Bernini na França: detalhes da viagem de um artista

Por Ana Alice Kohler

Em 1665, o artista Gian Lorenzo Bernini empreendeu uma longa viagem de Roma até Paris. Ele era um artista múltiplo – pintor, cenógrafo, escultor e arquiteto – e havia sido convidado por Luís XIV, o Rei Sol, para contribuir com a construção do Louvre. Encarregado de acompanhá-lo em sua estadia de cinco meses na capital francesa, Paul Fréart de Chantelou, conselheiro do rei, decidiu relatar os acontecimentos desse período no Diário da viagem do Cavaliere Bernini à França. O livro, publicado originalmente em 1885, agora ganha a primeira tradução em língua portuguesa, realizada por Alexandre Ragazzi e publicada pela Editora Unicamp.

Alexandre Ragazzi é especialista em História da Arte do Século XX pela Escola de Música e Belas Artes do Paraná, mestre e doutor em História da Arte pela Unicamp e professor adjunto do Departamento de Teoria e História da Arte da Uerj. Suas principais áreas de pesquisa são as relações entre pintura e escultura durante o Renascimento e o Maneirismo italianos.

Paul Fréart de Chantelou, autor do livro, foi um colecionador e protetor das artes, conhecido por ter incentivado os trabalhos de grandes artistas como Nicolas Poussin. Foi conselheiro e mordomo de Luís XIV, administrador do patrimônio e das finanças de Filipe de França e secretário de Luís II de Bourbon. Em 1665, trabalhou ao lado de Bernini como seu intérprete na capital francesa.

A nova obra conta com cinco capítulos introdutórios que disponibilizam ao leitor informações essenciais para uma compreensão mais ampla e profunda do diário. Nesses capítulos, o tradutor evidencia o contexto dessa nova publicação, principalmente em relação aos debates acerca da importância histórica dos monumentos e suas significações. Para Ragazzi, as disputas identitárias da contemporaneidade, com destaque para a luta contra o racismo e o movimento decolonial, perpassam pelo estudo acerca dos monumentos históricos. Ele destaca, nesse sentido, a relação entre a arte e o poder político: “Colocar uma estátua em uma praça ou construir um edifício constitui um ato político, um ato que, se bem-sucedido, fará com que aquele monumento seja recebido e compreendido pelas gerações futuras, e de tal forma que de um fragmento será possível depreender o todo de um poder maior, como se se tratasse da ponta de um iceberg”.

Portanto, é evidente que o envolvimento de Bernini, um dos mais importantes escultores italianos da época, na grandiosa construção do Louvre carrega profunda significação. Era projeto de Luís XIV tornar o palácio símbolo do poder da Monarquia francesa diante do resto da Europa, apresentando a França como potência e dando continuação aos esforços de Henrique II e Henrique IV, seus predecessores.

A Introdução do livro ainda apresenta uma breve biografia de Chantelou, grande conhecedor da arte de seu período e íntimo de diversos aristocratas. Além disso, Ragazzi destaca o caráter de crítica estética do diário. Através do relato, o autor capta os preceitos e valores artísticos de sua época, além das particularidades de Bernini. Por fim, a última parte dessa seção, chamada “O resultado da estada parisiense”, analisa os produtos da visita do artista à corte francesa (o busto e o monumento equestre de Luís XIV, e o projeto arquitetônico do Louvre) e explora hipóteses sobre suas intenções.

Após a Introdução, o leitor é apresentado ao diário propriamente dito, que trata dos processos de criação de Bernini durante cinco meses (de junho a outubro de 1665). Sua arte era muito ligada à religião, e muito de seu trabalho atendia às encomendas do papado. Em Roma, já havia esculpido São Sebastião, remodelado a Igreja de Santa Bibiana, projetado e construído o túmulo de São Pedro e produzido diversos bustos de figuras relevantes da época. Da sua estadia em Paris, entretanto, resultaram apenas duas esculturas de Luís XIV, um baixo relevo de um Cristo menino, no qual trabalhou com o filho, e os projetos para o Louvre.

As descrições do fazer artístico trazidas no diário detalham amplamente questões técnicas e até a relação entre artista e comitente, em um registro raro acerca da arte do século XVII. Chantelou detalha, durante o primeiro mês da visita, a adaptação de Bernini à corte francesa, as relações que travou com Colbert, primeiro-ministro do rei, e as discussões que tiveram. Desde o início, o conselheiro destaca a forte relação do artista com a religião e seus representantes, principalmente com o papa Urbano VII. O primeiro mês da viagem, nesse sentido, é passado em pequenas visitas a edifícios importantes da capital, enquanto aguarda a entrega do seu material de trabalho e inicia o modelo do busto do monarca.

O leitor também encontra, na segunda parte do diário, debates entre Bernini e importantes figuras, como o ministro Colbert, acerca das dimensões de seus projetos para o Louvre. Chantelou expõe, dessa forma, as visões estéticas do artista, que enxergava a arquitetura em relação às dimensões do corpo humano. Além disso, o relato do mês de agosto revela as diferenças de concepção artística entre a Itália e a França, e os jogos políticos envolvidos na arte da época.

Essa relação entre os diferentes agentes sociais é expressa mais profundamente na quarta parte do diário, em que as discordâncias entre Bernini e Colbert se acentuam, e o fim da estadia do artista prenuncia-se. Por fim, Chantelou relata os acontecimentos do mês de novembro, quando Bernini diz adeus à corte francesa e retorna para Roma, após apresentar ao rei o que havia produzido e receber o pagamento devido. Nas últimas páginas, o leitor ainda tem acesso a algumas cartas trocadas entre Bernini e Chantelou após seguirem rumos separados.

Essa edição, em especial, possui, além da extensa gama de textos introdutórios já comentados, notas de rodapé informativas acerca de figuras históricas e esclarecimentos sobre algumas obras mencionadas pelo autor, uma contextualização que agrega na experiência de leitura. Assim, tanto especialistas na arquitetura do período quanto entusiastas da arte e da história no geral poderão desfrutar desse relato único de uma época e, principalmente, dessa tradução para o português, com tudo que ela oferece.

A tradução de Alexandre Ragazzi, nesse sentido, permite que o público brasileiro acesse os valores artísticos de uma Europa tão distante no tempo e no espaço. O ambiente social da corte do Rei Sol, as referências artísticas da época, as relações entre a França e a Itália, seus respectivos gostos e suas intrigas de poder, são todos temas encontrados no Diário da viagem do Cavaliere Bernini à França.

Para saber mais sobre o livro, visite o nosso site!

Diário da viagem do Cavaliere Bernini à França

Autor: Paul Fréart de Chantelou

ISBN: 978-85-268-1623-7

Edição: 1ª

Ano: 2023

Páginas: 440

Dimensões: 18 x 27 cm

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