Por Luísa Rosa
É um equívoco pensar que, durante o século XIX, a literatura brasileira circulava exclusivamente no Brasil e a francesa apenas na França. Já estava em curso uma globalização cultural: é inegável que os livros ultrapassavam fronteiras. Suportes e mediadores, organizado por Lúcia Granja e Tania Regina de Luca, analisa as conexões criadas entre América e Europa a partir das ações de livreiros, editores, jornalistas e das mediações viabilizadas pelas revistas culturais e enciclopédicas.
O livro é um dos três volumes resultantes do projeto “Circulação transatlântica dos impressos: A globalização da cultura no século XIX”, coordenado por Márcia Abreu e Jean-Yves Mollier e desenvolvido por uma equipe internacional de pesquisadores. Divide-se em duas partes contendo, ao todo, 12 textos de diferentes autores. A primeira é dedicada aos livreiros e editores, já a segunda trata dos impressos e periódicos, sempre evidenciando as redes transnacionais formadas.
Mostra-se que tais redes foram favorecidas por diversos fatores, como as transformações nos meios de transporte – a ampliação das ferrovias e o surgimento dos navios a vapor –, a criação da telegrafia elétrica e a mecanização na fabricação do papel. Ademais, graças ao crescimento demográfico e à expansão urbana, o mercado editorial ganhou novos leitores, e, assim, as trocas culturais se intensificaram.
Tomando o caso dos livreiros e editores, é fácil perceber a complexa rede transatlântica: o francês Baptiste-Louis Garnier, grande editor dos escritores brasileiros até meados do século XIX, trouxe a Livraria Garnier para o Rio de Janeiro, mas continuou mandando imprimir no exterior os livros que seriam vendidos aqui. A partir dessa ponte que construiu entre Brasil e França, ele se tornou o maior distribuidor de impressos da época em nosso país. Antes disso, o grande livreiro Paulo Martim Filho mantinha relações estreitas com Portugal: a maior parte das obras que comercializava vinha de Lisboa, proveniente da loja de seus irmãos – Martim Irmãos. Os catálogos desses e de outros livreiros participaram da estruturação do cânone literário brasileiro e continham uma grande variedade de títulos, muitos traduzidos do francês.
Por exemplo, os livros didáticos tiveram grande demanda em virtude da vinda da Família Real portuguesa, em 1808, que modificou as práticas culturais e científicas. Graças à fundação da Impressão Régia (1808), passou a ser possível imprimir textos em território brasileiro. Com o início da Academia Real Militar (1811), tornou-se necessária a publicação de várias obras para suprir as necessidades pedagógicas de seus professores e alunos, propiciando a entrada de novas casas editoriais no mercado livreiro. É interessante notar que, três anos após a edição dos primeiros livros da Impressão Régia, os Martim já os vendiam em Lisboa.
Assim como os livros, os periódicos tiveram um papel muito importante na circulação de ideias. Na segunda parte, Suportes e mediadores mostra que as revistas de cultura eram filiadas a várias redes intelectuais, políticas, culturais, sociais e até a outras revistas, integrando uma rede internacional de difusão de informações. Um bom exemplo eram os periódicos Les Guêpes [As Vespas] (França), As Farpas (Portugal) e Os Ferrões (Brasil) que, por meio de crônicas satíricas, comentavam os acontecimentos cotidianos da cena política. O intercâmbio cultural transatlântico no Brasil ainda era visto em revistas como a Revue des Deux Mondes – cuja relação com a Revista Brasileira é tema de um dos textos –, A Vida Portuguesa (1912-1925), A Águia (1910-1932), que são frutos do movimento intelectual português intitulado “Renascença Portuguesa”, e Brasil-Portugal: Revista Illustrada (1899-1914), a qual traça pontos de contato e colaboração em um universo literário cosmopolita. As revistas de moda também ganham destaque: mediante a publicação de contos, escritos até mesmo por autores hoje canonizados como Machado de Assis, disseminavam a noção de moda como produto cultural de Paris.
Em suma, Suportes e mediadores estuda o elo entre o movimento de homens, ideias e impressos a partir de sua circulação entre o final do século XVIII e os primeiros decênios do Novecentos. Ao longo dos capítulos, percebe-se o intenso intercâmbio que ultrapassou fronteiras geográficas, culturais e linguísticas, fazendo com que toda história local, regional e nacional se ligasse com a global.
Clique aqui, para saber mais sobre o projeto “Circulação transatlântica dos impressos: A globalização da cultura no século XIX”.
Suportes e mediadores: A circulação transatlântica dos impressos (1789-1914)
Organização: Lúcia Granja e Tania Regina de Luca
ISBN: 978-85-268-1465-3
Edição: 1a
Ano: 2018
Páginas: 416
Dimensões: 16 x 23