Jornal da Unicamp publica entrevista com o autor do livro “A galáxia Lombroso”

Ao Jornal da Unicamp, Sansone compartilhou as motivações que o levaram à escrita, os processos de estudo, as dificuldades encontradas e sua visão sobre a influência dessas ideias na atualidade.

Jornal da Unicamp – Como surgiu a ideia de escrever o livro? Houve algum episódio específico ou lacuna na literatura especializada que motivou essa pesquisa?

Livio Sansone – Sempre me intrigaram os autores execrados, muitas vezes muito citados e pouco lidos. Na história do pensamento racial, que já trata de um tema com tons de exagero, absurdo e anticientificismo, dar mais atenção a esses autores me parece de suma importância – sobretudo no caso de Cesare Lombroso, o autor italiano mais citado internacionalmente em toda a história das ciências sociais. Percebi a relevância de suas ideias – os lombrosianismos, por exemplo – em uma palestra que ministrei, em 2002, para um curso de mestrado em direitos humanos no Rio de Janeiro: os alunos, em sua maioria advogados e juristas progressistas, ainda o chamavam de “mestre”.

JU – Na introdução do livro, o senhor comenta que seria necessário ser um “especialista nos vários campos de pesquisa abordados”. Como foi o processo de estudo prévio à escrita, considerando essa complexidade interdisciplinar?

Livio Sansone – Construí minha carreira de antropólogo pesquisando as relações raciais e seus sistemas de classificação por meio de trabalho de campo, sobretudo etnografia com grupos subalternos na Inglaterra, na Holanda, no Suriname e, desde 1992, no Brasil. Para chegar à raiz do pensamento racial, como faço neste livro, tive que me reinventar como etnógrafo nos arquivos, aprendendo a explorar seus segredos – suas pérolas, mas também suas ausências – imitando os mestres historiadores, sem, no entanto, deixar de lado o gosto pelos detalhes, pelo “fuxico” que os arquivos também contêm. As leituras envolveram várias línguas e textos escritos a partir de meados do século XIX. De certa forma, foi também um retorno à Itália e à sua grande tradição de estudos sobre o século XIX.

JU – O livro aborda a “galáxia Lombroso” como uma rede internacional de ideias e influências. Como o senhor analisa o impacto dessa rede no contexto atual das ciências sociais?

Livio Sansone –A galáxia Lombroso foi particularmente influente nas ciências sociais em toda a América Latina até os anos 1920. Aquela postura que chamo de “lombrosianismo” persistiu até a Segunda Guerra Mundial, principalmente nas áreas marginais das ciências sociais, como psiquiatria, endocrinologia, ciências policiais e antropologia forense. A partir do final dos anos 1930, com a criação tardia de universidades no Brasil e a crescente relevância dos intercâmbios com a França e, sobretudo, com os EUA, em um contexto em que a América Latina já ocupava uma posição subalterna, as influências da Escola Positiva italiana foram relegadas ao passado, embora ainda exerçam certa influência no senso comum.

JU – Como foi o processo de pesquisa nos diferentes países da América Latina? Quais foram os principais desafios?

Livio Sansone – Minha pesquisa se concentrou no Brasil, na Argentina e em Cuba. Se tivesse tido mais tempo, certamente teria continuado investigando outros países onde a galáxia teve grande impacto – em primeiro lugar o México e, depois, a Colômbia, o Chile, a Bolívia e o Peru. A grande vantagem foi não precisar de vistos (em Cuba, o visto é concedido no aeroporto). O desafio maior foi a precariedade dos arquivos, mesmo de autores “lombrosianos” como Fernando Ortiz, José Ingenieros e, ainda mais, Nina Rodrigues, além do alcance ainda limitado da digitalização e da disponibilização on-line de jornais importantes, como o La Nacion, de Buenos Aires, e O Estado de São Paulo.

JU – Ao longo da pesquisa, qual foi o aspecto mais surpreendente ou inesperado sobre a repercussão das ideias de Cesare Lombroso na América Latina?

Livio Sansone – A grande sintonia entre a tradição fisionômica italiana – a tentativa de interpretar o comportamento a partir da observação do corpo e das expressões – e a forma de interpretar e organizar as relações sociais e raciais na América Latina, que funciona muito mais pela aparência do que por alguma essência racial. De resto, tanto a Itália como os países da nossa região são sociedades, digamos, barrocas. Este seria, talvez, o verdadeiro elo entre os países “latinos”.

JU – De quais maneiras a obra pode contribuir para o entendimento das questões raciais no Brasil hoje?

Livio Sansone – Minha pesquisa corrobora, entre outras coisas, que a relevância do lombrosianismo não se deve à sua suposta exatidão científica, mas ao fato de se encaixar bem nas prioridades das elites intelectuais da época, com foco na interpretação do comportamento de determinados grupos tidos como problemáticos a partir de sua estética. A pesquisa também mostra como a autoimagem do Brasil, e sua questão social e racial, foi e continua sendo construída e avaliada a partir de modelos externos, assim como de reinterpretação de teorias “que vêm de fora” e que são sabida e convenientemente antropofagizadas – antes da Itália e, mais tarde, da França e, sobretudo, dos EUA. Foi e continua sendo um grande jogo de espelhos.

Para ler o texto no site do Jornal da Unicamp, clique aqui.

A galáxia Lombroso: a extraordinária popularidade de Cesare Lombroso e do lombrosianismo na América Latina

Organização: Livio Sansone

Edição: 1ª

Ano: 2024

Páginas: 240

Dimensões: 16 cm x 23 cm

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