O mundo musical de Mário de Andrade

Por Maria Vitória Gomes Cardoso

Em fevereiro de 2024, a Mocidade Alegre conquistou, com o enredo “Brasileia Desvairada – A busca de Mário de Andrade por um país”, o segundo título de campeã no desfile das escolas de samba do Carnaval de São Paulo. Para abordar o tema, a agremiação trouxe à avenida as fascinantes jornadas de Mário de Andrade pelo Brasil, em busca de uma identidade nacional. Ainda, o desfile destacou as valiosas contribuições e reflexões do renomado autor sobre a rica diversidade cultural brasileira. 

Sobre esse assunto, Mário de Andrade tornou-se conhecido por suas contribuições para a criação de uma identidade brasileira através de seus escritos sobre música e arte, áreas que desempenham um papel fundamental na construção e na preservação da história nacional. Foi por conta da importância dessas ricas contribuições que Jorge Coli lançou seu mais novo livro pela Editora da Unicamp em parceria com a Editora da Universidade de São Paulo (Edusp), Música final, obra que analisa e reúne os artigos sobre música erudita escritos por Mário de Andrade entre 1943 e 1945.

Mário de Andrade (1843-1945) foi um poeta, contista, cronista, romancista, musicólogo, historiador de arte, crítico e fotógrafo brasileiro. Reconhecido como uma das figuras centrais do movimento modernista brasileiro, ele deixou um legado profundo em suas reflexões sobre a arte e a cultura do Brasil. Tamanha é sua importância, que a Editora da Unicamp não só publicou Música final, mas também lançou em 2020 uma edição bilíngue português-inglês de cinco dos seus principais contos, intitulada Contos de Mário de Andrade. Em 2021, esse mesmo título recebeu também uma edição acessível e interativa para surdos.

O livro Música final aborda o pensamento de Andrade sobre grandes compositores e obras musicais e foi concebido originalmente como tese de doutorado de Jorge Coli. Coli possui graduação e mestrado em História da Arte pela Universidade de Provença, doutorado em Filosofia pela Universidade de São Paulo (USP) e pós-doutorado na Universidade de Nova York. Na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), defendeu sua livre-docência, foi diretor do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas entre 2013 e 2017 e recebeu o título de professor emérito em novembro de 2023. Organizou, ainda, pela Editora da Unicamp, a obra A arte da comparação: homenagem a Luiz Carlos Dantas em conjunto com Miriam Gárate, em 2016.

A obra recém-lançada é um ótimo material de estudos para todos os pesquisadores de música e cultura, já que reúne todos os artigos que foram publicados semanalmente por Mário de Andrade, entre 1943 e 1945 (ano de sua morte), no jornal Folha da Manhã, na coluna Mundo Musical. Além dos textos do autor, o livro apresenta comentários de Jorge Coli sobre esses escritos, proporcionando uma análise adicional e contextualização. Ademais, a obra inclui textos organizados em anexos, tanto da autoria de Mário de Andrade quanto de outros escritores da época, enriquecendo ainda mais a compreensão do contexto histórico e cultural em que esses escritos foram produzidos. Os originais da coluna Mundo Musical que serviu para as transcrições presentes na obra são os recortes conservados no arquivo Mário de Andrade, do Instituto de Estudos Brasileiros da Universidade de São Paulo (IEB-USP).

Os textos de Mário de Andrade nessa coluna abordavam principalmente a música erudita e os grandes artistas e compositores que o escritor admirava na época, como Villa Lobos, Carlos Gomes, Nyi Erh, Claude Debussy, Mozart, Elsie Houston, entre outros. No entanto, é importante ressaltar que esses escritos, embora centrados na música, transcenderam seu âmbito temático e acabaram retratando também as preocupações sociais, culturais e artísticas do autor sobre a sociedade brasileira da época. Em um dos textos, por exemplo, do final de 1943, o autor comentou sobre as motivações mundanas para se fazer arte e defendeu que muitas vezes as melhores obras eram escritas justamente em momentos de sofrimento. Sobre isso, Mário de Andrade afirma:

A arte, a arte verdadeira é sempre um instrumento de comunicação entre os homens. A obra de arte é sempre uma prova de insatisfação, sempre uma queixa. Queixa toda especial, não esqueço, que pode muitas vezes ser até alegre e pregar o futuro duma vida milhor. […] Si você está sofrendo fome, anda com a barriga e o bolso vazios e está esperando primeiro encher bolso, barriga e matar sua fome pra depois compor, pintar seu quadro, escrever sua poesia, você jamais fará uma obra de arte legítima. A obra de arte legítima não espera por você. Você é que, si for artista, tem de esperar por ela. E ela chega a qualquer hora, nos tempos de sossego como nos de dor, especialmente nos de dor.

Outro ponto interessante nos escritos de Mário de Andrade é quando ele comenta sobre a influência das artes diante de conflitos. Para ele, todos os artistas, sejam eles do âmbito da música ou não, deveriam organizar seus esforços para contribuírem de alguma forma para o combate à Segunda Guerra Mundial que estava acontecendo no período. Durante o tempo em que escreveu na coluna Mundo Musical, ele testemunhou os horrores da guerra em pleno curso, já que esta durou de 1939 a 1945, inclusive menciona que, ao ser convidado para escrever na coluna, sentiu receios, pois, além de estar envelhecendo e sentindo-se cansado, estava acontecendo um conflito mundial. Chegou a questionar se havia espaço para as artes da paz em meio a uma época tão marcada pela tragédia. Seus escritos, portanto, não se limitaram apenas a questões musicais, mas também abordaram de forma intrínseca questões sociais e políticas, refletindo a sensibilidade e o compromisso do autor com os dilemas de sua época.

Música final emerge como uma obra de importância inestimável para os estudos culturais e artísticos brasileiros. Não apenas oferece análises perspicazes de Mário de Andrade e Jorge Coli sobre música e arte, mas também lança luz sobre as questões sociais que têm permeado a cultura brasileira. Essa obra é fundamental não apenas para os estudiosos de música e arte, mas também para os entusiastas das contribuições intelectuais de Mário de Andrade.

Para saber mais sobre o livro, visite o nosso site!

Música final

Autor: Jorge Coli

ISBN: 9788526816084

Edição: 2a (revista)

Ano: 2023

Páginas: 592

Dimensões: 16 x 23 cm

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