Luís Fernando M. Costa
Em agosto de 2016, Dilma Rousseff é afastada de seu cargo. É a segunda vez em que um presidente é deposto por vias democráticas: a primeira foi em 1992, com Fernando Collor de Mello. Há semelhanças entre as duas experiências – uma grave crise econômica, forte repercussão midiática e frequentes acusações de corrupção –, mas elas não atenuam o abismo que as separa. Enquanto Collor se identificava com o neoliberalismo, Rousseff se aproximava do neodesenvolvimentismo.
Em Reforma e crise política no Brasil: Os conflitos de classe nos governos do PT, publicado pela Editora da Unicamp, o cientista político Armando Boito Jr. desvela o jogo de forças que sustentaram a permanência do PT na Presidência da República entre 2003 e 2016, assim como as mudanças que redundaram no impeachment da chefe do executivo. Segundo o autor, o centro das disputas se encontra na distribuição da riqueza produzida no país. De um lado, encontramos a grande burguesia interna, interessada nas políticas neodesenvolvimentistas, e, de outro, o capital internacional – e a fração da burguesia brasileira a ele associada – defensor do neoliberalismo.
A primeira parte do livro trata da sustentação dos governos do PT, constituída por “uma frente política policlassista, ampla, heterogênea e contraditória”. Em sua composição, predomina a burguesia nacional, mas com espaço para reivindicações de segmentos do operariado, da baixa classe média e de trabalhadores tanto rurais da agricultura familiar quanto da massa marginal.
Em oposição a esse polo, encontra-se o capital internacional, a fração da burguesia brasileira ligada a ele e a parcela superior da classe média – conjunto nomeado pelo autor de “campo neoliberal ortodoxo”. Esse grupo disputa o poder em prol do controle das políticas econômica, social e externa do Estado brasileiro. Analisada na segunda parte do livro, a crise corresponderia ao desequilíbrio dessas forças. Nesse cenário, enquanto o campo neoliberal se manteve coeso, as contradições próprias da frente neodesenvolvimentista se exacerbaram e desestabilizaram sua união. Para o cientista político, esse conflito de classes tem tido mais impacto no cenário de crise atual do que a luta operária e popular, que, por ainda ser bastante reivindicativa e segmentada por categorias, restringiu-se a um papel secundário.
Porém, durante os mandatos de Dilma Rousseff, há uma alteração dos polos de disputa. Tanto os protestos de junho de 2013, quanto as manifestações contra a realização da Copa do Mundo no Brasil, ocorridas em 2014, afastaram o apoio político da baixa classe média. Além disso, algumas medidas desse período descontentaram os trabalhadores ao ignorar demandas históricas do movimento sindical, como a redução da jornada semanal de trabalho para 40 horas, a regulamentação da terceirização e o fim do fator previdenciário. O descontentamento da parcela que apoiava o campo neodesenvolvimentista, além de desunir a base de apoio dos governos do PT, atraiu novos defensores para o campo neoliberal.
Armando Boito Jr. se vincula à tradição da teoria política marxista que, segundo ele, não separa o funcionamento das instituições das forças socioeconômicas. Por exemplo, no capítulo nove, é examinada a Operação Lava Jato, mostrando como sua ação depende tanto de uma lógica fundamentada na manutenção da ordem capitalista quanto de uma postura ideológica em prol dos interesses da parcela superior da classe média, à qual o alto funcionalismo público se vincula.
Expondo ao leitor uma análise geral do contexto político-econômico dos dois períodos em destaque, cada capítulo contribui para uma compreensão aprofundada das disputas que conduziram o Brasil à atual crise e da complexidade inerente ao mundo político. Sem dúvida, uma leitura imprescindível no momento atual.
Reforma e crise política no Brasil: Os conflitos de classe nos governos do PT
Autor: Armando Boito Jr.
ISBN: 978-85-268-1456-1
Edição: 1ª
Ano: 2018
Páginas: 336
Dimensões: 14×21