Democracia e liberdade: o que a filosofia política seiscentista nos diz sobre a atualidade

Por Luisa Ghidotti Souza

“Quando se cultivam ilusões a respeito da liberdade, prepara-se o terreno à servidão”. – Daniel Santos da Silva.

Compreender os momentos históricos distantes do contemporâneo é uma das abordagens para o pensamento filosófico. O estudo  daquilo que pensadores produziram séculos atrás auxilia no entendimento das relações que se estabelecem no presente. Essa ideia foi o estímulo para a elaboração do livro Conflito e resistência na filosofia política de Espinosa. A obra trabalha com os conceitos presentes no Tratado Teológico-Político e no Tratado Político (este último publicado postumamente). Ambos foram escritos por Espinosa no século XVII e tratam das discussões filosóficas da época de uma maneira tão inovadora que foram textos proibidos ou censurados por algum tempo. O livro recorre à filosofia de Espinosa para avaliar um cenário atual do indivíduo e da sociedade acerca da potencialidade humana, do poder, da liberdade, da paixão e da razão.

A obra desenvolve os pontos conflituosos da teoria de Espinosa, principalmente no que concerne ao diálogo entre ele, Hobbes e Maquiavel. Essa proposta foi desenvolvida por Daniel Santos da Silva, doutor em Filosofia pela Universidade de São Paulo. O autor é referência nacional nos estudos em filosofia política e foi supervisionado no pós-doutorado por  Marilena Chauí, uma das pesquisadoras brasileiras mais reconhecidas da área. 

Silva aborda os conceitos de conflito e resistência na política a partir da definição de lei comum proposta por Espinosa em seus tratados. Uma vez que ela institui aquilo que é a concordância em uma sociedade, os conflitos estão na ordem dos debates políticos e “os sentidos de resistência surgem em confronto com a própria lei e/ou com a carga imagética que ela impõe”. Assim, estabelece-se a relação entre o direito natural, o poder, as determinações interindividuais, as ações coletivas e a democracia. Esta última é caracterizada na filosofia espinosana como o único espaço em que o indivíduo tem a possibilidade de expressar seus desejos, sempre inserido em um sentimento de coletividade. 

“Se a união em sentido forte passa por rechaçar a solidão, certo “grau” de potência é requerido a qualquer integridade coletiva que venha a ser objeto da teoria política – é o que mostra, em parte, a posição do desejo de liberdade, ideia também associada diretamente ao direito natural.” 

Esses assuntos são elaborados no primeiro capítulo em uma análise que inclui as ideias de Maquiavel, que se assemelham às de Espinosa. Em seguida, Silva investiga as congruências e divergências entre direito natural e direito de resistência, com base no texto do Tratado Político defendendo que “há configurações das formas de nos relacionarmos que sustentam a dominação e indicam elementos nocivos à saúde política”. Para Espinosa, o direito de resistir seria parte do natural e as normatizações pela lei produzem relações humanas que corroboram com o poder institucionalizado. Nessa discussão, o autor traz também as ideias de Althusius e Hobbes (discutidas mais amplamente no terceiro capítulo), expandindo as noções de solidão, união, multidão, dependência, alteridade e potência relacionadas à jurisdição e à sociedade civil.

O quarto capítulo trata da complexidade afetiva, e Silva discute a ambição do indivíduo direcionada pelo poder político por meio das normatizações do direito civil e das institucionalizações que moldam o cotidiano de maneira a interferir na construção dos conhecimentos de liberdade. O autor demonstra o distanciamento entre os pensamentos hobbesiano e espinosano, trazendo as teorias de Maquiavel – em seu estudo, por exemplo, das divisões sociais em Roma e Florença – como suportes ao argumento de Espinosa de que o sentido da natureza humana (uma atividade complexa e passional) só pode ser compreendido historicamente. 

Silva define Maquiavel como “o mais radical filósofo moderno (…) a admitir que a racionalidade política encarna menos a imposição de verdades ao povo do que a prudência das ordenações, dos governantes e das instituições nos momentos essenciais em que as paixões geram ações políticas”. Assim, a resistência política está contida na reordenação das forças ativas que existem na sociedade.

A ciência política maquiaveliana continua em foco no capítulo seguinte, em que se discute o conceito de virtú e sua influência nas formas de dever agir, alcançando a dimensão da educação política, no que tange à construção dos princípios de civilidade e de vida livre. A partir disso, Silva trabalha a questão da fundação política que se modifica a depender do regime estatal – monarquia, aristocracia ou democracia – o que significa, para Espinosa, “que há variações qualitativas no exercício da potência da multidão” em cada regime. Das diferenças entre o modo de governo e as forças ativas de uma sociedade surgem os conflitos ou alianças entre a população , uma vez que as ordenações políticas definem o que é necessário para a manutenção da paz, ou ainda quais são as situações que permitem ações de defesa e ataque. Dessa forma, os tratados espinosanos discutem, sobretudo, a limitação de direitos naturais como fundamento da democracia, que inventa uma ilusão sobre a liberdade e organiza seu corpo político distanciado da vida comum, de maneira a dificultar os atos de resistência:

“É complicado admitir a necessidade de tomar parte na coisa pública e na condução de conflitos e resistências civis quando tudo isso aparenta ser uma questão de livre escolha, até de livre-arbítrio à maneira teológica. São aparências que pesam sobre os reais constituintes do corpo político e chegam a imobilizá-los, justo em matéria na qual não pode existir imobilidade.”

O livro relaciona as ideias fundantes da scientia politica, em uma abordagem que não apenas atualiza a discussão, mas oferece meios para analisarmos a liberdade no contexto das democracias no século XXI. A linha de pensamento desenvolvida convida o leitor, interessado em filosofia política e em entender o lugar do indivíduo em meio à multidão, a refletir sobre o fato de que “o ato de perguntar, e, não menos, o de responder, não pode ser separado do que se entende por liberdade – há nessa junção, talvez, o fio ético que percorre a obra de Espinosa e chega a nossos tempos”.

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Conflito e resistência na filosofia política de Espinosa

Autor: Silva, D. S.

ISBN: 9786586253429

Ano de publicação: 2020

Edição: 1

Formato: 23,00 x 16,00 x 2,00 cm.

Nº de páginas: 312

Peso: 470 g.

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