
Por Everaldo Rodrigues
O que entendemos atualmente por letramento passou por muitas alterações, graças às mudanças sociais e tecnológicas. Antes considerado a prática da leitura e da escrita com a finalidade de interação e ação em um contexto social, o letramento exige hoje uma postura diferente diante das novas condições de ensino e aprendizado, do uso de computadores e celulares e de uma realidade amplamente conectada pela internet e pelas redes sociais. O termo passou por uma atualização simples, uma flexão de número, tornando seu sentido mais desafiador e também mais amplo. É considerando o contexto contemporâneo de aprendizagem que a Editora da Unicamp publica Letramentos, obra que se propõe a apresentar renovações na área pedagógica.
O livro foi originalmente escrito por Mary Kalantzis e Bill Cope. Ambos são acadêmicos australianos da área da educação e membros do The New London Group, uma equipe de pesquisadores formada na década de 1990 nos Estados Unidos, que buscava “problematizar o letramento escolar grafocêntrico”, não mais suficiente para dar conta das mudanças constantes no contexto pedagógico, fossem elas locais ou globais, devido à presença cada vez mais intensa das novas tecnologias. O trabalho de tradução foi realizado por Petrilson Pinheiro, doutor em Linguística Aplicada, coordenador do Grupo de Pesquisa do CNPq “Multiletramentos na escola por meio da hipermídia” e professor do Instituto de Estudos da Linguagem na Unicamp. Pinheiro teve não apenas a missão de verter a obra para o português, mas também de adaptá-la à realidade brasileira, inserindo exemplos culturais, políticos e sociais de acordo com nosso contexto educacional e com os parâmetros do Ministério da Educação.
O livro “é uma introdução ao processo de ensino e aprendizagem de leitura e escrita, tomando como base conceitual o campo de estudos do letramento”. Há uma atenção especial ao plural da palavra, “letramentos”, que passa a abranger aquilo que era ignorado pelo tratamento tradicional de “letramento”. O objetivo é discutir o que se mantém importante na abordagem tradicional de leitura e escrita e complementá-lo com “conhecimento do que é novo e distintivo nos modos como as pessoas constroem significados em ambientes de comunicação contemporâneos”. Assim, propõe-se uma redefinição de práticas, com atenção para as múltiplas formas de comunicação e construção de sentidos, sejam elas visuais, auditivas, espaciais, comportamentais ou gestuais, aderindo à perspectiva dos “multiletramentos”.
Para que seja possível entender o “multiletramento”, termo desenvolvido pelo The New London Group, é necessário considerar dois aspectos principais: a “diversidade social” e a “multimodalidade”. O primeiro está relacionado à “variabilidade de convenções de significado em diferentes situações culturais, sociais ou de domínio específico”. Já o segundo faz referência à construção de significados como resultado dos novos meios de informação e comunicação, nos quais o textual está integrado ao audiovisual e ao espacial, entre outros. Isso significa que pensar em “multiletramentos” é pensar em um ensino que considere as diferenças culturais existentes, dando importância às dimensões profissional, pessoal e de participação cívica, ou seja, ir além da comunicação alfabética, integrando as habilidades tradicionais às comunicações multimodais, principalmente àquelas típicas das novas mídias digitais. Esse caráter multimodal é ressaltado na edição brasileira do livro, que traz QR Codes que direcionam o leitor a sites, imagens e vídeos que reforçam os conteúdos apresentados, demonstrando na prática as possibilidades imediatas de integração de novas mídias ao ensino e aprendizagem nos letramentos.
Partindo desses princípios, os autores apresentam o que chamam de “novos fundamentos básicos”, a fim de captar a perspectiva contemporânea relevante para os letramentos escolares. Esses fundamentos englobam uma noção de ensino além do simples “ler e escrever”, com o objetivo de desenvolver habilidades fundamentais e comunicativas em diversos meios. O objetivo é incentivar a formação de indivíduos que possam se dialogar, negociar e inovar em diferentes contextos e estilos de comunicação. Esses fundamentos permitiriam o desenvolvimento de capacidades não só dentro das convenções formais, do uso correto da língua e da gramática, mas também de competências eficientes em “diversos ambientes e usos de ferramentas de design de textos que são multimodais, em vez de depender apenas da modalidade escrita”.
O livro divide-se em quatro partes. A primeira, intitulada “O ‘porquê’ dos letramentos”, debruça-se sobre a maneira como os seres humanos têm construído significados durante a história, com base em três períodos: após o surgimento das ditas “primeiras línguas”, durante o desenvolvimento da escrita até a era moderna e, por fim, do século XX até hoje, considerando os diversos apoios à construção de significado, das tecnologias fotográficas às recentes mídias digitais. Além disso, essa parte dedica-se a analisar os propósitos do ensino de leitura e escrita a partir do desenvolvimento da educação formal obrigatória e institucionalizada.
A segunda parte, “Abordagens para os letramentos”, compreende desde discussões acerca dos quatro “processos de conhecimento” (a saber, “experiencial”, “conceitual”, “analítico” e “aplicado”) até a influência desses processos nas principais condutas da pedagogia de letramentos. As abordagens são analisadas em capítulos próprios: a primeira, a abordagem “didática”, conhecida como o paradigma fundador do letramento no processo de escolarização moderno; a segunda, a “autêntica”, que surge como uma alternativa à abordagem “didática” no século XX; e as duas últimas, “funcional” e “crítica”, que enfocam os processos de análise e aplicação, e de pluralidade e participação, respectivamente.
Na parte três, cujo título é “O ‘o quê’ dos letramentos”, há uma análise da gramática a partir de um viés expansivo e multimodal. Os capítulos dessa parte apresentam conceitos-chave que ajudam a compreender as características básicas da construção de significado, da natureza da leitura, das relações entre fonemas e grafemas, das dinâmicas de aprender a escrever e dos contrastes entre fala e escrita. Também abordam as formas como os significados são representados não apenas em imagens, mas também explorando dimensões táteis e gestuais, como no braile e na língua de sinais.
Por fim, a quarta parte, “O ‘como’ dos letramentos”, retoma as ideias apresentadas nas duas partes anteriores para explorar o papel dos letramentos não apenas como uma área de estudo definida, mas também como uma base para pensar o processo de aprendizagem em todas as áreas do conhecimento. Ao tratar das diversas maneiras pelas quais as pedagogias dos letramentos podem abordar as necessidades de aprendizagem dos estudantes em contextos escolares diversos, a última parte do livro demonstra a importância de uma prática voltada para os variados modos de construção de significado.
Letramentos percorre as principais questões ligadas aos estudos sobre letramentos, discutindo uma agenda plural para essa área de ensino, com base em uma visão abrangente e expansiva das principais abordagens relativas à “pedagogia dos multiletramentos”. Também é uma obra que contribui para a prática diária do ensino, devido aos diversos exercícios propostos em cada capítulo. Um livro que apresenta caminhos para uma maior equidade na educação e para a formação de pessoas que serão capazes de participar de uma ampla variedade de situações culturais.
Para saber mais sobre o livro e adquirir o seu exemplar, acesse o nosso site!

Autores: Mary Kalantzis, Bill Cope e Petrilson Pinheiro
ISBN: 9786586253177
Edição: 1ª
Ano: 2020
Páginas: 408
Dimensões: 28,00 x 21,00 x 2,20 cm