Coleção Gêneros & Feminismos: 3 obras essenciais para pensar o feminismo e os estudos de gênero

Maria Eduarda Peloggia Lunardelli

Apesar de as discussões acerca de gênero, identidade, sexualidade e afins serem muito frequentes nos dias de hoje, a concepção de gênero como objeto de estudo no campo das ciências sociais tem suas origens em meados da década de 1970. Entretanto, os debates e as reivindicações por alterações nos padrões, comportamentos e costumes que se estabeleceram como “regra”, à medida que as sociedades foram se desenvolvendo, são bem mais antigos. 

Os estudos de gênero provêm, sobretudo, de questionamentos sobre a dualidade entre “homem” e “mulher”. Em um primeiro momento, as explicações para as desigualdades entre os gêneros eram tendenciosamente buscadas no pensamento de um determinismo biológico, que apenas limitava os debates sobre o papel da mulher na sociedade e, em alguns casos, até justificava as agressões sofridas por elas, alegando que o homem é o sexo superior por natureza. Evidentemente, essa explicação satisfazia apenas uma parcela da sociedade, o que, ao longo dos anos, aumentou a insatisfação de mulheres e de minorias sociais, tornando-se fator determinante para o impulso, cada vez mais intenso, da necessidade de oferecer outras explicações, além de possíveis soluções, para esse problema. 

Dessa forma, para além dos debates informais, pensadoras e estudiosas expunham formalmente suas reflexões. Uma reivindicação pelos direitos da mulher (1792), de Mary Wollstonecraft, e O segundo sexo (1949), de Simone de Beauvoir, são obras atualmente famosas e consideradas de extrema importância para a criação, o fortalecimento e a popularização da ideia de que gênero não é biológico, mas sim fruto de uma construção social. Nesse sentido, a consolidação desse tópico como objeto de estudo resultou na formalização e na intensificação dos debates, dando palco para que grandes intelectuais dos estudos de gênero e do feminismo se mostrassem e ganhassem visibilidade.

Simone de Beauvoir, Judith Butler, Joan Scott, bell hooks e Lélia Gonzalez são apenas alguns dos nomes considerados referência nesse campo de estudo, sendo alguns deles responsáveis por textos publicados originalmente no final do século XX que seguem até hoje sendo editados, relançados e servindo como fonte de referência teórica para novas pesquisas, evidenciando como se mantiveram atuais. Assim, esses e outros autores trabalham sobre o gênero com o objetivo de compreender a retratação desse conceito como reflexo da invisibilidade de alguns indivíduos e da naturalização da violência, em suas variadas formas, na sociedade. 

Diante da grande relevância desses estudos para a construção de uma sociedade igualitária e inclusiva, a Editora da Unicamp criou a Coleção Gêneros & Feminismos, um projeto editorial que, sob a coordenação da antropóloga Adriana Piscitelli (Unicamp) e com Ana Paula da Silva, Bila Sorj, Laura Moutinho e Richard Miskolci compondo a comissão editorial, tem como objetivo divulgar obras fundamentais da história do feminismo e da teoria de gênero. Confira os títulos disponíveis: 

  1. A palavra mágica: a vida cotidiana do Dzi Croquettes

Lançado pela Editora da Unicamp em 2010, com o objetivo de dar maior visibilidade a uma tese que, por muitos anos, foi vista como objeto cult pelos estudiosos da sexualidade brasileira,  A palavra mágica: a vida cotidiana do Dzi Croquettes, de Rosemary Lobert, é o primeiro livro da Coleção Gêneros & Feminismos.

A obra apresenta uma leitura sobre o underground urbano do país na década de 1970, por meio da observação dos rapazes do Dzi Croquettes que, através da dramatização dos papéis de gênero – atores que, ao alegarem que não eram homens, nem mulheres, apresentavam corpos masculinos e utilizavam maquiagem e roupas femininas –, causaram um tremendo impacto na percepção de sexo e sexualidade no país. Assim, A palavra mágica, ao oferecer ao leitor informação descontraída e bem fundamentada, contribuiu também para impulsionar os novos debates acerca dos estudos de gênero. 

  1. O gênero da dádiva

Publicado pela primeira vez em 1988, O gênero da dádiva, da antropóloga Marilyn Strathern, apresenta reflexões sobre os limites de uma das principais dualidades do Ocidente: o feminino e o masculino. Em 2006, com tradução de André Villalobos, a Editora da Unicamp trouxe, pela primeira vez ao Brasil, esta obra que se consolida como referência nos estudos da antropologia contemporânea. 

O gênero da dádiva recorre aos povos das Terras Altas da Nova Guiné, na Melanésia, para discutir como as relações de gênero foram mal interpretadas nos estudos antropológicos. Dessa forma, ao apresentar uma sociedade na qual as identidades de gênero não são fixas nem estáveis, Strathern questiona a crença ocidental de que há concepções universais aplicáveis a todas as sociedades e, assim, fornece uma nova abordagem antropológica e um pensamento rico e crítico sobre questões feministas e, também, sobre o estudo etnográfico dos povos da Melanésia. 

  1. Couro imperial: raça, gênero e sexualidade no embate colonial

Em Couro imperial: raça, gênero e sexualidade no embate colonial, publicado pela Editora da Unicamp em 2010, Anne McClintock realiza um debate que leva o leitor a refletir de forma ampla e complexa sobre as categorias de poder e identidade sociais. 

Por meio da mobilização de teorias socialistas, psicanalíticas e pós-coloniais, a obra apresenta reflexões acerca das complexas relações entre raça e sexualidade, violência e gênero, fetichismo e capital, entre outras, para fazer uma análise sobre o papel do gênero nas zonas de poder imperial e anti-imperial, no período que vai da Grã-Bretanha vitoriana até as lutas pelo poder na África do Sul. Sendo assim, Couro imperial apresenta uma leitura do imperialismo como uma política de violência, vista a partir de ambivalências. 

Essas obras, ao apresentarem visões plurais e críticas sobre o feminismo, proporcionam aos leitores a ampliação das concepções sobre o tema, explorando contextos culturais diversos e, em alguns casos, surpreendentes, indo além da homogeneização dessas discussões. Assim, a Coleção Gêneros & Feminismos se mostra uma produção editorial comprometida com a transformação social e a justiça epistêmica, ao contribuir para o rompimento de visões retrógradas, patriarcais e sexistas, que estão sendo reavivadas e ganhando força atualmente, por meio da mobilização de teorias da sociologia, da antropologia, da filosofia, da psicologia e de outras áreas. 

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