Ana Alice Kohler
“Enquanto não alcançamos essa vida democrática, é preciso batalhar com as armas da crítica e da educação para sobreviver”. Foi partindo desse pressuposto que Alexandro Henrique Paixão desenvolveu a sua tese de livre-docência, defendida em novembro de 2023 e agora disponível em livro. A obra, Raymond Williams e Educação, foi publicada pela Editora da Unicamp e trata da atuação do pensador galês como professor na educação de adultos. O autor se insere, nesse sentido, em um campo de estudos que vem ganhando força na atualidade e que aborda as contribuições do fundador dos Estudos Culturais, Raymond Williams, sob uma ótica ainda pouco discutida: a da educação.
Para isso, Paixão realizou uma pesquisa extensa no Richard Burton Archives, na Universidade de Swansea, no País de Gales, onde teve acesso a “planos de aula, de curso, cartas e cópias de artigos” que revelam a pedagogia proposta por Williams durante sua atuação na Workers’ Educational Association (Associação Educacional dos Trabalhadores).
Alexandro Henrique Paixão é docente de Sociologia no Departamento de Ciências Sociais na Educação da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Graduado em Ciências Sociais pela Universidade Estadual Paulista (Unesp), possui mestrado e doutorado em Sociologia pela Universidade de São Paulo (USP) e pós-doutorado em Teoria e História Literária pela Unicamp. Atualmente, coordena e orienta projetos como o Laboratório de Estudos de Cultura, História, Educação, Sociologia e Psicanálise da Faculdade de Educação da Unicamp e o “É preciso falar sobre as ausentes: mulheres cronistas na imprensa oitocentista”. Em universidades brasileiras e estrangeiras, Paixão ministrou diversos cursos acerca do trabalho pedagógico de Raymond Williams e organizou eventos como o I Colóquio Raymond Williams, que reuniu, na Unicamp, professores-pesquisadores de todo o mundo para refletir sobre Williams no século XXI.
A obra conta com um prefácio escrito por Maria Elisa Cevasco, professora da USP nas áreas de Estudos Culturais e Literaturas em Língua Inglesa, além de uma introdução acerca do assunto. O leitor também encontra três grandes temas – “Educação democrática”, “‘Três anos difíceis’” e “Política e Educação” – divididos em capítulos menores, que tratam de tópicos específicos de cada temática. Por fim, há ainda um texto de considerações finais e uma lista completa de referências bibliográficas.
Na introdução de Raymond Williams e Educação, Alexandro Henrique Paixão explicita a tese defendida na obra, segundo a qual “a educação de adultos é uma forma de sobrevivência, acreditando que a educação da classe trabalhadora ajudaria a construir uma sociedade mais educada, participativa, isto é, uma sociedade majoritariamente democrática”. Além disso, o autor enfatiza a peculiaridade do trabalho de Raymond Williams com a educação, que lidava com o “trabalhador adulto”, um tipo social integrado à sociedade por meio do mundo do trabalho e de suas obrigações e direitos como cidadão. Desse modo, Paixão desenvolve seus argumentos acerca do pertencimento da obra à Sociologia Histórica e da Educação, destacando o método de ensino elaborado por Raymond Williams para responder às necessidades sociais e educacionais dos trabalhadores-estudantes. Essa parte do livro é dedicada, ainda, à apresentação da biografia e da trajetória do criador dos Estudos Culturais, assim como do método de ensino por ele concebido. Como afirma Maria Elisa Cevasco,
Alexandro mostra que, muito mais do que um emprego, a atividade de Williams na Workers’ Educational Association (WEA), que, ligada à Universidade de Oxford, tinha como objetivo educar adultos da classe trabalhadora, é o motor propulsor da originalidade de sua teoria inovadora e de sua prática política, dois lados da mesma moeda.
Após a introdução, o leitor é conduzido ao primeiro grande tema da obra: a educação democrática. Para isso, Paixão descreve o contexto de atuação de Raymond Williams como educador, que se deu logo após o fim da Segunda Guerra, em uma Inglaterra empenhada no projeto de educar sua população trabalhadora sob o lema “Educação sim, propaganda não”. Nesse quadro, o autor apresenta e comenta um programa de estudos desenvolvido e aplicado por Williams em suas classes de alunos entre os anos de 1950 e 1951, que incluía discussões sobre diferentes elementos da cultura, como a linguagem publicitária, a imprensa, o cinema e o teatro. Segundo Paixão, os ideais de Raymond Williams sobre o papel da educação na comunicação e na cultura, descritos em diversos de seus textos teóricos, são colocados em prática nesses planejamentos de aula, nos quais o professor buscava instigar seus alunos quanto à importância da linguagem e da participação ativa da população nos processos culturais para que fosse possível transformá-los.
O segundo capítulo de Raymond Williams e Educação, “‘Três anos difíceis’”, trata dos rumos tomados pelo criador dos Estudos Culturais após o fim da guerra e das suas expectativas em relação à libertação pelo socialismo. Segundo Alexandro Henrique Paixão, é nesse momento que Williams deixa de ser um combatente e torna-se um sobrevivente, de forma que algumas palavras-chave essenciais à compreensão de sua produção – ainda pouco debatidas –, como “exílio”, “socialismo”, “guerra”, “morte” e “sobrevivência”, são trazidas para o centro da obra. Para tanto, o autor analisa trechos do artigo “Três anos difíceis: um comentário sobre as aulas tutoriais”, que não possui referências à data ou ao local de redação, mas que aborda as crises pessoais de Williams diante de questões relacionadas às aulas para adultos. De forma geral, Paixão destaca o posicionamento do galês em relação à “defesa de uma cultura comum diante da cultura artificial hegemônica da sociedade de massas do pós-guerra”.
“Política e Educação”, o terceiro capítulo da obra, parte de um artigo publicado no periódico Socialist Commentary, em que Raymond Williams trata das eleições daquele ano, 1959, e da necessidade de os trabalhadores participarem das discussões acerca da educação, promovendo uma ideia de cultura aberta. Nesse sentido, Paixão desenvolve uma análise sobre o sistema educacional que operava no Reino Unido na época, explicando o funcionamento e as diferenças entre as grammar schools – que, segundo Williams, tinham o objetivo de anglicizar a sociedade britânica –, as modern schools e as technical schools, todas instituições de ensino secundário. O autor demonstra, assim, como a posição política de Raymond Williams, avesso a ideias reformistas, mas preocupado com uma onda de conservadorismo crescente em sua época, adentrava no terreno da educação pela defesa das comprehensive schools. Ele enxergava, nesse último modelo de ensino – que se encaixava nas “escolas modernas” – uma maneira de lutar contra a “cultura da minoria” representada pelas grammar schools, que concentravam crianças da elite.
Por fim, Alexandro Paixão retoma os tópicos abordados ao longo da obra, enfatizando o caráter esperançoso da educação democrática como chave para a sobrevivência no pós-guerra:
Uma sociedade mais educada e participativa se realizaria, portanto, por meio dessa cultura ordinária, algo cotidianamente conquistado em meio à luta constante e comum pela compreensão, pelo aprendizado e pela ação. Afinal, educação sim, propaganda não.
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Autor: Alexandro Henrique Paixão
ISBN: 978-85-268-1797-5
Edição: 1ª
Ano: 2025
Páginas: 160
Dimensões: 14 x 21 cm