Hipólito da Costa, um filho evadido do Brasil

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Por Everaldo Rodrigues

Dentre as diversas maneiras de compreender a ideia de “pátria”, uma das mais simples é associando-a ao conceito de “origem”. Reflexões acerca do pertencimento a uma terra natal, de conexão com um passado comum e da espiritualização de um território estavam em alta nos séculos XVIII e XIX, período em que viveu o personagem da biografia O jornalista que imaginou o Brasil. A história desse homem é curiosa justamente por destacar como muitas vezes as raízes que nos ligam a um lugar são mais profundas do que parecem. Nosso personagem se chama Hipólito da Costa, um notável brasileiro que talvez você, leitor, não conheça, mas cuja trajetória o fará repensar as noções de distância geográfica e amor ao país de origem.

Para escrever O jornalista que imaginou o Brasil: Tempo, vida e pensamento de Hipólito da Costa (1774-1823), a historiadora e pesquisadora da Fundação Casa de Rui Barbosa, Isabel Lustosa, mergulhou na vida e na obra desse jornalista depois de ser convidada a participar, em 2001, da reedição fac-similar do Correio Braziliense, jornal político-cultural criado por Hipólito da Costa em 1808 e considerado o primeiro periódico brasileiro. O projeto de reeditar e relançar os 175 números do Correio Braziliense foi coordenado pelo consagrado jornalista Alberto Dines, falecido em 2018. Na época em que o jornal foi originalmente publicado, os portugueses nascidos no Brasil não eram chamados de “brasileiros”, e sim de “brazilienses”; “brasileiros” na verdade era a maneira como eram conhecidos aqueles que comercializavam pau-brasil. O fato de Hipólito da Costa ter criado o primeiro jornal “braziliense” apenas reforça a importância desse homem que, mesmo longe de sua terra natal, não se esqueceu dela, e apoiou intelectualmente a emancipação da colônia e a independência do Brasil em 1822.

Hipólito José da Costa Pereira Furtado de Mendonça nasceu no ano de 1774, na chamada Colônia de Sacramento, parte da província Cisplatina, região que hoje você conhece pelo nome de Uruguai, mas que na época pertencia ao Brasil. Desde pequeno, ele teve de lidar com o distanciamento de sua terra natal: em 1777, um acordo político entregou a Colônia de Sacramento para a Espanha, o que forçou muitos portugueses e “brazilienses” a partirem da região. Assim, Hipólito da Costa viveu a infância e a juventude no Rio Grande do Sul, e aos 18 anos mudou-se para Portugal, onde estudou, na Universidade de Coimbra. De lá, seguiu para os Estados Unidos, conhecendo a maçonaria e novos modos de organização política que o fariam entrar em conflito com a Igreja em seu retorno a Portugal. Preso pela Inquisição em 1802, conseguiu fugir para Londres três anos depois, estabelecendo-se exilado na capital inglesa.

Essa condição aparentemente cosmopolita, além de soar anacrônica, reduz a figura de Hipólito da Costa: ele continuava sentindo-se um “braziliense”. Tanto que, em 1808, com a chegada da Família Real Portuguesa ao Brasil, ele decidiu criar o já citado Correio Braziliense. Enviados clandestinamente para o Brasil, os fascículos escritos por ele defendiam ideais liberais, desenvolvidos em seus estudos e viagens, especialmente nos Estados Unidos. Entre os tópicos abordados estavam a liberdade de imprensa, o fim da Inquisição e da escravidão, além da instituição de uma monarquia constitucional, o que só existia na Inglaterra. Obviamente, aqueles textos causavam grande incômodo para a Coroa Portuguesa, tanto que, por muitos anos, ela patrocinou periódicos rivais para atacarem a figura de Hipólito da Costa, procurando desmoralizá-lo. O jornalista, no entanto, não se deixou abater, o que forçou a Coroa a adotar outra estratégia: pagar-lhe para que atenuasse as críticas. 

O Correio Braziliense circulou durante 14 anos, incentivando e cobrindo revoltas internas, como a Revolução Pernambucana de 1817 e a sequência de acontecimentos que levaram à independência do Brasil, em setembro de 1822. A essa altura, Hipólito da Costa não achava mais necessária a existência do jornal e o extinguiu.

A circulação do periódico e o posicionamento político de Hipólito da Costa contribuíram, sobretudo, para a circulação de ideias entre o Brasil e a Europa, fator importantíssimo para o período, cuja efervescência intelectual, do movimento romântico e das noções nacionalistas, ajudou a definir as características e condições que tornariam o Brasil um país independente. Hipólito da Costa trabalhou como uma espécie de intermediário entre as ideias liberais de uma Europa que anos depois enfrentaria revoluções e mudanças e uma colônia que, por mais de 300 anos, serviu de garimpo para a nobreza portuguesa. Essa conexão, de certa forma, tornava ainda mais vivo o sentimento de pertencimento do jornalista, que, mesmo nunca mais tendo pisado em sua terra natal, ainda se sentia parte dela, compartilhando de sua história, de seu espírito telúrico, do sentimento de pátria. É a superação desse desafio da distância geográfica, que não foi capaz de cortar raízes tão profundas, que torna a figura de Hipólito da Costa interessante até hoje.

Livro recomendadíssimo para os estudantes e amantes de história, jornalismo e literatura, a biografia escrita por Isabel Lustosa é clara, objetiva, e não esconde os pontos controversos da vida de Hipólito da Costa. Ao narrar a trajetória de um brasileiro ímpar, O jornalista que imaginou o Brasil também permite uma compreensão maior de um período importante e complicado para a formação do que hoje é a nossa “terra brasilis”, em sua transição de colônia para país independente. Além do mais, é impossível ignorar o empenho de um homem que, com a força de sua inteligência e imaginação (e provavelmente de sua saudade, palavra tão estimada pela nossa língua), contribuiu para transformar uma terra, um povo e uma história, para sempre.

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O jornalista que imaginou o Brasil – Tempo, vida e pensamento de Hipólito da Costa (1774-1823)

Autor: Isabel Lustosa

ISBN: 978-85-268-1516-2

Edição:

Ano: 2019

Páginas: 288

Dimensões: 14×21

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