A memória do futuro: um exercício de imaginação política

Por Maria Vitória Gomes Cardoso

Em abril de 2024, completaram-se 60 anos desde o golpe de Estado da ditadura militar em 1964. O Brasil, assim como outros países da América Latina, sofreu uma grande repressão durante 21 anos. Foi um tempo de “perseguição, exílios, prisões, tortura e assassinatos. Os tentáculos da ditadura alcançaram políticos, sindicalistas, artistas, cientistas, educadores e todas as minorias que ousassem o contradito. A ideia dos golpistas e seus simpatizantes sempre foi a de eliminar os diferentes, os adversários” (Jornal da Unicamp).

O Chile também foi um dos países que sofreu uma ditadura militar extremamente violenta entre 1973 e 1990, com inúmeras vidas perdidas. Após o fim da ditadura de Pinochet, manteve-se no país um sistema neoliberal que precarizou e precariza até hoje a vida dos cidadãos chilenos. Por conta disso, em outubro de 2019, após o aumento em 30 pesos do bilhete de metrô em Santiago, manifestações começaram a emergir no país, nas quais a população se recusou a pagar esse valor e protestou contra essa política neoliberal presente no Chile, há 30 anos.

O livro A memória do futuro: (Chile 2019-2022), traduzido por Clarissa Penna e recém-publicado pela Editora da Unicamp, aborda de forma detalhada o impacto desse sistema neoliberal, destacando como o Chile foi abalado pelas manifestações de 2019. Além disso, o livro oferece uma perspectiva sobre um novo futuro para o país, uma possibilidade de futuro desejada pela população chilena e reivindicada pelos movimentos sociais. O autor, Pierre Dardot, é filósofo e pesquisador da Universidade Paris-Ouest Nanterre-La Défense, especialista no pensamento de Marx e Hegel. Entre outros livros publicados, é coautor, com Christian Laval, de A nova razão do mundo (Boitempo, 2016).

A memória do futuro: (Chile 2019-2022) faz parte da Série Discutindo o Brasil e o Mundo, que pretende, por meio de um conjunto de obras nacionais e traduzidas, contribuir com a revitalização do debate em torno de temas de grande interesse contemporâneo e de alternativas que se colocam no âmbito das políticas públicas, sociais e educacionais. As obras versam sobre o avanço da direita autoritária, a crise do neoliberalismo, os rumos do capitalismo, entre outros temas. Com essa Série, a Editora da Unicamp reafirma seu compromisso com a dinamização da agenda científica, política e cultural do século XXI. 

Esse livro mais recente da Série é dividido em cinco capítulos, além da Introdução e da Conclusão. Tem como tema inicial as manifestações ocorridas em 2019, vistas como uma revolução contra o neoliberalismo. Após isso, no capítulo 1, a discussão dá-se sobre a transição para a democracia que aconteceria após o fim da ditadura de Pinochet; no entanto, é possível notar que essa transição nunca ocorreu de fato, pois a Constituição do país ainda é a de 1980, período em que a ditadura ainda estava em vigor. O capítulo 2 é dedicado aos movimentos sociais, focados principalmente nos movimentos feministas, estudantis e dos povos originários mapuches. Os capítulos 3, 4 e 5 analisam a reivindicação por uma nova Constituição e como se deu o processo da Assembleia Constituinte. Na Conclusão, há uma análise sobre a votação ocorrida em 2022, que decidiu “não” à nova Constituição. Além disso, é nessa parte final também que é mais bem explicada a expressão presente no título do livro. 

A “memória do futuro” refere-se à necessidade de se situar em relação ao lugar desejado em um futuro mais digno, assim é uma ruptura com um lugar que não se quer mais ocupar. A nomenclatura dessa expressão foi dada pelas feministas chilenas e tem relação com um exercício de imaginação política, como declarado no parágrafo final do livro:

A “memória do futuro” é esse exercício de imaginação política que proíbe situar o desejável em um passado que deveríamos tentar reproduzir ou restaurar, porque exige que situemos sempre o lugar que ocupamos no presente a partir do lugar que desejamos ocupar no futuro. Esse lugar não nos é designado por um sentido qualquer da história que teríamos que descobrir; ele é o lugar que, sempre, nós mesmos temos que determinar por meio da deliberação comum, mirando a ação comum.

Vale destacar o segundo capítulo da obra, que explora a construção das diversas formas de subjetivação coletiva nas lutas travadas a partir da base pelos movimentos mapuches (povo indígena da região centro-sul do Chile e do sudoeste da Argentina), feminista e estudantil. O livro detalha com bastante afinco esses movimentos. 

Sobre esse assunto, outro livro da Editora da Unicamp que aborda o povo chileno e a luta política no país, mas dessa vez da perspectiva dos trabalhadores, por meio do cruzamento de diversas fontes documentais e de entrevistas, é O protagonismo popular: experiências de classe e movimentos sociais na construção do socialismo chileno (1964-1973), de Márcia Cury, publicado em 2017. 

A memória do futuro: (Chile 2019-2022) mostra-se um livro extremamente político e importante para o momento atual, com a escrita didática de Pierre Dardot e a excelente tradução de Clarissa Penna. É um material fundamental para todos os sociólogos e entusiastas que querem estudar a história política do Chile e entender mais do contexto atual do neoliberalismo na América Latina.

Para saber mais sobre o livro, visite o nosso site!

A memória do futuro: (Chile 2019-2022)

Autor: Pierre Dardot

ISBN: 9788526816244

Edição: 1a

Ano: 2023

Páginas: 200

Dimensões: 16 x 23 cm

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