
Ai de nós, pois, em nosso tempo, as universidades estão domesticadas, e o modelo advogado pelos burocratas universitários – e consagrado por sua prática – é o de uma instituição que “se paga”, que gera divisas, que ostenta “empresas-filhas”. Que triste visão a de uma universidade que anda na ponta dos pés e implora pelo direito de existir. Uma universidade assim, a universidade pública hegemônica em nosso país, é uma visão tão tétrica quanto, para usar uma imagem de Schopenhauer, a de um Pégaso forçado a labutar sob o peso de uma canga.

Em tão desalentadora realidade, a interdisciplinaridade adquire o valor de um instrumento de luta, de um toque de despertar diante da alienação trazida pelo modelo que equiparou o fazer intelectual a uma tarefa produtiva e transformou o acadêmico, primeiro, em especialista feroz, e, em seguida, em empreendedor científico. Em um momento no qual a tecnologia se tornou pouco mais que um meio para fascinar (e explorar) as massas, a ciência apresenta sinais nítidos de estagnação e mesmo banalização, e o fundamentalismo ameaça subverter o modus faciendi acadêmico, a interdisciplinaridade traz um caminho para revigorar a universidade e uma base para a construção de uma formação verdadeiramente humanista – uma forma saudável e necessária de subversão.
A construção de uma autêntica interdisciplinaridade, não obstante, é um enorme desafio do ponto de vista da prática de pesquisa e de ensino. Com poucas exceções, nossas estruturas curriculares são obsoletas e cristalizam uma compartimentalização que, embora útil para uma universidade que tem o dever de alimentar o “mercado de trabalho” com diplomados, pouco contribui para o estímulo ao pensamento como meio de formação integral e libertadora. Diante desse cenário, é importante que se aplaudam esforços como os dos professores Sergio Russo Matioli e Diego Trindade de Souza, autores de Introdução à Bioinformática, da Editora da Unicamp.
Como muito bem apontam os autores em seu texto, a relação entre a computação e a biologia foi notada e explorada por pioneiros da informática, como Alan Turing, Claude Shannon e John von Neumann. Atualmente, é natural e necessário compreender a biologia molecular e a genética como áreas organicamente vinculadas à ciência de dados. A capacidade de análise trazida pelo computador digital e pelos modelos de aprendizado de máquina é uma ferramenta indispensável diante da estupenda complexidade dos mecanismos essenciais à vida.
O livro dos professores Matioli e Souza é uma contribuição valiosa para que os(as) estudantes das ciências da vida possam compreender as bases da computação digital e os enormes subsídios que ela pode trazer à pesquisa nessa área. Após um capítulo introdutório sobre a ideia de bioinformática, os autores apresentam três capítulos voltados a temas básicos em computação, abrangendo tanto elementos de hardware quanto de software. Esses capítulos permitem que o(a) estudante que não teve formação sistemática nesses temas compreenda o modus operandi das máquinas digitais e possa, assim, lidar com os elementos computacionais da bioinformática a partir de uma visão mais ampla e rica. Em seguida, os autores passam a discutir em profundidade problemas como o alinhamento entre sequências de macromoléculas, a filogenética, a filogenômica, os motivos e as estruturas de ácidos nucleicos e de polipeptídeos e as proteínas. Por fim, são apontadas perspectivas de desenvolvimento na área, o que estabelece uma ponte entre a formação e os desafios de pesquisa que os(as) leitores(as) poderão vivenciar caso desejem trilhar o caminho da investigação sistemática da área. Cabe destacar, por fim, que o livro é fruto da experiência didática dos autores – isso faz com que sua organização seja uma base sólida para que docentes de nosso país e de outros países da comunidade lusófona construam seus cursos no tema.
Romis Attux é professor da Faculdade de Engenharia Elétrica e de Computação (Feec) da Unicamp.
O Projeto Resenha é fruto de uma parceria entre a Editora da Unicamp e a Associação de Docentes da Unicamp (Adunicamp).
Para ler a entrevista no site do Jornal da Unicamp, clique aqui.
Autor: Sergio Russo Matioli e Diego Trindade de Souza
Ano: 2021
Páginas: 176