Maria Vitória Gomes Cardoso
Ao longo da história, a Idade Média foi frequentemente retratada, após o Iluminismo, como um período de “Idade das Trevas”. Essa visão parte da premissa de que foi uma época marcada pela escuridão, dominada pelas crenças impostas pela Igreja católica, que supostamente rejeitava o pensamento racional e que não teria gerado produções intelectuais significativas. No entanto, historiadores contemporâneos têm desafiado essa visão simplificada, revelando aspectos complexos e importantes da época, que demonstram sua riqueza cultural, intelectual e social. É isso que André Miatello faz ao publicar seu mais novo livro pela Editora da Unicamp: Uma história religiosa das cidades medievais.
André Miatello é graduado em História pela Universidade Estadual Paulista (Unesp-Franca), com mestrado e doutorado pela Universidade de São Paulo (USP). Tem, ainda, pós-doutorado pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR) e, atualmente, é professor de História Medieval na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Em 2013, publicou a obra Santos e pregadores nas cidades medievais italianas.
Uma história religiosa das cidades medievais, o mais recente livro de André Miatello, integra a Coleção Estudos Medievais da Editora da Unicamp. Na obra, o autor oferece uma análise aprofundada e abrangente do papel religioso na organização das comunidades urbanas, explorando também a influência da história urbana na Igreja. Dessa forma, a obra tem dois eixos principais: a história religiosa da cidade e a história social da Igreja, o que a torna particularmente interessante e enriquecedora.
O livro está organizado em dez capítulos, além da Introdução e da Conclusão. Inclui também imagens e documentos históricos que enriquecem a compreensão do tema, acompanhados de análises perspicazes do autor.
Com o intuito de ser uma história religiosa da cidade ocidental, explorará o papel do religioso na organização da comunidade urbana, na gestão das pessoas e dos espaços, nas relações econômicas, na exploração do ambiente, em suma, na cultura da cidade como um todo. Além disso, buscando ser também uma história urbana da Igreja, este livro abordará a influência da cidade na construção da experiência eclesial cristã, especialmente durante os séculos da Idade Média. As balizas deste trabalho são, portanto, duas: a história religiosa da cidade e a história social da Igreja.
Miatello mostra ainda uma preocupação com todos os cuidados necessários para preparar um estudo com o máximo rigor acadêmico, ciente de que o texto será lido por pessoas que não são especialistas em História ou Teologia. A linguagem também ajuda nessa difusão, pois é bastante didática, permitindo que até leitores não especializados possam entendê-la com facilidade. Dessa forma, a obra apresenta-se como uma leitura envolvente e de grande valor, acessível a um público amplo.
O autor compartilha que a ideia de escrever esse livro surgiu durante seus primeiros anos como professor universitário, especialmente nos cursos sobre cidades medievais em que lecionou. Ao interagir diretamente com seus alunos, ele percebeu que a formação deles sobre a Idade Média era superficial e frequentemente marcada por distorções provenientes das abordagens acadêmicas modernas. Assim, ao ler a obra, percebemos que o pesquisador colabora para romper com a superficialidade que se tem sobre o tema na contemporaneidade.
Um dos aspectos mais interessantes abordados no livro, que contribui para superar a visão superficial da Idade Média, é a análise do autor sobre o sentimento de pertencimento e de comunidade nas cidades, gerado pela religiosidade. No capítulo 6, por exemplo, Miatello destaca o forte senso de pertencimento nas paróquias, que se manifestava por meio de práticas como liturgias, procissões, festas, funerais, irmandades, guildas e outras organizações. A igreja paroquial, assim, funcionava não apenas como um espaço religioso, mas também como um local de convivência, debate público e ação política para a comunidade local. O autor define as paróquias como “comunidades estruturadas para organizar a vida individual e social, segundo lógicas comunitárias ancoradas no espaço físico”.
A obra também aborda as comunas e as confrarias, especialmente no capítulo 7. O autor explica que a comuna era composta por indivíduos que romperam com a servidão, emanciparam-se politicamente e passaram a ter voz no poder, representando o autogoverno e a decisão coletiva. A confraria, assim como a comuna, era uma associação juramentada com compromissos morais e políticos. Ambos os movimentos surgiram paralelamente, mas com uma diferença: enquanto nas comunas a organização política excluía a participação feminina, nas confrarias as mulheres eram aceitas em igualdade com os homens e, em alguns casos, podiam ter mais influência. A partir do século XIII, o sucesso das confrarias cresceu tanto, que se tornaram a principal forma de organização associativa da religiosidade e piedade leiga no contexto urbano (leigos são os cristãos que não fazem parte do clero, ou seja, não são ordenados nem fazem parte da hierarquia eclesiástica, mas participam ativamente de atividades ligadas à Igreja).
Assim, Uma história religiosa das cidades medievais oferece uma visão profunda e enriquecedora da Idade Média, rompendo com a visão reducionista da Idade das Trevas. Ao explorar o papel da religiosidade na formação das comunidades urbanas e sua interação com a vida social, o autor revela a complexidade e a importância desse período, destacando a influência das Igrejas como instituições sociais no cotidiano medieval. Com uma linguagem acessível e rigor acadêmico, Miatello consegue atrair tanto especialistas quanto leitores não familiarizados com o tema. A obra afirma-se como uma valiosa contribuição aos estudos medievais, proporcionando uma nova compreensão sobre o papel da religião, da política e da organização social nas cidades medievais.
Para saber mais sobre a obra, visite o nosso site!

Uma história religiosa das cidades medievais
Autor: André Miatello
ISBN: 978-85-268-1678-7
Edição: 1a
Ano: 2024
Páginas: 576
Dimensões: 23 x 16 cm