Ana Alice Kohler
Muito se discute acerca da utilidade da arte como uma forma de expressão, reflexão, aprendizado, entretenimento, denúncia e até da sua inutilidade como elemento puramente estético, afastado de qualquer lógica utilitarista ou mercadológica. Os organizadores de Políticas da diferença: colaborações, cooperações e alteridades na arte, entretanto, enxergam as potencialidades contidas na experiência artística a partir do encontro das diferenças. O livro, publicado pela Editora da Unicamp, “busca reunir reflexões e pesquisas que miram e defendem políticas da diferença diante das colaborações e cooperações na alteridade da arte”. Para isso, Emerson Dionisio de Oliveira, Maria de Fátima Morethy Couto e Marize Malta organizam textos que explicitam as diferentes abordagens acerca da alteridade que foram desenvolvidas nas artes visuais, ao longo dos últimos séculos.
Emerson Dionisio de Oliveira é formado em Comunicação Social pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, mestre em História da Arte e da Cultura pela Universidade Estadual de Campinas e doutor em História pela Universidade de Brasília, onde é professor associado do Departamento de Artes Visuais. Maria de Fátima Morethy Couto é mestre em História pela Universidade Estadual de Campinas e doutora em História da Arte e Arqueologia pela Universidade de Paris I. Atualmente, é professora titular no Instituto de Artes da Unicamp e atua na área de Fundamentos Teóricos e Crítica das Artes. Marize Malta é doutora em História pela Universidade Federal Fluminense e professora associada da Escola de Belas Artes da Universidade Federal do Rio de Janeiro. É líder do grupo de pesquisa Modos e membro da Associação Nacional dos Pesquisadores em Artes Plásticas e do Comitê Brasileiro de História da Arte.
Políticas da diferença reúne textos de teóricos e críticos de arte brasileiros, distribuídos em 11 capítulos e antecedidos por uma Introdução escrita pelos organizadores. Além disso, no livro, o leitor ainda encontra uma lista de Referências bibliográficas e, por fim, uma pequena apresentação de todos os autores contemplados no livro. Já na Introdução, são explicados os princípios teóricos que guiaram a criação da obra, a partir dos quais “operar no campo das diferenças parece ser o espaço inegável da condição da arte na contemporaneidade”. Assim, os organizadores pretendem construir um livro que defenda uma forma de lidar com a diferença a partir do seu potencial de promover a aproximação e a cooperação, processos que se dão de maneira privilegiada no campo das artes.
A diferença exprime-se, entretanto, de diversas formas e em manifestações artísticas variadas, podendo ser um elemento incorporado e trabalhado como parte integrante dos projetos ou evidenciado posteriormente, como é o caso exposto no primeiro texto do livro, “Entre quilombo e casa-forte: o lugar Arthur Bispo do Rosário”, de Roberto Conduru. Nele, o autor destaca como o trabalho do artista sergipano foi marcadamente entrecortado por aqueles que “nomearam, destacaram e reuniram” suas obras, de forma que a subjetividade de Bispo do Rosário é apenas um dos elementos que compõem a sua arte. Assim, a diferença, no texto de Conduru, “se institui entre sua sensibilidade e as violências psiquiátricas, curatoriais, museológicas e historiográficas”, enquanto, no segundo texto do livro, “Sou o criador de minha própria realidade, a tradição popular têxtil na criação de Feliciano Centurión”, Emerson Dionisio de Oliveira ressalta as discussões acerca de alteridades de gênero e de sexualidade presentes na obra do artista argentino.
Já em “Com quem eu vivo? Práticas artísticas de participação e colaboração em Ricardo Basbaum”, Luiz Cláudio da Costa elabora uma análise que enxerga na obra Novas Bases para a Personalidade (NBP) a construção de um espaço público de troca entre sujeitos, onde caem por terra as bases do indivíduo moderno, aquele que pode ser separado da coletividade da qual faz parte. Outra forma de trabalhar a alteridade por meio da arte desenha-se em “O colecionador e a floresta: natureza e linguagem na coleção Castro Maya”, em que Vera Beatriz Siqueira destaca o papel do processo de colecionamento na reunião de projetos poéticos pela diferença.
De forma semelhante, a museologia e a curadoria são elementos trabalhados por Marize Malta em “A cura e outras mandingas nos museus: as forças ocultas do confinamento”. Este, que é o quinto texto trazido em Políticas da diferença, trata da “musealização […] como processo mágico”, em um encontro entre as instituições confinadoras e a tradição das curas por meio da reunião das diferenças nos museus. Ainda acerca das escolhas curatoriais e do elemento expositivo, “Quando foi o decolonial? Reflexões com referência às exposições recorrentes”, de Vinicius Spricigo, explora a Bienal de São Paulo como palco privilegiado para a análise e a crítica da forma de inserção da arte brasileira no discurso global. A diferença expressa no âmbito geopolítico, portanto, pode ser vista por meio da arte contemporânea brasileira e da forma como ela é exposta para o mundo, tema também trabalhado por Maria de Fátima Morethy Couto em “Sob o mesmo sol, mas com alguns à sombra: arte da América Latina em exposição no museu Guggenheim de Nova York”. Questionando o papel dos grandes museus hegemônicos, portanto, Couto estabelece uma crítica acerca da forma como a diferença é institucionalizada ao longo do século XX, no espaço da arte.
O processo de curadoria de arte e o fenômeno da construção de acervos são temas do texto de Ana Magalhães, “A exposição como difusão científica: curadoria e pesquisa no MAC USP, 2018-2022”. Nele, a autora explora a maneira como o acervo do Museu de Arte Contemporânea da USP funciona como um “paradigma incontornável para pensarmos como políticas curatoriais fundam novos discursos e abordagens históricas”. Essa visão acerca do papel do museu também guia Francisco Dalcol em “(Re)imaginação institucional e estratégias expositivas em contexto museológico: experimentação curatorial no programa ‘Acervo em movimento’ do MARGS”. O autor, ao analisar as práticas curatoriais e expositivas do Museu de Arte do Rio Grande do Sul, busca demonstrar o impacto do encontro com a alteridade na arte por meio do “posicionamento crítico de reconsideração histórica e de autoexame institucional” promovido pela experimentação com o material artístico exposto.
O papel da arte como promotora do encontro entre os diferentes pode ser verificado, ainda, por meio da própria História da Arte, categoria epistemológica analisada por Vera Pugliese em “Retorno a Aby Warburg e retorno crítico na obra de Georges Didi-Huberman”. Ao analisar os escritos do filósofo francês, a autora mobiliza conceitos como Pathosformel, de Aby Warburg, para descrever debates contemporâneos acerca de “narrativas totalizantes, enfoques hierarquizantes e abordagens demasiadamente historicistas”. Por fim, o último texto de Políticas da diferença trata da alteridade a partir de outro ângulo, ainda pouco explorado: a morte. Escrito por Flavia Galli Tatsch, “A ‘descoberta’ da morte e o estranhamento diante das suas imagens: da pandemia de covid-19 à peste negra” trata das representações da morte no imaginário coletivo de duas épocas distintas, mas que sofreram males parecidos.
Políticas da diferença: colaborações, cooperações e alteridades na arte busca, portanto, compreender como a obra e o meio artísticos podem gerar espaços de encontro entre o diferente, a partir dos quais novas perspectivas podem surgir. Seja por meio da obra de um artista específico e sua recepção, seja a partir da análise de coleções e exposições ao redor do mundo, pela via teórica ou pela comparação entre as produções de duas épocas distintas, os autores do livro demonstram a potencialidade da arte como projeto político de alteridade: “Há vários conceitos do que venha a ser arte competindo entre si na atualidade. Discutir esse campo de disputas, conflitos, dissensos, cooperações, cooptações e atravessamentos é fundamental para compreender a necessidade de políticas que nos possibilitem a convivência com as diferenças”.
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Políticas da diferença: colaborações, cooperações e alteridades na arte
Organizadores: Emerson Dionisio de Oliveira, Maria de Fátima Morethy Couto, Marize Malta
ISBN: 9788526816374
Edição: 1ª
Ano: 2024
Páginas: 304
Dimensões: 14 x 21 cm