Ana Alice Kohler
“Uno, gratuito e breve, o poema desse tipo anseia por confluir poesia e prosa, simbiose que envolve forma e conteúdo.” É assim que Fernando Paixão introduz o tema da Antologia do poema em prosa no Brasil, livro da Editora da Unicamp em coedição com a Ateliê Editorial. A obra reúne e organiza 100 poetas e mais de 200 poemas brasileiros, todos pertencentes a uma tradição literária que sempre esteve à margem das publicações, dos ciclos poéticos hegemônicos, das escolas e das historiografias literárias. Criado há mais de um século pelo famoso poeta moderno Charles Baudelaire, o poema em prosa figura como uma das grandes formas expressivas da poesia, rompendo com as métricas e os formalismos característicos do gênero por meio da liberdade da prosa. A antologia organizada por Paixão pretende, assim, esboçar a história dessa forma poética em território brasileiro, em uma atitude que se desvia dos paradigmas da historiografia literária e propõe um olhar alternativo para a poesia produzida desde o século XIX até a atualidade.
Fernando Paixão graduou-se pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo e obteve o título de mestre em Teoria e História Literária no Instituto de Estudos da Linguagem da Unicamp. Doutor em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP, trabalhou como editor por mais de 30 anos, organizando obras importantes como Momentos do livro no Brasil, que recebeu um Prêmio Jabuti em 1995. Docente do Instituto de Estudos Brasileiros da USP, suas principais áreas de pesquisa são o modernismo literário no Brasil e em Portugal, a literatura brasileira com ênfase no século XX, a história do livro no Brasil, o poema em prosa brasileiro e os gêneros literários. Além de teórico, é também poeta e ensaísta, com diversas obras publicadas.
Antologia do poema em prosa no Brasil, que conta com ilustrações de Sergio Fingermann, apresenta uma porção teórica de autoria do organizador, Fernando Paixão, e um grande conjunto de poemas dispostos em ordem cronológica. A primeira parte possui três textos: “Poema em prosa: por que não?”, “Panorama do poema em prosa no Brasil” e “Nota editorial”. No primeiro, Paixão explica como se deu o surgimento desse tipo de poesia, que reflete a ruptura e a hibridez da modernidade. Além disso, o organizador oferece ao leitor possíveis definições para o gênero, que, por essência, escapa às classificações simples e fechadas atribuídas a outras formas de literatura. Por meio de exemplos específicos, ele demonstra a importância da unidade, da gratuidade e da brevidade, que “operam em conjunto, configurando o andamento geral” da poesia em prosa. Por fim, Paixão ainda esclarece os contrastes e as afinidades entre a prosa poética e o poema em prosa, frequentemente confundidos.
No texto seguinte, “Panorama do poema em prosa no Brasil”, são apresentados os quatro principais períodos histórico-literários em que o poema em prosa figurou nos trabalhos dos escritores brasileiros. Primeiramente, destaca-se a prosa poética desenvolvida durante o Romantismo brasileiro por autores como Gonçalves Dias e Álvares de Azevedo. O poema em prosa, entretanto, só surge verdadeiramente no Brasil a partir das últimas décadas do século XIX, por meio das influências simbolistas vindas da Europa. O autor argumenta, nesse sentido, que a poesia em prosa, principalmente a francesa e a portuguesa, ganhou espaço nos trópicos, resultando no aparecimento de figuras como Cruz e Souza, que, influenciado por Baudelaire, Mallarmé e Flaubert, “encarna todas as aspirações do simbolismo e produz uma obra de alta qualidade plástica”.
A terceira fase destacada por Paixão é a do Modernismo, em que “a ênfase na ousadia criativa é colocada em primeiro plano […], deixando de lado qualquer normatividade sobre os gêneros literários”. Com o novo foco da época no alargamento do horizonte de criação, o gênero híbrido do poema em prosa foi deixado de lado pelos principais autores do início do século XX, como Mário de Andrade, Oswald de Andrade e Ronald de Carvalho. Paixão destaca, entretanto, o papel, mesmo que escasso, de Manuel Bandeira e Carlos Drummond de Andrade no desenvolvimento da poesia em prosa no país. “Felizmente, a situação começa a mudar no momento seguinte”, e as gerações literárias das décadas de 1940 e 1950 passam a incorporar com mais veemência o poema híbrido em seus trabalhos, como demonstrado pela poesia de Aníbal Machado e Ferreira Gullar.
A conjuntura histórico-social da década de 1960 permite, segundo Fernando Paixão, a profusão do modelo híbrido de poesia, nas figuras de Eduardo Alves da Costa, Rubens Rodrigues Torres Filho, entre outros. Assim, a partir da “retomada da escrita de fundo político”, as referências antigas são deixadas de lado, conforme passamos ao quarto período eleito pelo organizador e intitulado “Da poesia marginal à modernidade plena”. No contexto ditatorial das décadas de 1960, 1970 e 1980, desenvolveu-se a chamada “poesia marginal”, que busca, na atitude experimental com a linguagem, a libertação política. O poema em prosa, muito condizente com esse novo projeto literário, ganha espaço com as publicações de Ana Cristina Cesar, Haroldo de Campos e Manoel de Barros. Por fim, Fernando Paixão oferece sua perspectiva acerca do poema em prosa contemporâneo:
De modo renovado, o poema em prosa continua sendo uma terceira margem da criação, agora acompanhada de um convite à pequena reflexão. E funciona como um apito de navio longínquo, que ressoa persistente em meio ao murmúrio de tantas linguagens que nos circundam.
O terceiro e último texto que antecede os poemas reunidos pela Antologia do poema em prosa no Brasil é a “Nota editorial”, que explica ao leitor como se deu a seleção dos autores escolhidos, dos quais o livro apresenta de um a quatro poemas cada. Ordenados por nascimento, dos mais antigos aos mais contemporâneos, a obra apresenta um panorama rico e diverso da produção da poesia em prosa em solo brasileiro, abrangendo trabalhos de nomes como Hilda Hilst, José Paulo Paes e João Cabral de Melo Neto. Assim, o leitor tem acesso a obras que, de maneiras diversas, exploram a forma do poema em prosa desde o século XIX até a atualidade.
No final, após a apresentação dos principais poemas em prosa do Brasil, a obra ainda oferece notas biográficas sobre cada um dos autores mencionados, bem como as referências bibliográficas utilizadas. Em Antologia do poema em prosa no Brasil, portanto, figuram uma extensa e diversa seleção de poetas que, por séculos, se mantiveram à margem do “modelo brutal” expresso no poema de Ana Cristina Cesar: “Não quero mais a fúria da verdade. Entro na sapataria popular. Chove por detrás. Gatos amarelos circulando no fundo. Abomino Baudelaire querido, mas procuro na vitrine um modelo brutal”.
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Antologia do poema em prosa no Brasil
Organizador: Fernando Paixão
ISBN: 9786526816794
Edição: 1ª
Ano: 2024
Páginas: 376
Dimensões: 16 x 23 cm