
Esse livro, profundamente ancorado nas noções foucaultianas sobre biopoder e nos desenvolvimentos de Achille Mbembe sobre necropolítica — demonstra a maneira pela qual a suposta emancipação da população LGBTQIAPN+ no pós 11 de setembro não representou uma verdadeira e radical ruptura com as estruturas de poder, mas sim um reposicionamento. Isso porque o Estado neoliberal, longe de abandonar suas funções regulatórias e administrativas, passou a gerir logisticamente as sexualidades. De um lado temos a incorporação seletiva de pessoas LGBTQIAPN+ higienizadas e “desejáveis” – gays cis brancos, de classe média, patriotas, conservadores — através de políticas sociais como o reconhecimento legal do casamento igualitário e o militarismo gay e lésbico, e, do outro, a intensificação da marginalização violenta de populações queer marcadas pela dissidência racial, generificada e sexual — muçulmanos, imigrantes, pessoas negras e palestinas —, agora ainda mais expostas aos prazeres pornotrópicos da máquina de moer gente do Estado.
Quando nomeia essa dupla operação, Puar não só desmonta a narrativa progressista, linear,3 que celebra os “avanços da população LGBTQIAPN+” no Ocidente, mas, antes, visa apreender as artimanhas desse sistema que produz exclusão em nome da inclusão, ou seja, expõe as facetas da mesma moeda biopolítica. Dito de outra forma, é-nos revelado como a sexualidade, longe de ser um terreno de liberação, também mimetiza um instrumento de governamentalidade, servindo tanto para a legitimidade do imperialismo atual, quanto para a manutenção e gestão de hierarquias raciais e coloniais que funcionam como pilares do ordenamento do espaço global.
Essa logística não deixa de fora a noção central de sua teorização: o homonacionalismo. A mesma maquinaria estatal que promove a inclusão cosmética e doméstica é responsável pela violenta marcação de populações racializadas no palco internacional. O pinkwashing israelense é um exemplo paradigmático disso. A exaltação discursiva dos direitos gays em Israel serve simultaneamente para legitimar a ocupação genocida da Palestina, consolidar a narrativa de um choque civilizatório, bem como para apagar a existência de dissidências sexuais em territórios “inimigos”. Tudo isso não passa de um cálculo biopolítico preciso, onde certas vidas são passíveis de luto e outras não.
Tal cálculo biopolítico, capaz inclusive de incluir em sua estrutura certas variáveis reivindicativas de parcelas minoritárias das sociedades, afirma-se e expressa-se através da produção de cotidianos que legitimam a hierarquia de quais corpos podem, mais facilmente, viver ou morrer. Seguindo o caso evocado acima, é nítido o papel que a diferenciação por meio da esfera sexual ocupa neste cálculo biopolítico. Os discursos que buscam associar o Estado de Israel a uma espécie de bastião da libertação sexual e das políticas queer assimilativas ao mesmo tempo que diferenciam o povo palestino — esta imagem de massa turva produzida por sua monstrificação sexual — estão intrinsecamente conectados ao projeto de saque de terras, genocídio e acumulação primitiva em curso nos ataques de Israel à Gaza.
Os esforços de Bush para refutar a ideia de que as vidas psíquicas e imaginárias dos estadunidenses são depravadas, doentes e poluídas, sugerindo, em vez disso, que eles permanecem naturalmente livres de tais perversões reforça um regime liberal de heteronormatividade multicultural intrínseca ao patriotismo dos EUA. […] esse homonacionalismo trabalha biopoliticamente para redirecionar o incidente desvitalizante da tortura sobre uma população direcionada para a morte em um evento revitalizante de otimização da vida para os cidadãos estadunidenses a quem se pretende securitizar. (Puar, 2025, p. 181)
A lógica da libertação sexual justifica o saque e a violência colonial na medida em que serve como bússola do desenvolvimento, quando é instrumentalizada para o controle da alteridade e integra os regimes securitários de regulação biopolítica. O livro de Puar nos coloca a refletir criticamente sobre esse movimento de captura de pautas minoritárias para justificar projetos de desenvolvimento baseados na violência contra aqueles que estão fora dessa norma cujas fronteiras parecem se alargar, porém nunca o bastante. Ao mesmo tempo, Puar aponta os limites desse movimento queer que, ao pedir mais direitos, pede mais Estado, e ao pedir mais Estado, pede mais violência.
O terror perverso dessa dialética é figurado por Puar quando, em sua análise sobre Abu Ghraib — onde a violência sexual, (des)genirifcada e racial contra corpos iraquianos — se revela como um dispositivo de múltiplas camadas. Primeiro temos a espetacularização das violências, interpretada pelo imaginário ocidental como evidência pura de uma suposta “barbárie sexual islâmica”, reforçando o mito do Oriente como espaço de contenção, interdição e repressão queer – narrativa esta que serviu tão somente para abafar a violência estadunidense, justificando a ocupação militar como uma “missão civilizatória” produzida pela noção do muçulmano como um sujeito conservador e queerfóbico por natureza. A ironia cruel desse terror sociopolítico reside no fato de que o mesmo aparato estatal que tortura por meio de constrangimentos sexuais simultaneamente se apresenta como defensor dos direitos LGBTQIAPN+ mundialmente.
Esse duplo movimento exemplifica o que poderíamos nomear, através de Puar, de “governamentalidade sexual imperialista”, em que a sexualidade funciona como arma de guerra (como nos casos de tortura), escudo ideológico (na autoproclamação ocidental de superioridade moral) e máquina de produção de alteridade e austeridade (na construção do Outro colonial que deve ser abatido). Ao mapear essa funcionalidade, algo de Puar ecoa e radicaliza o orientalismo sexual de Said, isso porque, se, para Said, o Oriente mimetiza uma feminização eroticizada, em homonacionalismo fica evidente que ele é ao mesmo tempo queerizado e queerfóbico, criando assim uma dupla imagem onde o “terrorista” é ao mesmo tempo hiperssexualizado (nos interrogatórios) e dessexualizado (como sujeito político). Tudo isso deve nos importar justamente porque essa genealogia revela como o imperialismo contemporâneo não apenas mobiliza a sexualidade, mas a transforma em campo de guerra onde se disputam projetos civilizacionais, hierarquias raciais e economias morais da violência.
Se o papel da sexualidade nessa guerra civilizatória é tão central nos territórios militarmente ocupados e anexados pelas forças imperialistas contemporâneas — estadunidenses ou israelenses —, Puar não nos deixa perder de vista como as dinâmicas de integração e/ou exclusão da população LGBTQIAPN+ dentro desses próprios territórios nacionais estão igualmente baseadas em dispositivos securitários de gestão biopolítica. Paralelamente a essa articulação ocidental da sexualidade oriental através de sua negatividade, Puar mostra como a gestão biopolítica das populações dissidentes nos Estados Unidos passa pelo registro positivo da incorporação de suas demandas na mesma medida em que se acentuam e intensificam-se os mecanismos de regulação estatal da sexualidade.
Um projeto gerador de liberalismo, o processo supostamente libertador de desregulamentação inaugura mais uma vez a multiplicação de repertórios de conhecimento — particularização, minúcias, o que Hunter chama de “inspeção intensificada” – de corpos queer. […] Paradoxalmente, a descriminalização da sodomia resulta em uma regulação estatal acentuada da sexualidade, em vez de um declínio em tal patrulhamento, autorizando muitos outros atores a intensificar outros tipos de inspeção como, por exemplo, para avaliar a adequação de homossexuais para a adoção e a paternidade. (Puar, 2025, p. 233)
Tais mecanismos de contenção disciplinar sobre as condutas morais, médicas e jurídicas dessas populações, ancorados na contemporânea prática de produção sistemática de dados — biométricos, geográficos, pessoais– sobre os indivíduos, aparecem para regular seu acesso aos instrumentos de exercício da prometida cidadania nacional. Neste sentido, Puar também nos faz pensar na micropolítica dos extensos, truculentos e humilhantes processos de reivindicação desses direitos conquistados pelas populações dissidentes; como nas longas filas de imigração e nos desconfiados processos de adoção de crianças por casais homossexuais ou pré-cirurgias afirmativas de gênero — respectivamente marcadas por instrumentos de regulação e validação de suas condutas morais, jurídicas, mentais, geográficas e sexuais.
No cenário brasileiro essa lógica perversa se reconfigura em tessituras de poder, como o discurso de inclusão que coexiste com práticas genocidas. A criminalização da homofobia — conquista celebrada como marco civilizatório — se mostrou completamente inócua diante do extermínio cotidiano de corpos de pessoas trans e negras nas periferias — paradoxo que expõe a seletividade racial do Estado em sua administração da violência. Como demonstram pesquisadoras como Bruna Andrade Irineu, mesmo políticas progressistas4 são frequentemente capturadas por uma racionalidade neoliberal que as converte em instrumentos de gestão social, seja por meio do encarceramento em massa (com o pretexto de proteção da vida), seja via higienização urbana (que remove corpos indesejáveis dos espaços comuns de visibilidade). Nessa gramática, a cidadania queer é concedida como privilégio, enquanto a maioria permanece exposta à violência abissal desse terror sociopolítico — revelando como o pinkwashing não é mera estratégia de relações públicas, mas tecnologia de governança que redefine os próprios termos de “possível” e “impossível” no capitalismo racial.
Mas algo sempre escapa. Ao mobilizar o conceito de agenciamento, Puar se distancia das análises binárias que polarizam poder e resistência como campos estanques, propondo em seu lugar uma cartografia complexa das relações de força que atravessam a queeridade contemporânea como campo agônico. Dessa forma, sexualidade, racialidade, nacionalidade e classe não operam como categorias isoladas, mas fazem parte de uma mesma configuração móvel e contingente do poder — arranjos onde a celebração estatal do casamento igualitário coexiste, sem contradição aparente, com a expansão do complexo prisional-industrial e a militarização das fronteiras e periferias. Há algo de farmacopornográfico aqui também, ao mesmo tempo que alguns corpos são incorporados ao circuito inteligível através do consumo do aparato técnico-medicalista de suas identidades, outras são marcadas como ameaças monstruosas a serem neutralizadas pelo aparato penal. A conta é simples, mas ela nunca fecha.
Contudo, como alertaram Jin Haritaworn e Fatima El-Tayeb, o homonacionalismo requer cuidadosa contextualização histórica e geopolítica, já que suas manifestações variam significativamente entre diferentes formações nacionais e territoriais. Rahul Rao advertiu ainda para o risco de, ao enfatizarmos excessivamente os mecanismos de cooptação estatal, ocluirmos as estratégias criativas de resistência, fuga e recusa desenvolvidas por comunidades queer no Sul Global — desde redes de apoio mútuo até epistemologias dissidentes que tensionam as lógicas assimilacionistas. Essas críticas não invalidam o brilhante trabalho de Puar, mas o complexificam, nos lembrando sempre que, mesmo em estruturas mais violentas, existem formas insurgentes de existência queer que desafiam tanto o nacionalismo heteronormativo quanto seus avatares homonacionalistas. A situação nos exige gingado e malícia. Isso aqui é um campo de guerra e nossas supostas estabilidades ontológicas são, na verdade, posições agônicas.
Aqui no Brasil, organizações e casas de acolhimento como a CasaNem, ou ainda grupos situados com suas estratégias autônomas e coletivos anarquistas, encarnam o que José Estaban Muñoz chamou de utopia queer – não como utopia da futuridade, mas prática cotidiana de construção de alternativas radicais ao presente. Essas e tantas outras articulações, que tecem a queeridade sempre-já imbricadas com o antirracismo e o anticapitalismo, operam na contramão da assimilação, da violência de Estado quanto às falsas promessas de aceitação e inclusão neoliberais. Seus ativismos e militâncias materializam o que Puar sugere ao evocar o conceito de tempo queer – uma crítica direta à linearidade do tempo progressista LGBTQIAPN+, que celebra marcos legais enquanto ignora a persistência da violência estatal contra corpos dissidentes. É como aqui no Brasil, um país onde a criminalização da homofobia convive com o maior número de assassinatos de pessoas trans no mundo, onde políticas de reconhecimento são implementadas paralelamente à militarização das favelas.
A atualidade de Agenciamentos terroristas é ainda mais evidente quando olhamos a ascensão global da extrema direita, como figuras como Obá, Bolsonaro e Trump, cujos governos combinam retórica antigênero com políticas econômicas neoliberais — prova de que o liberalismo LGBTQIAPN+ pode ser facilmente descartado quando deixa de servir aos interesses do capital. No Brasil pós 2022, a contradição se aprofunda: um governo que inclui figuras abertamente não heterossexuais e cis mantém intacto o aparato securitário que mata pretos, travas, bichas e periféricos diariamente. Tal movimento crítico ganha consistência quando apontado em direção ao entendimento de que a gestão securitária cotidiana que recai sobre esses corpos dissidentes — muitas vezes de maneira fatal, mas, em sua totalidade, como mecanismos de regulação, nomeação e conformação das alteridades — não é um desvio à normalidade, senão uma condição necessária para a integração de suas pautas à existência regulamentada.
Essas máquinas securitárias de gestão da vida cotidiana e dominação dos antagonismos, que abrangem desde os drones que bombardeiam os civis da Faixa de Gaza até as câmeras do Smart Sampa que cotidianamente produzem e armazenam dados biométricos daqueles que são alvo da regulamentação na região metropolitana de São Paulo, estão, hoje, mais do que nunca, baseadas em processos de mineração da chamada acumulação primitiva de dados dos sujeitos alvos destas tecnologias. Pensando na especificidade do caso paulistano e do recente movimento de modernização de sua guarda municipal — tendo em vista principalmente o aprimoramento dos dispositivos de monitoramento remoto e policiamento preditivo —, tal acumulação de dados, apartada da neutralidade, é peça fundamental para o desenvolvimento de ações policiais e políticas públicas — esta outra forma de policiamento —, de higienização social e afirmação dos interesses do mercado imobiliário na reprodução do espaço urbano; ações que atingem, majoritária e violentamente, a população preta, trans e imigrante das ocupações e fluxos urbanos. A partir das reverberações do texto de Puar, não se deve achar ousado elaborar a relação que se estabelece entre o aprimoramento dessas forças policiais supostamente garantidoras da segurança nas regiões mais centrais de São Paulo e a comercialização dos empreendimentos imobiliários dessa porção da cidade — que se erguem, justamente, com o auxílio desse vetor policial de valorização e especulação sobre a terra urbana — atrelada a bares, baladas e ambientes que têm uma determinada parcela higienizada da comunidade LGBTQIAPN+ como público-alvo.
Ao analisar como a imagem do ocidente progressista nas pautas de gênero e sexualidade é articulada em função do cumprimento das agendas desenvolvimentistas baseadas na violência estatal, Agenciamentos terroristas abre brechas para a presentificação de debates relativos a uma libertação sexual que não trate de maneira ideológica a relação que se estabelece entre a reivindicação institucionalizada das pautas minoritárias e a inerente securitização e burocratização de todas as esferas cotidianas da vida comum dessa comunidade em função da possibilidade dessa integração.
A obra de Puar não oferece um manual, uma fórmula ou um programa, mas nos convida a experimentar uma desobediência epistêmica radical — reposicionar a política queer para além das instituições do Estado, em alianças interseccionais que convergem a lutas antirracistas, anticapitalistas e anti-imperialistas. Seu maior e talvez mais importante ensinamento seja nos lembrar que a verdadeira liberação não virá da inclusão do sistema atual, mas da construção coletiva de uma aqui-agora queer decolonial — um futuro que já está sendo gestado nas bordas do mundo, nas ocupações urbanas, nos terreiros, nas quebradas, onde corpos dissidentes insistem em viver apesar do mundo.
Referências
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Boletim (Anti)Segurança #37: Em nome da segurança e do progresso: “Uma casa na praia não é um sonho”, o exército de Israel a fará. Disponível em:
<https://lasintec.unifesp.br/boletins/boletim-antiseguran%C3%A7a/boletim-antiseguran%C3%A7a-37>
Boletim (Anti)Segurança #42: Cães de guarda: mais do mesmo da polícia e o acréscimo do policiamento hightech. Disponível em: <https://lasintec.unifesp.br/boletins/boletim-antiseguran%C3%A7a/42-boletim-antiseguran%C3%A7a>
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Notas
- Optamos por “socialidade” em detrimento de “existência” por nos alinharmos à crítica de Fred Moten à hierarquia entre “o político/política” e o “o social”, como proposto por Hannah Arendt. Enquanto Arendt privilegia o político como esfera pública de ação e discurso, deixando o social a um domínio a ser regulado e contido, Moten desloca o foco para a socialidade como um espaço de produção relacional que antecede e excede as próprias pretensões da política. Ao invés de pensar “existência” como um dado individual ou ainda abstrato, aqui enfatizamos a “socialidade” como redes de apoio mútuo, contato, toque, encontro e cooperação que constituem a vida subcomum (Moten, 2024). Trata-se, assim, de privilegiar as dinâmicas coletivas e subterrâneas que escapam à regulação, que sustentam e reinventam a própria possibilidade de existirem em conjunto. ↺
- Refere-se a uma forma de governamentabilidade que mantém a aparência formal democrática, mas opera por mecanismos de controle e segurança desterritorializados, sempre associados à violência policial e à militarização da política. Isto é, nas democracias atuais, esse modo de governança e gestão atuam por meio dos aparatos de segurança policial que ultrapassam fronteiras nacionais, integrando-se a estratégias diplomáticas e militares. Essa subsunção da política à lógica de segurança permite o controle autoritário sem a necessidade de estabelecer uma ditadura formal. É essa configuração, presente em governos ao redor do mundo que define, como esclarece Acácio Augusto (2021) as democracias securitárias. ↺
- Ela é linear, como narrativa, mas suposta porque não real — ou seja, a aparente linearidade progressista é uma construção discursiva que oclui as contínuas violências e contradições do sistema, revelando que a inclusão alegada coexiste com mecanismos de exclusão. ↺
- Seu potencial transformador é neutralizado justamente por sua eficácia em servir a lógicas neoliberais, que cooptam a linguagem da emancipação para aprofundar a gestão e governança. ↺
Publicado no número 2 do volume 11 da Revista Rosa em 25/06/2025.
Revista Rosa, S.Paulo/SP, Brasil, https://revistarosa.com, ISSN 2764-1333.