Os bastidores da nova direita

Por Everaldo Rodrigues

O início do século XXI foi marcado por um fenômeno político que modificou as instituições de vários países e a própria ideia de democracia: o surgimento e a ascensão de uma nova e organizada direita. Partidos e organizações a ela ligados destacam-se por uma acentuada veia populista, por uma aversão à ciência e ao intelectualismo e por estratégias culturais que parecem, para muitos estudiosos, insensatas e contraditórias. Como ela conseguiu conquistar o apoio de grande parte dos trabalhadores e de segmentos da elite? Como movimentos extremistas ou relegados puderam eleger representantes em cargos de destaque? Como as dinâmicas políticas foram tão rapidamente afetadas, acentuando a polarização e as tensões preexistentes? Foi tentando responder a essas e outras questões que Benjamin R. Teitelbaum escreveu Guerra pela eternidade: O retorno do Tradicionalismo e a ascensão da direita populista. O livro, que é um sucesso de vendas no exterior, chega ao Brasil pela Editora da Unicamp e expõe não só os bastidores da história recente da política mundial como também as bases filosóficas e místicas dessa nova direita, o que certamente surpreenderá muitos leitores.

Benjamin R. Teitelbaum é etnógrafo e professor assistente de etnomusicologia na Universidade do Colorado, sendo mais conhecido por seu trabalho como comentarista político. Ele é especialista em extrema direita contemporânea, autor de uma obra sobre o nacionalismo radical nórdico e de diversos artigos em periódicos como o The New York Times e o The Wall Street Journal. Em Guerra pela eternidade, une o método da pesquisa etnográfica, ou seja, aquele em que há o contato direto entre o antropólogo e o seu objeto de estudo, a um estilo de narrativa jornalística para explicar o pensamento que guia a nova direita e sua escalada nos últimos anos, assim como para entender o que move seus principais líderes. Para isso, entrevistou políticos, influenciadores, filósofos, escritores e empresários que se identificam com o conservadorismo e descobriu que todos compartilham, em maior ou menor grau, de uma doutrina conhecida como Tradicionalismo.

Resumidamente, o Tradicionalismo, ou escola perenialista, pode ser descrito como um ramo filosófico que se opõe à modernidade e à ciência. Seus pensadores e adeptos estariam preocupados com o fim das formas tradicionais de conhecimento, sejam elas estéticas ou espirituais, na sociedade ocidental, unindo-se para preservá-las e divulgá-las, tentando retornar a uma época de organização mundial baseada em uma hierarquia espiritual e racial. A crença central dessa doutrina seria a existência de uma “filosofia perene”, ou seja, um conjunto de verdades universais e existenciais incontestáveis, que outrora formavam uma religião una – a Tradição –, que se perdeu com o passar dos anos. No entanto, a Tradição teria deixado partes de seus valores e conceitos em diversas religiões, especialmente as pagãs anteriores ao Cristianismo, como o Hinduísmo e o Budismo.

Segundo Teitelbaum, “os Tradicionalistas aspiram a ser tudo o que a modernidade não é – comungar com o que eles acreditam serem verdades e estilos de vida transcendentes e atemporais, em vez de buscar o ‘progresso’”. Partindo desse princípio, eles enxergam a história da humanidade sob um ponto de vista místico, e não materialista. O tempo seria cíclico e alternaria entre eras de glória e de decadência. Os seres humanos seriam divididos em quatro classes, separadas de acordo com características espirituais: a dos guerreiros, a dos sacerdotes, a dos comerciantes e a dos escravos. E, por fim, cada era seria marcada como gloriosa ou decadente de acordo com a classe espiritual que a dominasse: eras gloriosas seriam comandadas por sacerdotes e guerreiros, que exaltariam o aspecto elevado do espírito sobre o corpo, mas a decadência viria quando chegasse o ciclo dos comerciantes e dos escravos, entregues aos vícios materiais e carnais. De tendência fatalista, o pensamento Tradicionalista prega que essas eras se repetiriam por toda a eternidade. A sociedade contemporânea estaria em uma época de corrupção e obscuridade chamada “Kali Yuga”, o ápice da decadência. O que os Tradicionalistas desejam, então, é um novo ciclo, que restauraria a ordem e a hierarquia espiritual.

Essa doutrina tem como patriarca o intelectual francês René Guénon, que viveu entre os anos de 1886 e 1951. Guénon influenciou diversos pensadores e escritores posicionados no espectro da direita, especialmente o italiano Julius Evola, que conectou o Tradicionalismo ao fascismo, ao antissemitismo e ao racismo nos anos 1920. Teitelbaum destaca o caráter paradoxal e até mesmo incoerente do Tradicionalismo quando aplicado às políticas nacionais: 

“Alguns Tradicionalistas trabalham seus valores em um sistema de pensamento que vai muito além da divisão política moderna de esquerda ou direita: alguns até dizem que esse sistema está além do fascismo. Consequentemente, esse sistema infundiu o pensamento de propagadores da direita anti-imigração, populistas e nacionalistas, e o fez de maneira estranha. É anticapitalista, por exemplo, e pode ser anticristão. Condena o Estado-nação como uma construção modernista e admira aspectos do Islã e do Oriente em geral. Isso tem cara de direita?”.

Esse aspecto aparentemente confuso, ao mesmo tempo separatista e abrangente, transgressor e conservador, representa a face incoerente do pensamento da nova direita que muitas vezes parece difícil de explicar. No entanto, a doutrina entrega para seus seguidores uma premissa que, por ser contrária a um status quo cientificista, progressista e moderno, soa como uma saída radical: é uma luta espiritual, e não corporal, pelo destino do mundo. “O que o Tradicionalismo oferece é um relato da história e da sociedade que aborda uma vasta gama de ideais e movimentos modernos como inter-relacionados e igualmente desprezíveis”, completa o autor. E é justamente essa característica, aliada à predisposição do conservadorismo ao nacionalismo, ao sentimento anti-imigração e à segregação racial, que permitiu que a direita se identificasse com os preceitos Tradicionalistas.

Entre as pessoas entrevistadas por Teitelbaum, estão Steve Bannon, assessor político estadunidense e diretor executivo da campanha de Donald Trump à presidência em 2016, e Olavo de Carvalho, apontado como o “guru” do governo Bolsonaro. Conectando os dois, o autor destaca o papel de Aleksandr Dugin, cientista político russo apontado como um “conselheiro informal” de Vladimir Putin. A conexão entre todos esses homens, e aqueles a quem ajudaram a colocar no poder em seus países de origem, é o Tradicionalismo.

Para exemplificar a influência do Tradicionalismo no pensamento da nova direita e nas manobras políticas que vêm mudando o mundo contemporâneo, Teitelbaum expõe as atividades empresariais de Steve Bannon, mostrando como um jovem ex-oficial da Marinha estadunidense se tornou um influente empresário e assessor político de direita. Suas conversas com Bannon expõem a complexidade e as incoerências das ideias por trás de suas estratégias, como sua participação nas eleições presidenciais de 2016 ou a criação da Cambridge Analytica, empresa pivô do escândalo de vazamento de dados de usuários do Facebook em 2018. Essas estratégias estariam centradas na chamada metapolítica, isto é, um método que visa modificar a forma de as pessoas enxergarem a política não através da política em si, mas através da cultura.

Campanhas metapolíticas têm como fundamento criar canais paralelos de informação a fim de contradizer uma ideologia dominante, uma estratégia que tem funcionado bem não só nos Estados Unidos, mas também no Brasil. “Quem conseguir alterar a cultura de uma sociedade terá criado uma oportunidade política para si mesmo. Se não conseguir, não terá chance”, diz Teitelbaum ao explicar os planos aparentemente desconexos de Bannon. É ele o “personagem principal” do livro: seus contatos e sua rede de influências estendem-se pelo mundo todo e exemplificam o caráter de “ação de bastidores” da nova direita, tendo o Tradicionalismo como aliado.

Para os leitores brasileiros, o livro de Teitelbaum desperta ainda mais curiosidade, uma vez que o autor explica também o fenômeno da nova direita nacional: a chegada à presidência do Brasil de Jair Bolsonaro, um político com mais de 30 anos de uma carreira sem muita relevância. Para isso, o autor entrevistou o recluso Olavo de Carvalho: assim como Bannon foi o articulador de Donald Trump em seus movimentos políticos, Olavo de Carvalho tem guiado Bolsonaro ideologicamente, influenciando também uma boa parcela da população conservadora brasileira, além de ter indicado grande parte dos ministros no início do atual governo. Teitelbaum traça a trajetória do pensador de direita, desde sua vivência como militante comunista nos anos 1970 até seu encontro com o pensamento Tradicionalista e a guinada que isso deu em sua vida. A influência da doutrina de Guénon reflete-se no desdém de Olavo de Carvalho pela educação pública, pela formação acadêmica e pelas instituições democráticas, em seu discurso cristão e conservador e em sua rejeição particular à China. Entender o que pensa Carvalho é uma forma de compreender o que guia algumas atitudes do governo Bolsonaro e de seus defensores.

Em Guerra pela eternidade, o leitor brasileiro poderá descobrir, pelas palavras de alguém que conviveu com os mais influentes nomes do pensamento conservador atual, as diversas articulações e acordos que aconteceram e ainda acontecem por detrás das cortinas da democracia. Ágil e com uma narrativa muito bem construída, o livro lança luz sobre um tipo de pensamento obscuro que, nos últimos anos, tem ditado os rumos de muitos países e ameaçado o debate democrático e as instituições como as conhecemos.

Para saber mais sobre o livro e adquirir o seu exemplar, acesse o nosso site!

Guerra pela eternidade: O retorno do Tradicionalismo e a ascensão da direita populista

Autor: Benjamin R. Teitelbaum 

ISBN: 9786586253535

Edição: 1ª

Ano: 2020

Páginas: 288 p.

Dimensões: 23,00 x 16,00 x 1,50 cm.

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