O tambor da poesia de Angola e Moçambique em Afrodicções

Ana Alice Kohler

Assim como acontece com outras manifestações artísticas de países africanos, a poesia desse continente ainda é pouco estudada internacionalmente, o que coloca em evidência a necessidade de os brasileiros entrarem em contato com esse material, que inclui autores que escrevem em língua portuguesa e podem, portanto, ser lidos de forma mais acessível. Afrodicções: poesias de Angola e Moçambique, livro lançado pela Editora da Unicamp, traz estudos importantes acerca da produção poética africana e foi organizado por Luciana Brandão Leal, Vanessa Riambau Pinheiro e Natalino da Silva de Oliveira. 

Luciana Brandão Leal é doutora e mestre em Letras – Literaturas de Língua Portuguesa pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, professora da Universidade Federal de Viçosa e dos programas de pós-graduação em Letras da UFV e da Universidade do Estado de Mato Grosso. Vanessa Riambau Pinheiro é doutora pelo Programa de Pós-Graduação em Letras da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, na área de Estudos Literários, e foi professora da Universidade da Costa Rica e da Universidade Estadual da Bahia. Atualmente, coordena o Grupo GeÁfricas na Universidade Federal da Paraíba, onde atua como professora associada na graduação e na pós-graduação. Natalino da Silva de Oliveira é licenciado em Letras – Português-Espanhol pela Universidade Federal de Minas Gerais, é mestre em Teoria Literária e doutor em Literatura de Língua Portuguesa e Literatura Comparada. Atualmente, é pesquisador do Núcleo Walter Benjamin e estuda história e memória cultural, literatura negra brasileira, periferia e Libras, e é professor do Instituto Federal de Educação do Sudeste de Minas Gerais.

Afrodicções possui 19 capítulos, divididos em três partes, escritos por poetas e pesquisadores brasileiros, africanos e portugueses. Além disso, conta com um texto de Apresentação, em que os organizadores contextualizam os estudos da literatura africana, em especial da poesia dos países de língua portuguesa, e vinculam a obra ao projeto “Afrodicções: a poesia dos países africanos de língua portuguesa”, coordenado por Luciana Brandão Leal. O leitor ainda encontra, no final do livro, uma pequena biografia de cada um dos autores que contribuíram para a realização da obra.

O primeiro texto de Afrodicções é de autoria de Maria Nazareth Soares Fonseca e apresenta um panorama acerca das manifestações poéticas em Angola e Moçambique nos contextos de pré e pós-independência. Os principais aspectos destacados, nesse sentido, são a importância do fazer poético como ato político na construção de uma identidade nacional e a especificidade regional de cada localidade, presente na incorporação de elementos orais e culturais. O leitor acompanha, entretanto, ao longo do livro, a transformação da poesia nesses dois países, que explora, na atualidade, “outras vias poéticas, cujo teor intimista redefiniu o percurso de exploração temática na sua lírica”.

Já a primeira parte de textos intitulada “Feições poéticas de Angola” aborda especificamente a poesia do país, a partir de ângulos e propostas diversas. Em “Angola: palavra de poeta”, por exemplo, Lopito Feijóo K. apresenta os principais nomes da poesia angolana, desde os mais emblemáticos e canonizados até os dos(das) poetas da juventude contemporânea. Outros textos, entretanto, abordam e teorizam aspectos específicos de determinados poetas. É o caso do estudo de Fabio Mario da Silva, que trata dos paratextos presentes nas obras da poeta Alda Lara e de como eles se relacionam com sua poesia. Esse procedimento também pode ser verificado no texto da crítica Terezinha Taborda Moreira, que versa sobre o uso de signos femininos no trabalho de Ana Paula Tavares, e em “Sob o signo da autenticidade: a reinvenção do ethos coletivo em Abreu Paxe”, de Vanessa Riambau Pinheiro, que trata do posicionamento crítico do poeta acerca do colonialismo.

Outros capítulos, entretanto, apresentam estudos acerca de aspectos diversos da lírica angolana, como a formação de coletivos contemporâneos e a colaboração de poetas como Cíntia Gonçalves e Hélder Simbad na potencialização dos debates acerca da produção e da crítica de poesia, tema do texto de Kaio Carmona. A relação entre o passado e o contemporâneo ainda é estudada por Pires Laranjeira em “Como Agostinho Neto antecipou Frantz Fanon: a renúncia impossível de ser negro”. Nesse capítulo, o autor propõe uma leitura do poema “A renúncia impossível” que evidencia o papel de Agostinho Neto como grande nome da literatura angolana, dando destaque para o diálogo estabelecido entre a obra e as propostas do teórico Frantz Fanon.

A segunda parte de Afrodicções, “Feições poéticas de Moçambique”, também traz, assim como a sua correspondente angolana, um capítulo introdutório, dessa vez escrito por Léo Sidónio de Jesus Cote, que apresenta os principais nomes e gerações da poesia moçambicana. Também o texto de Amosse Mucavele propõe uma reflexão mais geral acerca da produção literária em Moçambique, no capítulo “Entre o silêncio, o desassossego e a(s) distância(s): afinal, quem somos nós?”. De forma um pouco mais específica, o capítulo de Ana Mafalda Leite e Sara Jona Laisse é resultado de uma pesquisa quantitativa acerca da produção poética feminina em Moçambique, de forma que as autoras demonstram o crescimento da publicação de mulheres no país e os campos discursivos em que cada uma delas se insere. 

Assim como na seção acerca da poesia angolana, também estão presentes estudos sobre poetas moçambicanos específicos, como é o caso do capítulo assinado por Carmen Lucia Tindó Secco, “De pedras e perdas: dicções elegíacas presentes na poesia de Armando Artur”. O trabalho poético de Craveirinha, por exemplo, é tema de dois textos: “Craveirinha, a messe e os operários: cinco trabalhos que não são de Hércules”, de Francisco Topa, e “Craveirinha: a profética oralidade ancestral”, de Natalino da Silva de Oliveira, que tratam da publicação e da divulgação da poesia do moçambicano e do seu caráter de expressão da cultura africana, respectivamente. Também a vida e a obra de outros grandes poetas são “vasculhadas” por Luciana Brandão Leal, em “Reinaldo Ferreira: avesso do avesso”, e por Raquel Beatriz Junqueira Guimarães e Elzira Divina Perpétua, em “Roda das encarnações: o corpo da criação”. Já Lílian Paula Serra e Deus e Sávio Roberto Fonseca de Freitas tratam, em seus capítulos, de movimentos poéticos específicos. O capítulo de Lílian Deus, centrado no Msaho, “proposta de mergulho nas tradições moçambicanas”, evidencia o papel desse movimento como formador de uma identidade nacional que converge uma multiplicidade de vozes ainda no período colonial. Já o capítulo de Sávio de Freitas trata do movimento cultural Xitende, com grande destaque para a figura da jovem poeta Deusa d’África.

Por fim, a terceira parte da obra chama-se “Poéticas em trânsito” e é composta por dois textos que buscam relacionar poetas e obras angolanos, moçambicanos e brasileiros. O capítulo de Vanessa Ribeiro Teixeira, por exemplo, trata da performance feminina do encontro erótico em uma análise comparatista entre Paula Tavares, Conceição Evaristo e Sónia Sultuane. Já o último capítulo da obra, “Reverberações de identidade ancestral: tambores, atabaques e resistência”, escrito por Roberta Maria Ferreira Alves, estabelece relações entre Craveirinha, Solano Trindade e o rapper Emicida, em uma proposta de análise literária que enxerga no tambor a metáfora para o resgate da ancestralidade perdida. Essa mesma metáfora pode ser aplicada à própria leitura de Afrodicções

As pesquisas apresentadas nos capítulos deste livro reverberarão como toques rituais, tambores ancestrais. O toque é alto e límpido, impossível de ser negado ou de não ser ouvido. As lições da literatura moçambicana são a de que não se deve separar letra de vida e a de que não se deve produzir poesia escrita a partir de signos vazios.

Para saber mais sobre o livro, acesse nosso site!

Afrodicções: poesias de Angola e Moçambique

Organizadores: Luciana Brandão Leal, Vanessa Riambau Pinheiro, Natalino da Silva de Oliveira

ISBN: 9788526816572

Edição: 1ª

Ano: 2024

Páginas: 376

Dimensões: 16 x 23 cm

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