
Maria Eduarda Peloggia Lunardelli
Acontece que existe um tipo de tempo inerente à organização da complexidade biológica que molda a nossa existência e que não se enquadra em definições puramente físicas, metafísicas ou poéticas. É um tempo que só pode ser explicado efetivamente com conceitos da biologia. É um tempo genético, que possui em si uma história acumulada de bilhões de anos. É um tempo orgânico, que só existe onde há vida e que prescinde de um cérebro, mas que se manifesta também em nosso sistema nervoso, afetando assim a mente e o comportamento.
Apesar de termos horários distintos para determinadas tarefas, organizamos nossas vidas dentro das mesmas 24 horas. Alguns acordam às 5h para poder entrar no trabalho às 7h, almoçam em torno do meio-dia, chegam em casa após o serviço às 18h, dedicam tempo ao lazer e aos cuidados pessoais e vão dormir às 22h. Já outros acordam às 8h, têm maior flexibilidade nos horários e vão dormir bem mais tarde, pois a rotina, os compromissos e o ritmo dessas pessoas assim permitem. Esse mecanismo de funcionamento dos corpos dentro de 24 horas é chamado “relógio biológico” e, por conta dele, o rendimento das pessoas varia em determinados períodos do dia.
O relógio biológico – também conhecido como “ciclo circadiano” – é responsável não somente pelo controle do horário em que acordamos ou do rendimento que teremos, mas também pela regulação dos horários para comer, produzir hormônios, ajustar a temperatura corporal, esvaziar a bexiga, entre outras funções. Assim, o funcionamento correto de nosso corpo está ligado aos indicadores externos, como a luz, pelos quais temos noção do passar do dia.
Embora, em um primeiro momento, pareça simples, os genes envolvidos nos fenômenos cíclicos dos seres vivos levaram milhares de anos para evoluir e se adaptar às condições do meio, de modo que as espécies se desenvolvessem e vivessem da melhor forma possível. Foi, então, diante da complexidade, da longa história por trás e da extrema importância do entendimento do relógio biológico que o pesquisador Tiago Gomes de Andrade desenvolveu o livro Biotempo: origem e evolução do relógio biológico.
Professor associado da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Alagoas (Ufal), Tiago Gomes de Andrade é graduado em Ciências Biológicas pela Ufal – período no qual surgiu seu interesse e fascínio pelos fenômenos cíclicos dos seres humanos –, mestre em Clínica Médica pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e doutor, pela mesma universidade, em Fisiopatologia Médica. Além disso, realizou seu pós-doutorado no Centro de Cronobiologia do Children’s Hospital Medical Center (Cincinnati, EUA), onde deu início à confecção dos primeiros rascunhos do Biotempo. Atualmente, suas pesquisas seguem envolvendo questões sobre ritmos biológicos, biodiversidade e saúde, tendo como foco a cronobiologia de distúrbios neuropsiquiátricos e a biologia molecular de ritmos circadianos.
Dessa maneira, Biotempo: origem e evolução do relógio biológico tem origem, principalmente, em questões pessoais do autor, em sua paixão e seus interesses acadêmicos, que resultaram em anos de estudo e pesquisa dedicados à compreensão do funcionamento dos fenômenos cíclicos do homem. É também por conta desse interesse que Andrade notou a falta de materiais ricos, bem fundamentados e claros, escritos em língua portuguesa, sobre os ritmos biológicos, além de identificar a ausência de obra que sistematizasse a evolução do chamado “relógio biológico”. Assim, o autor optou por reunir seus estudos sobre o tema, a fim de fornecer um material claro e completo que permita a compreensão da origem, da evolução e de possíveis desdobramentos futuros do biotempo.
A obra é composta de cinco capítulos, uma lista das abreviaturas utilizadas e um epílogo que sintetiza as principais ideias trabalhadas ao longo do livro, além de reforçar a tese central de que nós somos fortemente influenciados por nosso relógio interno, que se formou ao longo de bilhões de anos de evolução.
O primeiro capítulo, “A Máquina de Anticítera Darwiniana”, apresenta uma introdução e uma definição do conceito de biotempo, recorrendo à Máquina de Anticítera – dispositivo da Grécia Antiga que previa fenômenos astronômicos cíclicos – para criar uma metáfora que ilustra a forma como os seres vivos se adaptam aos meios através de suas “engrenagens” moleculares. Em seguida, o capítulo “Tic-tac Primordial” discorre sobre as origens do biotempo nos primeiros seres vivos do planeta, explorando hipóteses sobre o surgimento da vida e o impacto disso nos ritmos biológicos. Além disso, esse capítulo apresenta uma investigação sobre as cianobactérias, organismos com o relógio molecular mais antigo do qual se tem ciência. No terceiro capítulo, “Ragnarök Celular e a Origem do Biotempo Eucarioto”, o autor explora a transição das células simples para complexas (eucariotos), de modo a explicar como as estruturas celulares mais desenvolvidas podem ter exigido adaptações do relógio molecular para seu funcionamento pleno. Em “Sinfonia Ambulante”, Andrade explica o funcionamento do biotempo em organismos multicelulares complexos, como os seres humanos. Por fim, o capítulo cinco, “Ecologia na Quarta Dimensão”, insere as discussões sobre o biotempo em um amplo contexto de interações entre os seres vivos e o ambiente, abordando também os impactos das ações humanas em ecossistemas inteiros, como, por exemplo, a maneira como a poluição luminosa afeta a forma de vida de animais noturnos.
Sendo assim, Biotempo: origem e evolução do relógio biológico apresenta um panorama completo da natureza e da história evolutiva do biotempo, permitindo a “interpretação da biodiversidade como um fenômeno dinâmico que inclui o tempo cíclico, para além de meras interações ecológicas em um espaço delimitado”, além de instigar novas reflexões acerca dos impactos da atividade humana nos fenômenos cíclicos.
O livro é uma excelente leitura para todos os interessados em biologia, biodiversidade e saúde, sendo também de extrema importância para alunos, pesquisadores e professores da área, haja vista que corresponde a um material novo, amplo e bem fundamentado, escrito em português.
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Biotempo: origem e evolução do relógio biológico
Autor: Tiago Gomes de Andrade
ISBN: 9788526817333
Edição: 1ª
Ano: 2025
Páginas: 176
Dimensões: 14 x 21 cm