Por Luisa Ghidotti Souza
O silêncio, mediando as relações entre linguagem, mundo e pensamento, resiste à pressão de controle exercida pela urgência da linguagem e significa de outras e muitas maneiras.
–Eni Orlandi
Em A Linguagem e Seu Funcionamento – as Formas do Discurso (1987), Eni Orlandi percorreu os caminhos necessários para a compreensão dos funcionamentos discursivos na linguagem. Após cerca de três décadas, concluiu uma obra complementar a essa: As formas do silêncio: no movimento dos sentidos (2015), já em sua 4ª reimpressão da 6ª edição, é concebida como uma maneira de expandir as possibilidades de significação e explorar o comportamento do silêncio em seus vieses histórico, político e social.
Pensar o silêncio significa, nessa obra, superar as dualidades que ainda restam no campo da linguagem e alargar as possibilidades de sentido à sua extensão máxima. Sob essa perspectiva, o silêncio manifesta-se para além do dito e do não-dito, rompendo com o jogo binário em que a palavra afirma tudo aquilo que ela não afirma. Engendra, assim, significados que se relacionam com a historicidade, a identidade do sujeito e o poder político.
Quem iria imaginar que o silêncio não é a ausência de som e que nele também há inferência de sentidos? Mais que isso, que pode ser categorizado?
Segundo a autora, o silêncio apresenta-se de maneiras diferentes e pode assumir valores diversos: violência, resistência, introspecção, contemplação, misticidade, disciplina, emoção, poder, autoria, entre outros. Orlandi desenvolve cada um desses valores do silêncio, tirando-o do vazio a que é comumente relegado e voltando a ele um olhar menos negativo.
A pesquisadora elabora mais demoradamente o que podemos chamar de silêncio político, discutindo o silenciamento, a censura e como atuam tanto na opressão quanto na resistência. Para isso, destaca o contexto da ditadura militar brasileira, trazendo as composições de Chico Buarque de Holanda para exemplificar as formas como os significados implícitos podem romper com o silenciamento imposto.
Tais análises só são possíveis se desenvolvidas a partir de um movimento teórico coeso, tanto em relação ao contexto em que atua o pesquisador, quanto em relação à historicidade em que se afirma o objeto.
O silêncio não é pois imediatamente visível e interpretável. É a historicidade inscrita no tecido textual que pode “devolvê-lo”, torná-lo apreensível, compreensível.
Saussure, Chomsky, Barthes, Ducrot, Lagazzi, Heidegger, Foucault, Pêcheux, Derrida: são muitos os teóricos da linguagem percorridos nessa obra, seja explícita ou implicitamente. Todos eles, no entanto, são arrebatados pelo silêncio, conceituado por Orlandi como fundante dos sentidos que medeiam as relações humanas.
Pensar o silêncio é colocar questões a propósito dos limites da dialogia. Pensar o silêncio nos limites da dialogia é pensar a relação com o Outro como uma relação contraditória.
A obra nos convida a repensar as possíveis compreensões dos sentidos da linguagem sob uma perspectiva ampliada do que são significado, representação e suas respectivas trajetórias sócio-históricas, pautadas por um ponto de vista que destoa das hegemonias.
Conheça, assim, um novo caminho para a teoria linguística e inspire-se, com Eni Orlandi, a superar as binaridades intrínsecas a algumas delas.
As formas do silêncio: no movimento dos sentidos
Autor: Eni Puccinelli Orlandi
ISBN: 978-85-268-0755-6
Edição: 6ª
Ano: 2015
Páginas: 184
Dimensões: 10,5 x 18 cm