seja, obstáculos resultantes de um apego excessivo ao modelo de organização do serviço público, como o excesso de papelada ou a resistência às mudanças. O exemplo do “Desburocratize” é dado no livro para mostrar como a adoção de abordagens modernas e aparentemente não relacionadas ao campo administrativo pode ser o primeiro grande passo para a solução de inconvenientes que se arrastam por anos. Apesar de desenvolvido para outra área, o design thinking vem ganhando espaço como forma de encontrar respostas inovadoras para problemas ao colocar o elemento humano no ponto central dos desenvolvimentos de soluções.

O livro também traz, como exemplo metodológico, o nudge. Conceito criado pelo economista comportamental Richard Thaler e que lhe rendeu o Nobel de Economia de 2017, o nudge é o ponto central da “arquitetura de escolha”, ou seja, uma forma de organização contextual que influencia as pessoas a tomarem decisões. É aquele “empurrãozinho”, aquele incentivo que age no nosso inconsciente, impedindo que tomemos uma decisão inadequada. O nudge pode ser algo simples, como um desenho no chão que orienta a formação de uma fila, ou mesmo algo mais complexo, com um maior impacto, como o caso dos avisos das doenças que podem ser causadas pelo cigarro fixadas em suas embalagens e que, desde sua implantação no Brasil, têm influenciado no consumo.

Como resume Juliana Pires de Arruda Leite, os nudges influenciam nosso comportamento “ao mudar a maneira como as escolhas são apresentadas no ambiente. Assim, em vez de colocar restrições ou mudar incentivos econômicos, renova-se o design das alternativas”. Aplicado à gestão pública, o nudge pode aprimorar políticas públicas, uma vez que suas estratégias se aproveitam de premissas sobre o comportamento humano, especialmente àqueles relacionados ao processo de tomada de decisão. É possível, a partir daí, alterar formas de comunicação e de atendimento, principalmente quando essa relação envolve o serviço e o usuário, além de permitir novas formas de se obter feedbacks, uma vez que tudo se torna mais natural, ainda que guiado.

Além desses conceitos e abordagens, o livro traz a forma como foi aplicada a filosofia lean na reestruturação do Programa de Estágio Docente (PED) da Unicamp. O termo lean  foi criado a partir de um projeto de pesquisa conduzido pelo Massachusetts Institute of Technology (MIT) e é definido como uma “filosofia de gestão”. Segundo Eloisa Caldeira Durães e Milena Pavan Serafim, sua essência é “a capacidade de eliminar desperdícios continuamente e resolver problemas de maneira sistemática”. A filosofia lean reforça a necessidade de repensar a forma de liderar, de gerenciar e de treinar pessoas, uma vez que é por meio do engajamento completo dos envolvidos que se torna possível visualizar melhorias e ganhos sustentáveis. Aplicada ao Programa de Estágio Docente, essa estratégia resultou em economia de papel, por exemplo, e em uma redução considerável no tempo gasto em registro de dados.

Vale destacar que o livro tem capítulos dedicados a apresentar modelos e dados da gestão financeira da Unicamp, abordando desde o planejamento estratégico até a tomada de decisão, passando por questões relevantes, como a autonomia universitária. Ponto fundamental para o avanço do conhecimento, ela é defendida e abordada em retrospecto, a fim de mostrar como a realidade anterior, de subordinação direta ao Governo do Estado, travava diversos processos e inovações. Também alvo de debate e questionamento atualmente, a autonomia universitária recebe foco por representar liberdade de atuação e gestão, fundamental para o desenvolvimento da universidade e, consequentemente, da ciência produzida dentro dela.

Planejamento e gestão estratégica no setor público é um livro que visa aumentar a capacidade de execução do serviços e do processo de trabalho dos órgãos públicos através de técnicas específicas, diminuindo etapas desnecessárias, demandas supérfluas e trabalhos repetitivos, que não agregam valor ao serviço, muito menos aos processos. Mais do que compartilhar conhecimentos, é a universidade disseminando  inovação para a comunidade.

Para saber mais sobre o livro e adquirir o seu exemplar, acesse o nosso site!

Planejamento e gestão estratégica no setor público: Aplicações e reflexões a partir da Unicamp

Organizadoras: Milena Pavan Serafim e Teresa Dib Zambon Atvars

Editora da Unicamp

ISBN: 9786586253597

Ano da Publicação: 2021

Edição: 1

Formato: 23,00 x 16,00 x 2,00 cm.

Nº Páginas: 269 pp

Um comentário

Deixe um comentário

Preencha os seus dados abaixo ou clique em um ícone para log in:

Logo do WordPress.com

Você está comentando utilizando sua conta WordPress.com. Sair /  Alterar )

Foto do Facebook

Você está comentando utilizando sua conta Facebook. Sair /  Alterar )

Conectando a %s