Agenciamentos terroristas: um debate sobre identidade e teoria queer

Marcella Fernandes Dias

A música “Born this way” (“Nasci desse jeito”, em tradução para o português), da cantora e compositora estadunidense Lady Gaga, tornou-se um hino de representatividade ao enfatizar a importância de cada um ter orgulho e amor por si mesmo, independentemente de sua orientação sexual, identidade de gênero, raça ou etnia. Tais aspectos citados pela artista são constituintes de nossas identidades, que refletem diretamente na forma como nos reconhecemos e nos apresentamos para as demais pessoas ao nosso redor. 

Considerando que vivemos em um mundo diverso e as relações que podem ser estabelecidas entre esses elementos identitários – como sexualidade, raça, gênero, nação e classe –, o livro Agenciamentos terroristas: homonacionalismo em tempos queer, de Jasbir K. Puar, analisa como determinados sujeitos queer são integrados em políticas liberais, passando de figuras de morte para indivíduos produtivos e ligados a ideias de vida. Isso depende, porém, da exclusão de corpos terroristas orientalizados nessas relações. A obra, lançada originalmente em inglês, em 2007, foi traduzida por Priscila Piazentini Vieira e Luiz Filipe da Silva Correia e é uma publicação da Editora da Unicamp em coedição com a crocodilo edições. 

Jasbir K. Puar é docente do Instituto de Gênero, Raça, Sexualidade e Justiça Social da Universidade de British Columbia e foi professora e diretora de pós-graduação em estudos sobre mulheres e gênero na Universidade Rutgers, nos Estados Unidos. Também participou da edição de diversas revistas, como GLQ (“Queer Tourism: Geographies of Globalization”), Society and Space (“Sexuality and Space”), Social Text (“Interspecies”) e Women’s Studies Quarterly (“Virals”). Além disso, é ganhadora de importantes premiações, como o Prêmio de Estudos Culturais da Associação de Estudos Asiático-Americanos pela publicação do livro Agenciamentos terroristas: homonacionalismo em tempos queer.

Por meio da articulação entre as contribuições feministas, queer e transnacionais, a obra apresenta um paradigma inédito para teorizar raça e sexualidade, abrangendo as formações raciais e as identidades de populações da Ásia Ocidental, como sul-asiáticas, árabes estadunidenses e muçulmanas. Para isso, a autora utilizou entrevistas, reuniões, análises discursivas da mídia, filmes, documentários, entre outros materiais. Essas análises partiram de mais de seus cinco anos de trabalho de pesquisa em organizações comunitárias, eventos de ativismo, protestos, palestras, meios de comunicação midiáticos, entre outras formas de atuação e participação.

O livro possui quatro capítulos e, além deles, conta com um Prefácio à edição de 2017, um Prefácio sobre táticas, estratégias e logísticas e uma parte reservada para a Introdução. Ao final, apresenta ainda uma seção de Conclusão, um Posfácio sobre homonacionalismo em tempos de Trump, uma parte destinada aos Agradecimentos e outra às Referências bibliográficas. 

O primeiro capítulo, intitulado “A sexualidade do terrorismo”, tem como tema o homonacionalismo nos Estados Unidos e discute como os discursos contra o terrorismo são racializados e sexualizados, replicando ideais de raça, classe e gênero. Já o segundo aborda a tortura no presídio iraquinao de Abu Ghraib e discute sobre identidade excepcional homossexual a partir do homonacionalismo de forma transnacional. No terceiro, Puar comenta sobre o caso Lawrence, que descriminalizou a sodomia consensual entre pessoas adultas nos Estados Unidos. Por fim, o quarto capítulo dedica-se aos sujeitos diaspóricos queer, como foco em pessoas sikhs com turbantes. 

Agenciamentos terroristas: homonacionalismo em tempos queer surgiu de diversos acontecimentos que, segundo a autora, funcionam como instantâneos e pontos de explosão por dependerem dos paradigmas relacionados ao passado, ao presente e ao futuro. O 11 de Setembro, a tortura de prisioneiros em Abu Ghraib e uma série de crimes raciais contra muçulmanos e sikhs são algumas dessas situações que “voltam repetidamente, retornam, transmitem e embaralham seus efeitos de espacialização concomitantes”.

Dentre as diversas questões levantadas ao longo do livro, um dos conceitos centrais é o de homonacionalismo, que aborda como determinadas posturas identitárias associam sujeitos queer não brancos a pessoas radicais. Sustentada por certos corpos homossexuais, essa noção está relacionada ao excepcionalismo estadunidense e faz com que uma população acredite ser superior a outra. De acordo com Puar, 

[…] esse tipo de homossexualidade opera como um roteiro regulatório não apenas normativo da condição de ser gay, queer ou da homossexualidade, mas também das normas raciais e nacionais que fortalecem esses sujeitos sexuais.

Nesse aparato de normatização do projeto nacionalista dos Estados Unidos, empregado na guerra ao terror, além de a imagem do terrorista ser racializada e sexualizada, seu corpo também é atingido por esse processo, uma vez que é vinculado a uma ideia de impropriedade e perversidade. Mais adiante, a autora argumenta que, ao mesmo tempo que a homonormatividade é disciplinada pela nação e por princípios heteronormativos, ela também exerce uma vigilância sobre os corpos queer sexualmente perversos.

Ao abordar o terrorismo a partir do agenciamento, explorando as relações entre representação e afeto, Agenciamentos terroristas: homonacionalismo em tempos queer amplia o debate sobre as questões de gênero e de sexualidade por meio da teoria queer. A obra abre espaço para pensar cultura, representação e identidade, desafiando a heteronormatividade e as formações dominantes. Trata-se, portanto, de uma leitura muito interessante por convidar os leitores a refletirem com profundidade sobre como os corpos terroristas são lidos e significados e também por chamar o público para pensar sobre o que essas corporalidades fazem, visto que “os corpos se entrelaçam, rodopiam juntos e transmitem afetos e efeitos uns aos outros”.

Para saber mais sobre a obra, visite o nosso site!

Agenciamentos terroristas: homonacionalismo em tempos queer

Autora: Jasbir K. Puar

ISBN: 9788526816749

Edição: 1ª

Ano: 2024

Páginas: 488

Dimensões: 16 x 23 cm

Deixe um comentário