Por Leo Vitor Navarro
Em 2022, a Cia. Elevador de Teatro Panorâmico celebrou seus 20 anos com a peça Tebas, que reúne em uma única história a trilogia de Sófocles (Édipo Rei, Édipo em Colono e Antígona), e com a peça Caro Kafka, que narra um episódio real ocorrido na vida do escritor tcheco Franz Kafka, posteriormente divulgado por sua companheira Dora Dymant. Marcelo Lazzaratto é diretor da companhia de teatro e traz à luz peças novas ou já canônicas interpretadas pela ótica de um método performativo muito querido pelo diretor: o Campo de Visão.
Marcelo Lazzaratto, doutor em Artes da Cena e atualmente professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), lançou, pela Editora da Unicamp, a obra Campo de Visão: um exercício de alteridade, que analisa as diversas possibilidades pedagógicas, estéticas e filosóficas do sistema de improvisação teatral denominado “Campo de Visão”. No livro, o autor oferece uma estrutura pedagógica detalhada para a aplicação desse exercício e retrata o processo de criação de três espetáculos teatrais que concebeu e dirigiu (Ifigênia, O Jardim das Cerejeiras e Diásporas), nos quais o Campo de Visão desempenhou um papel crucial tanto como procedimento criativo para os atores quanto como linguagem cênica para o espetáculo em si.
Ao longo da obra, o pesquisador faz uma linha do tempo para contar a história de seu contato com o Campo de Visão. As últimas três décadas, tempo total em que vem desenvolvendo seu trabalho com o método, são divididas em três períodos distintos: o primeiro, batizado de “caótico”, corresponde à primeira década de trabalho com o método, na qual o pesquisador não lançou mão de uma metodologia rígida de investigação, guiando-se, em contrapartida, pelo “espanto”, ou seja, pelo fascínio que a técnica lhe provocava em seus primeiros contatos com ela; o segundo, por sua vez, é denominado “organização” e corresponde à segunda década, caracterizada pelo estudo sistematizado e de maior rigor, o que resultou em sua dissertação de mestrado e, posteriormente, em sua tese de doutorado; ao terceiro, por fim, o autor dá o nome de “reverberação”, período em que utilizou o método em obras dramatúrgicas clássicas e já canônicas e analisou como esse tipo de exercício se destacava nelas e, em troca, como elas ampliavam as reflexões proporcionadas por ele.
Nas palavras de Lazzaratto, Campo de Visão
“trata-se de um exercício em Improvisação Teatral, coral, no qual os participantes só podem se movimentar quando algum movimento gerado por qualquer ator estiver ou entrar em seu campo de visão. Os atores não podem olhar olho no olho. Devem ampliar sua percepção visual periférica e, através dos movimentos, de suas intenções e pulsações, conquistar naturalmente uma sintonia coletiva para dar corpo a impulsos sensoriais estimulados pelos próprios movimentos, por algum som ou música, por algum texto ou situação dramática. Trata-se de uma improvisação conduzida, cabendo ao condutor a difícil tarefa de interferir apenas nos momentos precisos e necessários para impulsionar e realimentar o jorro criativo dos atores”.
A ação não se origina de impulsos individuais, mas de um exercício que abre os participantes para o mundo exterior e interior, desdobrando-se na cena. Segundo o diretor, “nele, é sempre o ‘outro’ que proporciona ao ‘eu’ seu sentido e sua forma”. Entre as inúmeras qualidades do mecanismo, destacam-se: i) a ampliação do repertório gestual e imagético; ii) o fortalecimento da visão periférica e da empatia em relação ao outro; iii) o desenvolvimento de uma noção espacial; e iv) a capacidade de expandir o potencial criativo do ator a partir da interação com os outros, evitando estereótipos predefinidos de personagens e promovendo uma exploração mais profunda tanto de sua própria interioridade quanto do universo a ser criado. Além disso, como afirma Lazaratto, o Campo de Visão encontra-se em contínua evolução: desde sua primeira sistematização em 2002 até o presente, em 2023, muitas descobertas e adições têm ampliado sua abrangência e aprimorado seu conteúdo.
Em um primeiro momento, o autor demonstra o uso do método na criação de dois espetáculos baseados em materiais dramatúrgicos clássicos e canônicos. A abordagem da peça Ifigênia, com origem na tragédia de Eurípedes, levou a uma exploração aprofundada do coro (conjunto de atores que representam um único personagem e cantam ou narram o acontecimento encenado), que se tornou a matriz de todas as ações em cena, enquanto o trabalho com a peça O Jardim das Cerejeiras, de Tchekhov, por sua vez, trouxe representações de cenas mais interiores e revelou o potencial do método para explorar nuances não verbais e subtextos na dramaturgia do autor russo; na obra-base, o indivíduo encontra-se inserido em algo maior do que ele, característica que se traduziu na peça a partir da concepção de um “corpo-paisagem”, em que “um ator é uma cena onde passam outros ‘atores’ […] o ator é um corpo-paisagem por onde passam todos os ‘personagens e seus lugares’”. Por fim, o pesquisador retrata o uso da técnica na criação de uma dramaturgia inédita, o espetáculo Diásporas, que contou com a participação de 45 atores e refletiu uma nova direção na pesquisa, abordando a questão contemporânea dos fluxos migratórios e transformando o Campo de Visão em um tema geopolítico.
A obra Campo de Visão: um exercício de alteridade não só traz um exercício de análise do método teatral Campo de Visão como também toda a história do diretor e professor Marcelo Lazzaratto com o mecanismo, que vem aprimorando e redescobrindo ao longo dos últimos 30 anos. Aos amantes ou estudantes do teatro, o livro é fundamental, dada a técnica teatral de grande valor que é apresentada. É interessante mencionar que, ao longo do texto, imagens-chave são inseridas e no início do livro há um QR Code por onde é possível acessar todas as imagens com cores.
Para saber mais sobre o livro, visite o nosso site!

Campo de Visão: um exercício de alteridade
Autor: Marcelo Lazzaratto
ISBN: 978-85-268-1605-3
Edição: 1a
Ano: 2023
Páginas: 192
Dimensões: 16 x 23 cm