Por uma visão multidisciplinar da ayahuasca

Por Maria Vitória Gomes Cardoso

Há dois anos, o Brasil teve uma mudança significativa na nomenclatura da data celebrada no dia 19 de abril. Criado em 1943 e, até então, nomeado como Dia do Índio, em 2022 o dia passou a ser chamado Dia dos Povos Indígenas, a fim de reforçar a diversidade dos povos indígenas, bem como seus diferentes costumes e culturas. 

Nos dias de hoje, ainda há, infelizmente, diversos tabus e preconceitos em relação aos diferentes costumes e culturas dos povos indígenas. Suas religiões, seus métodos medicinais e suas tradições muitas vezes são vistos como inferiores e também como se fossem uma só cultura. Por isso, é importante que cada vez mais sejam difundidas informações responsáveis e verdadeiras sobre esses povos, ressaltando a pluralidade existente entre eles e os diferentes costumes de cada um, de forma a quebrar os estereótipos e preconceitos existentes em relação a eles. 

Nesse sentido, o livro Visões multidisciplinares da ayahuasca apresenta um dos aspectos presentes nessa diversidade cultural, destacando, por exemplo, a “multiplicidade linguística da ayahuasca”, bebida enteógena utilizada na medicina tradicional indígena: “Mas a multiplicidade linguística da ayahuasca vai além dos nomes pelos quais ela é chamada. Nas diversas tradições indígenas, a ayahuasca se insere em uma cosmogonia específica que não costuma estar separada da própria visão de cada povo e, portanto, traduz-se em uma série de outras palavras”.

A ayahuasca, produzida pela decocção de duas plantas de origem amazônica, tem propriedades psicoativas que a incluem no conjunto das substâncias psicodélicas, cujo uso religioso e ritualístico é permitido no Brasil. A bebida de origem indígena é o principal material de estudo do livro, que nos traz uma junção de experiências múltiplas e variadas dos diversos participantes e colaboradores do grupo de pesquisa Icaro – Interdisciplinary Cooperation for Ayahuasca Research and Outreach, também conhecido como Cooperação Interdisciplinar para a Pesquisa e Extensão da Ayahuasca. O grupo nasceu na Universidade Estadual de Campinas e atualmente conta com a colaboração de pesquisadores de diversos locais. A obra foi originada a partir de um curso internacional ministrado de 2017 a 2019, que foi transformado, em 2021, em um curso de extensão on-line chamado Perspectivas Interdisciplinares da Ayahuasca. Em 2022, o curso teve também uma versão internacional abreviada na Universidade de Tartu, na Estônia. 

Visões multidisciplinares da ayahuasca reúne diversos estudos sobre o universo da ayahuasca, em três abordagens principais: a relação da planta com a natureza e as ciências humanas, suas implicações na saúde mental e as investigações em pesquisas experimentais. Ao todo, além da Apresentação, a obra contém 13 capítulos e neles são abordadas diversas temáticas sobre a ayahuasca, o que evidencia a complexidade e completude do livro. Os organizadores do livro são Lucas Oliveira Maia, bacharel em Ciências Biológicas pela Universidade Federal de Goiás (UFG) e doutor em Saúde Mental pela Unicamp; Camila Dias, licenciada em Ciências Biológicas e mestra em Ciências Farmacêuticas pela Unicamp; Luis Felipe Valêncio, graduado em Ciências Biológicas pela Unesp e doutorando em Saúde Coletiva na Unicamp; e, por fim, Luís Fernando Tófoli, graduado e doutor em Medicina pela Universidade de São Paulo (USP) e atualmente professor associado de Psiquiatria da Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp.

A ayahuasca possui uma grande importância para os povos indígenas e vem sendo mais bem compreendida a partir de novos estudos e observações. Segundo a obra, atualmente, em território brasileiro, há cerca de 42 grupos indígenas diferentes que utilizam a ayahuasca para rituais religiosos, práticas cerimoniais, contato com o mundo não material, cura e mesmo para a guerra ou para a caça – usada para descobrir onde está o inimigo. Nesse sentido, é possível verificar que cada grupo indígena faz uso da ayahuasca de forma diferente, com base em seus próprios costumes. 

Outra temática interessante abordada no livro são as religiões ayahuasqueiras brasileiras, tratadas no segundo capítulo pela pesquisadora Sandra Lucia Goulart. O capítulo destaca a legitimação social e o direito do uso religioso da ayahuasca diante do Estado brasileiro, garantido pelos representantes dessas religiões. Sobre isso, são apresentadas na obra as histórias de formação das religiões ayahuasqueiras brasileiras pioneiras, de seus elementos cerimoniais e das influências de tradições culturais que as distinguem. 

Além disso, na segunda parte do livro, a partir do capítulo 5, os estudos possuem um enfoque na relação da ayahuasca com a saúde mental, tratando de temas muito interessantes, como, por exemplo, o seu potencial terapêutico, o uso da planta no cuidado de pessoas com uso problemático de drogas e os efeitos subjetivos proporcionados pela ingestão da ayahuasca.

Desse modo, percebe-se que Visões multidisciplinares da ayahuasca é um livro extremamente importante para conhecer, estudar e refletir sobre a ayahuasca, suas origens e seus possíveis usos. Trata-se de uma obra indicada para profissionais da medicina, pesquisadores e interessados no tema, pois traz estudos importantes que comprovam os efeitos benéficos da bebida, por exemplo, para o tratamento de algumas doenças e para o cuidado da saúde mental.

Para saber mais sobre o livro, visite o nosso site!

Visões multidisciplinares da ayahuasca

Organizadores: Lucas Oliveira Maia, Camila Dias, Luis Felipe Valêncio, Luís Fernando Tófoli.

ISBN: 9788526816169

Edição: 1a

Ano: 2023

Páginas: 248

Dimensões: 16 x 23 cm

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