Pelo prisma rural: o regionalismo literário através do tempo

Por Maria Vitória Gomes Cardoso

Em 2022, comemorou-se o centenário da Semana de Arte Moderna no Brasil, ocorrida na cidade de São Paulo em fevereiro de 1922, evento que originou o movimento modernista no país, com autores como Oswald de Andrade, Mário de Andrade e Manuel Bandeira. Oito anos depois, na década de 1930, o modernismo contou com uma segunda geração de autores (como Guimarães Rosa e Graciliano Ramos), que trabalharam, entre outros temas, com uma categoria central para a literatura brasileira: o regionalismo. Entretanto, esse tema não começou a ser desenvolvido no modernismo nem se extinguiu naquele momento. O livro Pelo prisma rural, de autoria de Fernando Cerisara Gil e publicado pela Editora da Unicamp, mostra como o regionalismo emerge no século XIX, passa pelo romance dos anos 1930 e se estende até o romance contemporâneo.

Fernando Cerisara Gil estuda a questão do regionalismo há bastante tempo, tendo, inclusive, um livro publicado em 2020 intitulado A matéria rural e a formação do romance brasileiro: configurações do romance rural, em que reuniu seus estudos sobre o regionalismo do século XIX. Em Pelo prisma rural, Gil, que é doutor em Teoria Literária e História da Literatura pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e professor titular de literatura brasileira da Universidade Federal do Paraná (UFPR), faz um trabalho mais amplo, em que reúne diversos ensaios com o objetivo de compreender certas formulações do pensamento literário e certa prosa ficcional pelo que ele chama no livro de “prisma rural”.

A obra foi dividida em duas partes. Na primeira, há ensaios mais teóricos e históricos, que apresentam as questões e os problemas relacionados às condições de ingresso do regionalismo na consciência literária e histórica dos escritores brasileiros. Na segunda parte, o autor investiga as formas como a prosa de ficção brasileira lidou com a matéria rural, especialmente ao longo do século XX, mas também como vem lidando com esse tema no século XXI. 

“Estamos sugerindo que a partir da segunda metade do século XIX, com sua consolidação na década de 1870, houve uma expressiva produção literária que poderíamos chamar de provincial ou rural, de tendência não urbana, que escapava ao eixo cultural e literário dominante, que era a cidade do Rio de Janeiro, a corte e depois a capital federal da República.”

Nos primeiros ensaios do livro, o leitor poderá entender o surgimento da noção de regionalismo e como ela foi vista por importantes escritores e críticos literários do país ao longo do tempo. Uma das explicações que o livro traz para o surgimento dessa literatura regional e do próprio termo regionalismo é, por exemplo, o fortalecimento dos estados brasileiros como unidades de poder político, administrativo e cultural, na medida em que, com essa independência, os estados passam a enxergar a necessidade de construir suas próprias literaturas regionais, começando, assim, a surgirem no Brasil manifestações dessa necessidade, como o Primeiro Congresso Regionalista do Nordeste e o modernismo paulista de 1922.

Já na segunda parte do livro, o autor analisa algumas importantes obras da ficção brasileira que abordam o mundo rural. O primeiro ensaio dessa parte comenta, por exemplo, a obra Os jagunços, de Afonso Arinos, publicada ainda no século XIX, ao passo que os artigos seguintes passam também por romances da década de 1930, como Banguê, de José Lins do Rego, Vidas secas, de Graciliano Ramos, e também por obras de autores extremamente importantes da literatura brasileira como Guimarães Rosa, com o conto “Meu tio iauaretê”, João Ubaldo Ribeiro, com Sargento Getúlio, e Clarice Lispector, com seu último romance, A hora da estrela. Lembrando que, sobre os romances dessa época, a Editora da Unicamp mantém em seu catálogo a obra Uma história do romance de 30, escrita pelo doutor em Teoria e História Literária pela Unicamp Luís Bueno.

Por fim, também é feita uma comparação entre três romances rurais de tempos diferentes: Inocência (1872), de Alfredo d’Escragnolle Taunay, Vidas secas (1938), de Graciliano Ramos, e Torto Arado (2019), de Itamar Vieira Junior, numa interessante perspectiva do romance rural e da noção de regionalismo desde o século XIX até os dias atuais.

Fernando Cerisara Gil explica também que por muito tempo o regionalismo não teve uma boa reputação no meio literário. Antonio Candido, por exemplo, apesar de reconhecer a importância dessa categoria literária para a formação da literatura brasileira, pensava que o regionalismo era fruto de regiões atrasadas e subdesenvolvidas historicamente. Já o escritor brasileiro Mário de Andrade vinculava o regionalismo ao nacionalismo fracassado, pois seria a imposição de um padrão estético, e, para ele, o nacionalismo só seria legítimo sendo inconsciente de si mesmo.

Pelo prisma rural se mostra, portanto, um livro bastante completo que explica as origens e o desenvolvimento da literatura regional no país, trazendo uma análise profunda de algumas importantes obras literárias brasileiras. Trata-se de um material fundamental para os estudiosos da literatura brasileira, principalmente para aqueles que querem se aprofundar nas literaturas regionais do país.

Para saber mais sobre o livro, visite o nosso site!

Pelo prisma rural

Autor: Fernando Cerisara Gil

ISBN: 9788526816077

Edição: 1a

Ano: 2023

Páginas: 304

Dimensões: 14 x 21 cm

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