Maria Vitória Gomes Cardoso
Durante a Idade Média, o catolicismo emergiu como uma força política de grande relevância, influenciando não apenas a prática religiosa, mas também a estrutura social e política da época. A Igreja medieval desempenhou papéis fundamentais, sendo a guardiã da moralidade e da educação.
Nesse contexto, desenvolveu-se uma rica literatura destinada a transmitir aos fiéis os princípios da moral cristã. Diversos gêneros textuais, como sermões e tabelas de doutrina cristã, eram amplamente utilizados e frequentemente expostos publicamente nas paróquias. Através dessa literatura, a Igreja buscava orientar a vida cotidiana dos fiéis, moldando seu comportamento e suas crenças de acordo com os preceitos cristãos, o que, por sua vez, solidificava ainda mais seu poder e influência durante o período medieval.
Com o intuito de ampliar a divulgação dessa literatura pastoral ibérica, Leandro Alves Teodoro traduziu a obra Guias dos costumes cristãos castelhanos: o Espelho da alma e outros opúsculos pastorais dos séculos XIII, XIV e XV, publicado pela Editora da Unicamp. Teodoro é professor de História Medieval na Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (Unesp), no Câmpus de Assis, e também pesquisador no grupo “O ensino da fé cristã na península Ibérica (sécs. XIV, XV e XVI)”, um projeto financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). Além de suas atividades acadêmicas, é autor de várias obras, incluindo Cativar as almas – Diretrizes para a instrução espiritual (séculos XII-XV), em coautoria com Pablo Martín Prieto e Jean-Claude Schmitt, e Guias dos costumes cristãos: os primeiros opúsculos pastorais em língua portuguesa.
O livro, publicado em formato digital, conta com uma Introdução e notas elaboradas por Leandro Teodoro, além de uma Apresentação escrita por David Nogales Rincón, doutor em História Medieval pela Universidade Complutense de Madrid. A obra inclui também seis textos traduzidos e compilados por Teodoro, a saber: Glosa do Pai-Nosso, Constituições de D. Gonzalo Osorio (1303), Contra os fados, Espelho da alma, Breve doutrina e ensinança e, por fim, Proveitoso tratado de como devemos haver muito cuidado em expender mui bem o tempo e de que maneira o havemos de expender para que não se perca momento. Dirigido à condessa de Benavente.
Durante os séculos XII e XIII, num contexto de reorganização das dioceses ibéricas e de avanço da comunidade cristã em terras retomadas das mãos mouras, as paróquias ganharam a tarefa de ensinar homens e mulheres a professarem a fé católica e a conhecerem o potencial salvífico de cada sacramento da Igreja romana. Dado que as igrejas careciam de material pastoral destinado à aprendizagem dos alicerces da vida cristã, prelados e demais letrados da Igreja iniciaram a produção de obras em vernáculo, nas quais inventariavam os mandamentos da Lei de Deus, as orações e outros rudimentos do cristianismo. […] Obras de diferentes tamanhos e conteúdos, tanto volumosos tratados quanto opúsculos, foram, desse modo, elaboradas, com a finalidade de convencer clérigos diocesanos e mesmo religiosos mendicantes a colocarem em prática o ofício pastoral e a celebrarem os ritos litúrgicos.
O primeiro texto, Glosa do Pai-Nosso, é comumente atribuído ao bispo de Jaén, D. Pedro, e representa uma das primeiras obras escritas em castelhano que traduz e comenta a oração do Pai-Nosso. O objetivo da obra não é apenas ensinar as pessoas a rezar o Pai-Nosso, mas, sobretudo, fazê-las assimilar lições profundas contidas nessa oração, como a compreensão dos males que decorrem dos pecados mundanos. O segundo texto é um conjunto de constituições diocesanas promulgadas por D. Gonzalo Osorio. Nele, o autor aborda temas religiosos recorrentes da época e ainda discorre sobre a pregação nas missas, um assunto que ainda não havia sido tratado nas constituições de seus contemporâneos de outros reinos ibéricos.
Contra os fados, cuja autoria foi bastante debatida ao longo dos anos, é uma espécie de guia dos costumes cristãos que busca evidenciar a superioridade da fé cristã. O texto defende que o controle do tempo e do destino dos seres humanos pertence exclusivamente a Deus, e não aos astros ou a outros elementos. O quarto texto, Espelho da alma, foi escrito pelo frade agostiniano Lope Fernández de Minaya (Albacete) e promove uma discussão ampla a respeito dos prazeres mundanos e dos pecados que podem desviar o ser humano de um caminho virtuoso. Além disso, o texto oferece orientações sobre como resistir a essas tentações por meio de virtudes cristãs.
Breve doutrina e ensinança, por sua vez, comenta sobre os deveres dos cristãos e foi elaborado para que o público pudesse aprender a professar sua fé e a reconhecer suas transgressões. Por fim, Proveitoso tratado de como devemos haver muito cuidado em expender mui bem o tempo e de que maneira o havemos de expender para que não se perca momento. Dirigido à condessa de Benavente, disserta sobre a importância de aprender a controlar o tempo. O texto oferece orientações sobre como os fiéis devem gerir seu tempo de maneira a não desperdiça-lo, ressaltando a necessidade de viver de forma consciente e virtuosa.
Em suma, a obra Guias dos costumes cristãos castelhanos: o Espelho da alma e outros opúsculos pastorais dos séculos XIII, XIV e XV, traduzida por Leandro Alves Teodoro, possibilita a melhor compreensão da literatura pastoral medieval. Ao resgatar esses textos, Teodoro torna o passado da península Ibérica acessível e entendível para os leitores brasileiros, enriquecendo a experiência de leitura com suas detalhadas notas de rodapé e uma tradução cuidadosa.
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Tradução: Leandro Alves Teodoro
ISBN: 9788526816763
Edição: 1a
Ano: 2024
Livro digital – e-pub